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XINGU/ GEORGE STEVENS/ KON ICHIKAWA/ CAMERON CROWE/ ELECTRA EURIPIDES/ GARY COOPER/ ZÉ TRINDADE

   COMPRAMOS UM ZOOLÓGICO de Cameron Crowe com Matt Damon e Scarlett Johansson
Há algo de errado com a gente. Simplesmente somos incapazes de levar "o bem" a sério. O século XX entupiu nossa cabeça com a ideia ( absurda ), de que apenas aquilo que é "do mal" pode ser verdadeiro. Quem viu este filme? Fala do luto, da morte, da reconstrução. Mas tudo sob a ótica de gente do bem. Pessoas que são como eu ou como as que eu conheço. Mas o doentio em nosso mundo é que essas pessoas que conheço só se interessariam por este filme se ele fosse do mal. Se o pai fosse um viciado em heroína e pedófilo talvez eles o assistissem. Se o papel de Scarlett fosse o de uma maníaca tarada e ladra, eles fizessem fila para ver. O estilo Jornal Nacional é o que predomina. Para as massas, prédios explodindo e viagens fabulosas, para os pseudo-cultos, a exposição de podridão e de personagens "do mundo real". Mundo real de quem, cara pálida? O meu não é. Este filme é melancólico pra caramba, não foge de assuntos dark, mas tudo sob a ótica da bondade, do ser legal. Senti aversão em 3/4 dele, tudo me parecia fofo, bobo, mas só no fim percebi que aquilo tudo era muito mais eu-mesmo que baboseiras metidas a artesinha-para-principiantes que abundam por aí. Em um mundo mais saudável este filme seria um hit. E meus amigos teriam corrido para vê-lo e depois o discutido comigo. Mas ele não tem auto-punição, sangue, sexo doentio, drogas pesadas, necrofilia...Tem apenas um cara tentando sobreviver e uma familia com problemas sérios de uma familia banal. Como a minha. E provávelmente como a sua. Damon está ótimo e Scarlett, desglamurizada, tenta atuar. É sua melhor interpretação. Crowe não desiste. Desde Singles ele tem um interesse: gente legal em mundo errado. O final deste filme é lindo de chorar. Mas alguém ainda procura a beleza na arte? Nota 7.
   UM LUGAR AO SOL de George Stevens com Montgomery Clift, Elizabeth Taylor e Shelley Winters
Monty faz um desajustado. Em seu rosto vemos que ele não tem lugar, mal sabe o que é. Mas para seu azar ele sabe o que quer. E desajeitadamente tenta obter esse objeto. E paga pelo erro. O filme não faz nenhuma concessão. É duro. E maravilhosamente bonito. Stevens sempre buscava a perfeição. Cena a cena ele trabalhava duro para ser perfeito. Conseguia. Tudo aqui é superlativo: atores, fotografia e roteiro. Jovens diretores costumam estudar este filme nas escolas de cinema. O que conseguem aprender? Ou melhor, o que a Sony e a Viacom deixam ser tentado? Filme de crime sem vilão e sem mocinho. Tragédia que beira a magnitude. E composta de gente comum, normal, o que o torna mais forte ainda. Nota DEZ!!!!!!!
   ARROWSMITH de John Ford com Ronald Colman, Helen Hayes e Myrna Loy
Um dos primeiros filmes sonoros de Ford, tem um visual cheio de sombras e belos cenários expressionistas. Começa devagar, mas vai crescendo até seu final dramático. Fala de um médico que exita entre ser um pesquisador ou um sanitarista. No final vai para o Caribe enfrentar epidemia. Apesar do Caribe ser um país de fantasia, é lá que o filme atinge seu melhor ponto. Há clima, magia e suspense. Colman parece artificial demais, um Melvyn Douglas cairia melhor. Myrna Loy infelizmente aparece pouco, seu charme e sofisticação parecem de outro universo. É um filme bom, mas longe da gigantesca estatura de Ford. Se parece muito com as bios que a Warner faria em seguida. Nota 6.
