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MAN ON THE RUN, PAUL MACCARTNEY NOS ANOS 70 - TOM DOYLE ( VAMOS FALAR DE MACONHA? )
Quem me conhece sabe que sou fã de Paul desde os meus doze anos, 1974. E que antes disso eu ouvia Uncle Albert no rádio e a adorava. Li a bio de Paul duas vezes, mas ela vai apenas até 1970. Neste livro tomamos conhecimento de sua vida a partir do fim dos Beatles. ----------------- Ringo Starr disse recentemente que Paul é um maníaco por trabalho e que os outros três eram bem preguiçosos. A vida pós Beatles prova isso. John tirou férias de cinco anos, George produziu muito pouco após fazer 40 anos e Ringo...é Ringo. A banda acabou porque Paul queria produzir sem parar e principalmente porque os outros três queriam viver sem preocupações e por isso colocaram Allen Klein, um cara que havia roubado os Stones, para cuidar do dinheiro da Apple. Paul não quis assinar com Klein e isso foi a pá de cal. ------------------- A imprensa, como sempre faz, criou uma narrativa. Paul se tornou o vilão, o cara que acabou com a banda. O cara que só queria dinheiro. Em depressão braba, Paul foi morar com Linda, filhas e um monte de bichos no norte da Escócia. Numa fazenda onde a casa tinha apenas dois quartos sujos, sem aquecimento e dormindo em colchões no chão. É aí que percebemos hoje a verdade, Paul era muito, muito hippie!!!!! ------------------ Trabalhando com um trator, ele e Linda passavam os dias cultivando legumes e fumando quilos de maconha. Os primeiros discos, simples, até mesmo toscos, são hinos à simplicidade hippie. Mas há mais! A primeira turnê, após formar os Wings é a coisa mais bicho grilo imaginável. Viajando de ônibus, eles aparecima pela manhã numa universidade e diziam ao reitor: Olá, sou Paul e gostaria de tocar aqui amanhã.... Os shows, sem produção e longe da imprensa, eram nos refeitórios, para 500 alunos. Mais engraçado, o dinheiro era dado em moedas dos estudantes e dividido para os caras dos Wings. A imprensa logo começou a os perseguir e a coisa perdeu a graça. ------------------ Quero falar agora de maconha. Não me dou bem com ela. Me deprime. Mas há asniosos que se sentem bem. Mas é inegável que a longo prazo ela diminui a ansiedade boa, aquela que faz o artista se inquietar. Críticos sempre teceram hipóteses do porque Paul ter perdido seu elan criativo, ter se acomodado num POP inofensivo. Ora, Paul não é o único. Vários artistas perderam sua carreira por causa de cocaína ou alcool e outros se tornaram acomodados ao se render à fumaça. O reggae é tão igual não por outro motivo. ------------------ Fico pensando no que Paul poderia ter feito se não houvesse amado tanto a erva. O cara que em 1966 parecia ser o Mozart do POP, ou pelo menos o Burt Bacharach do rock ainda fazia grandes discos ( RAM e Band on The Run ), mas ao mesmo tempo perdia anos produzindo dúzias de músicas sem nenhuma ambição. Seu vício em trabalho nunca foi arrefecido, ele sempre produziu canções e shows sem parar, mas sua criatividade perdeu oxigênio. A angústica da arte, a ansiedade da perfeição se foram. -------------- Mas talvez sem a maconha o peso de ser um Beatle o teriam esmagado. Quem sabe?
THE BIG CHILL - O REENCONTRO, FILME DE LAWRENCE KASDAN seu melhor filme
Quando feito, em 1983, filmes ainda não se valiam de músicas já famosas para conseguir criar um clima favorável. A partir da década de 90 isso se tornou lugar comum. Um filme como QUASE FAMOSOS é muito valorizado pela verdadeira chantagem emocional que ele faz usando músicas míticas. Não há como não achar uma cena linda se ele for exibida ao som de sua banda favorita. Tarantino fez toda sua carreira sabendo disso e eu ficaria aqui horas falando de filmes queridos que se valeram da verdadeira apelação musical. --------------- Em 1983 isso ainda era raro. Kasdan, diretor da turma de Spielberg, aparecia na época como novo bom diretor. Ele acabou não sendo o que se esperava, e este é seu melhor filme. Começar ao som de I Heard Through de Grapevine com Marvin Gaye ajuda muito. Amigos que estão por volta dos 35 anos recebem a notícia do suicídio de um deles. E essa morte os faz se reencontrar após cerca de 10 anos. Ex jovens universitários de 1971, 72, eles são, em 1983, adultos bem vestidos, atrás de sucesso, de dinheiro, de um rumo, sendo alguns bem sucedidos, outros não. Todos eles fumam maconha, jogam futebol, ouvem rock e assim passam o fim de semana juntos. O filme tem algo de muito bom: Não procura nada de melodramático ou sensacional. Tudo ocorre sem forçar nada. Pouco se fala da morte do amigo, pouco se