   FOGO NA PLANÍCIE de Kon Ichikawa
É o mais próximo do inferno que podemos chegar. Nas Filipinas em 1945, soldados japoneses, cercados por soldados americanos, não têm o que comer. Acompanhamos um soldado tuberculoso vagando pela floresta. No caminho ele encontra desesperados como ele. O homem em seu limite. Canibalismo. Alguns começam a comer os feridos e um deles chega a comer a si-mesmo. O cinema japonês é rico em filmes que vão ao limite. E aqui Ichikawa filma sem sensacionalismo. Tudo é como é. Eles não são do mal ou do bem, são organismos que tentam viver. O objetivo da vida seria a própria vida. É um dos filmes mais desagradáveis já feitos. Mas atenção, Ichikawa nunca busca o sensacional ou a chantagem emocional, não faz escãndalo, o filme é elegante. Chocantemente elegante, ele prova que isso pode ser feito. Nota 8.
   ELECTRA de Michael Cacoyannis com Irene Papas
Impressionante. Numa vasta planicie, Cacoyannis filma a tragédia de Euripides do modo como tudo deveria ser 2500 anos atrás. Cabanas, roupas de lã grossa, gente feia. Irene está assustadora. Sua Electra é infelicidade completa. Ela precisa e deve se vingar. O irmão, Oreste, exita, mas acaba por cometer o crime. A trilha sonora de Mikis Theodorakis é uma obra-prima. A fotografia de Walter Lassally também. Se eu fosse freudiano diria que todo nosso inconsciente mora aqui. Se eu fosse jungiano, diria que este filme mostra nossos arquétipos. E se eu acreditasse em pura biologia, diria que nossos gens foram poluídos por essas experiências. Como sou apenas eu-mesmo, digo que é um filme digno de um texto chave de nossa cultura e de nosso senso do que seja o trágico. Jamais se farão filmes como este novamente. Nota 9.
   THE PRIDE OF THE YANKEES de Sam Wood com Gary Cooper e Teresa Wright
Eis o que seria um filme pop antigo. A biografia do jogador de beisebol Lou Gehrig, seu sucesso e sua aposentadoria ao se descobrir com doença fatal. Sinal dos tempos, o filme mostra sua infancia pobre, sua escalada e seu estouro. Os primeiros sinais da doença também, e NÃO mostra a doença. A cena final, linda, mostra Lou entrando no túnel dos vestiários, sumindo no escuro, e fim. Tempo em que havia o pudor de se poupar a crua exposição de intimidades intimidantes. Quem teria prazer em assistir a dor de um câncer? Gary Cooper é um monstro de carisma. A gente o segue com os olhos, gosta de olhar pra ele e de o escutar. Sam Wood era o diretor dos grandes hits ds MGM. Este foi um dos maiores. Absolutamente ultrapassado, totalmente familia, e uma deliciosa nostalgia. Nota 7.
   ENTREI DE GAIATO de JB Tanko com Zé Trindade, Dercy Gonçalves, Costinha e Chico Anísio
Brasil dinossauro. Zé Trindade é meu humorista brasileiro mais querido. Passei a infancia repetindo seus bordões ( "O que é a natureza...."), um malandro simpático. Ainda se pode crer em malandros simpáticos? Dercy é outra malandra. Os dois tentam enganar um ao outro, e depois resolvem roubar um hotel. Ingênuo e bobinho, quando termina deixa uma sensação de "quero mais". Cauby Peixoto aparece cantando e tem Moacyr Franco com "Me dá um dinheiro aí!". Nota 5.
   MINHAS TARDES COM MARGUERITTE de Jean Becker com Depardieu
Já falei deste filme alguns meses atrás. Mas ele voltou a cartaz e devo dizer que é o melhor filme para se ver em SP. Tudo o que falei do filme de Crowe vale para este com uma diferença, este é melhor. Simples, triste, solar ao mesmo tempo, é cinema sobre gente e não sobre bailarinas de cartoon dark ou viciados em sexo de manual de arte-para-iniciantes. Tomo radical posição ao lado de O Artista e de Hugo contra a moda emo. E sei que esse cinema que hoje combato é culpa do meu heroi Bergman. O gênio da Suécia criou o cinema como arte-da-crise existencial, e um bando de pseudo-artistas tenta a 50 anos repetir seus passos. Acabam por fazer uma versão teen dos dramas bergmanianos. Fazem um tipo de PERSONA para iletrados. Aqui não. Becker faz um filme longe desse mundo de baboseiras. Depardieu é apenas um bronco que descobre a cultura. É lindo, é real e é profundamente humano. Imperdível!!!!! Nota 8.
   XINGU de Cao Hamburger com Felipe Camargo e João Miguel
O que deu errado? O tema é o melhor. Os cenários de sonho. Mas não emociona jamais. Voce vai ver um filme como este para sentir frisson, adrenalina e até lágrimas. Nada disso ocorre. Voce se interessa e não se entedia, mas nunca seu coração dispara. Uma entrevista com os heróicos irmãos funciona muito mais. Creio que somos um país de documentários. Não entendemos o espetáculo. Um doc com este tema funciona como show mais que este filme. O que é uma contradição. Mas merece ser visto pela beleza plástica e a nobreza de seu tema. E a coragem de Cao ao empreender uma obra tão dificil. Mas devo dizer, é frustrante. Nota 6.

KIAROSTAMI/ BINOCHE/ DEPARDIEU/ BECKER/ GROUCHO/ SCORSESE/ CLAIR/ DASSIN/ ROSSELINI

CÓPIA FIEL de Abbas Kiarostami com Juliette Binoche e Willian Shimell
Eric Rhomer ( de quem gosto ) fez filmes em que as pessoas falam e "nada acontece". Mas Rhomer tem um segredo: seus personagens são gostáveis. Torcemos por eles. Um americano ( quem? Linklater? ) fez um filme em que um casal conversa. É uma versão teen de Rhomer. Aqui temos Kiarostami fazendo uma versão adulta de Linklater ( se não for Linklater, sorry... ). Binoche continua bonitona. Shimell é ok. Mas o filme é um pé no saco! Motivo: os dois são detestáveis! O crítico de arte é de uma frieza nojenta e Juliette faz a típica divorciada amarga. São reais? Sim, são. O jogo de ocultamento/revelação é bem sacado? Sim, é. Mas e daí? Tudo se perde ( inclusive uma atuação perfeita de Binoche ) numa antipatia, uma chatura insuportável. Quando o personagem feminino desaba ao fim do filme, tudo de pior num relacionamento e num certo tipo de cinema cabeça vem a tona. É duro! Mas vale uma notinha pela atuação de Juliette. Nota 3.
DUCK SOUP de Leo McCarey com Margaret Dumont e os Irmãos Marx
Após o porre de sentido, de relevância e de seriedade vazia de Kiarostami, nada como a falta de senso de Groucho, Chico e Harpo para nos salvar. Este é o filme "politico" dos Marx. Freedonia que é governada por Groucho e entra em guerra "porque o campo de batalha já foi alugado". Amar os Marx é saber que viver é não fazer sentido. Nada neles faz sentido, nada. Seus filmes são carnavais sem enredo e comissão de frente. Duca! Nota DEZ!!!!!!!!!!!!
QUEM BATE A MINHA PORTA? de Martin Scorsese com Harvey Keitel
É o primeiro filme de Martin. Começou a ser filmado em 1965, e foi encerrado só em 68. Todo o seu estilo já está aqui: câmera em movimento, retrato de jovens perdidos, música pop. Impressiona o fato de que é um filme ainda moderno, lembra o estilo de Tarantino, Ritchie e vasto etc. Como todo novato Scorsese erra ao dar mais valor às imagens que ao roteiro, o filme às vezes se perde em sua história. Mas é uma refrescante visão de um imenso talento em seu nascimento. Nota 6.
O CÍRCULO VERMELHO de Jean-Pierre Melville com Alain Delon, Bourvil e Gian Maria Volonté
Por falar em Tarantino... Mais um dos filmes vigorosos de Melville. Mundo de ladrões, policiais e cabarets baratos. É um filme frio, duro, com uma contida violencia sempre latente. Delon é perfeito nesse papel de bandido sem alma. Melville foi um gigante, seus filmes jamais envelhecem. Virilidade em dose cavalar. Nota 7.
A BELEZA DO DIABO de René Clair com Gerard Philipe e Michel Simon
Finalmente vejo um filme em que o talento de Philipe me é exibido! Para quem não sabe é ele o grande mito do teatro e cinema francês. Morreu jovem... Aqui ele faz Mefistófeles, numa adaptação, em ritmo de farsa, do mito de Fausto. Simon é outro ator de gênio e é um prazer vê-lo em seus pulinhos de diabo bem-humorado. Clair, um dos cinco gigantes da França, tem o amor sincero pela poesia onírica do cinema. Sabia filmar sonhos e delirios. É uma obra invulgar, solta, febril e irreverente. Mas às vezes ela se perde em sua ambição. Clair era maior quando mais simples. De qualquer modo, é maravilhoso que filmes como este sejam lançados em dvd. Nota 6.
MINHAS TARDES COM MARGUERITTE de Jean Becker com Gerard Depardieu e Gisele Casadesus
Gerard Depardieu quando quer é um grande ator! A prova está aqui, neste filme que passou em nossas salas em Abril e que quase ninguém viu. Porque filmes tão bons quanto este são tão pouco vistos? Porque são adultos? Ou porque não são sensacionais? Não apelativos? É um filme discreto, elegante, simples, solar e muito feliz. Tudo o que hoje não dá ibope. Depardieu é um "burro", um homem de inteligência limitada, um bronco. Ele conhece uma velhinha que ama ler e os dois se tornam amigos. Nesse processo ele não se torna mais inteligente, mas adquire confiança em si. Tudo no filme funciona. Os amigos do bar, a namorada jovem, e principalmente a relação de Depardieu com a mãe não-maternal, mostrada em flash-back. O modo como Depardieu fala e se move, suas mãos imensas e suas hesitações são trabalho de gênio. Eu não gostava muito dele, mas este filme mudou meu conceito. É também um dos raros filmes de agora que consegue mostrar a verdadeira França e o verdadeiro francês. Espero que os americanos não o refilmem. Fariam do personagem central um viciado ou um caso psico, e da velhinha uma louquinha tarada. Fariam desta pequena jóia um filme "sensacional". Jean Becker é filho de um dos meus diretores favoritos, Jacques Becker. Os filmes que ele tem feito ultimamente são todos assim: maravilhosos. Veja!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! Nota 9.
O RETORNO A CÂMARA 36 DE SHAO LIN de Lau Kar Leung com Gordon Liu e Johnny Wang
Produção do mitico estúdio Shaw Bros. Liu, espetacular, faz comédia como um mentiroso que se torna mestre de Kung Fu e salva trabalhadores de patrão cruel. Kill Bill é dedicado a Liu, um mito chinês. Lutas fantásticas num filme que dignifica o cinema pop. Os chineses viam o cinema como circo, como festa. É isso que temos aqui, uma festa. Nota 7.
ALEMANHA ANO ZERO de Roberto Rosselini
Em 1947, em ato de coragem, Rosselini foi a Berlin, filmar a vida na cidade vencida. O filme sempre irá impressionar: Berlin é um imenso lixão, onde pessoas esfomeadas vendem o que possuem. Temos aqui um ex-nazista, moças prostitutas, ex-professor pedófilo, velho agonizante. E principalmente um menino perdido, retrato da Alemanha de então, que rouba, foge, tenta se comunicar e acaba por matar seu pai. É um dos filmes mais tristes já feitos. O cinema de Rosselini continua a ser influência num certo tipo de cinema de hoje ( os iranianos, os palestinos, os africanos ), é cinema da pobreza, da crueza, e da ausência de emoção. Rosselini tenta ficar a distância, observa e não se envolve. O que salta aos olhos hoje é o absurdo de destruição que se fez em Berlin, creia, a cidade ficou completamente destruída. Nota 7.
PROFANAÇÃO de Jules Dassin com Melina Mercouri e Anthony Perkins
Primeiro: Dassin é um super diretor! Seja em policiais ou em dramas, seja em comédias ou em noir. Aqui ele pega a história de Fedra e a coloca na Grécia moderna, no mundo dos milionários armadores ( Onassis? ). Melina é a esposa de rico armador que se apaixona por seu enteado. Perkins, o jovem e frágil ator de Psicose, faz o enteado. A trilha é de Mikis Theodorakis, maravilhosamente trágica. Dassin vai fundo na tragédia grega, sem medo e sem pudor. O que vemos é a destruição de todos pela força da paixão cega. Mas a habilidade de Dassin é tanta que o filme nunca perde ritmo, suas imagens e sua edição dando suspense ( e nervosa beleza ) ao todo. Melina nasceu para esses papéis: seu rosto é máscara de tragédia. Anthony Perkins traz o desamparo de menino mal amado. O filme é poderoso. Nota 8.