chora, pouco se faz filosofia barata. Na verdade o que move o filme é o sexo, natural, inseguro, amigável. -------------- Essa naturalidade, que acabo de elogiar, é também o ponto fraco do filme. Esperamos o motivo do porque dele ter sido feito, esperamos uma explosão de raiva e de dor, e quando termina sentimos que algo foi deixado de lado. Ele não tem nenhum grande momento. ------------ Kevin Costner é o corpo enterrado no começo do filme. Suas cenas foram cortadas e assim este não é seu verdadeiro primeiro filme. Kevin Kline já era uma estrela em 1983 e ele rouba o filme facilmente. Aliás, como sempre fez. Kline é um ator adorável, um dos raros atores que consegue passar alegria genuína na tela. Glenn Close é sua esposa, e os dois são os mais ajustados e os mais ricos entre eles. Ex radicais ativistas, hoje vivem em paz. William Hurt faz algo muito raro num ator: Ser discreto sendo doentio. Ele faz um ex soldado do vietnã impotente, doido, drogado, e Hurt compõe esse personagem sem exibir o tipo "doido perigoso exagerado". Se contém, cria alguns gestos discretos recorrentes. É uma grande atuação. Há ainda Jeff Goldblum, hilário como o amigo chato e Meg Tilly é a ex namorada do cara que se matou, bem mais jovem que todos eles, de certo modo ela é o olhar da geração dos anos 80 sobre os ex hippies dos anos 60-70. Meg está natural, atraente, selvagem, apaixonante. ----------------- O enterro é ao som de you cant always keep what you want, dos Stones e eu ouço pensando que em 1969 a banda atingiu um tipo de grandeza genial que ninguém mais conseguiu. Penso também que é muito estranho um filme falar do Mítico Passado, passado esse que na época, em 1983, era velho de apenas 15 anos! Seria como fazer hoje um filme sobre "Os bons e velhos tempos de 2009!!!!" ---------------- Na verdade o mundo mudou demais entre 70 e 83. ------------------- 2024, o mundo do agora, é um mundo criado pelos caras da mesma geração dos caras do filme. Este planeta é comandado exatamente pela mesma turma, Gates, Musk, Obama, Merkel e Spielberg. Bom filme.
MÚSICA RUIM E FILMES COMUNS
Estava com uns amigos conversando, quando de repente eu falei: Incrível como a música hoje é tão ruim, tão constrangedora, que aquilo que antes parecia muito ruim, hoje parece uma coisa tão boa. Dei um exemplo cantando: " Sai da minha aba sai pra lá...." Sim, citei o SPC, Só Pra Contrariar. -------------------- Imediatamente vieram à cabeça canções como Pimpolho, Carrinho de Mão, Haja Amor. Luiz Caldas e Salgadinho pareciam ser muito bons. É saudosismo? Sim, é. ( Apesar que as pessoas que estavam comigo variavam entre os 30 e os 35 anos, ou seja, em 1995 elas eram bebês ). ---------------- Não é apenas saudosismo. É questão de comparação. As letras se esforçavam para ter alguma beleza e a alegria era genuína. Pablo Vittar, DJ qualquer coisa, MC qualquer "inho" ou a nova cantora top não são alegres, são histéricos. Eles fingem alegria em meio ao desespero. É uma euforia agressiva, violenta, pornográfica, alegria em que os dentes não surgem em sorriso, eles surgem em mordidas. -------------- O pagode dos anos de 1990 procurava a alegria e a malandragem sem crime, e o sertanejo tentava atingir a verdade do peão. Filhos de um país que ainda ensinava a ler e a escrever, eles conseguiam falar alguma coisa. A realidade era narrada em forma de anedota. Ouvindo agora, em meio a tanto lixo, é isso que percebemos: eles sabiam falar. -------------------- A música que os substituiu não diz mais nada. A voz, sempre balbuciante, repete ao infinito um refrão que não faz sentido nenhum. Nada narram porque nada conseguem observar. Desprovidos de linguagem verbal, tudo que eles fazem é afirmar sensações primárias. " Tou louco", " Estou com desejo", "Quero voce", "Vamos transar". Usando uma lingiagem ainda mais simples que aquela que escrevi, eles nada mais têm a dizer. São apenas animais que se guiam pelo instinto geral. -------------------- No pagode de 95 havia um esforço para narrar. O Pimpolho é uma personagem maravilhosa e a Abelha que deseja pousar na sua Flor é um conto malicioso. A alegria nascia no prazer de se descrever. Eram letrados. ------------------------- Na música feita nos USA ou na Europa se dá o mesmo. Por isso que hoje qualquer rock star dos anos 70, mesmo os mais banais em seu tempo, aqueles que nós detestávamos, parecem ser cool. Falo de ABBA, de DR HOOK, de DOOBIE BROTHERS, de Barry White, Hall and Oates, entre centenas. Nomes que em 1978 eram chamados de brega, lixo, dejetos, primários, e que hoje parecem ser " o cara". Porque isso aconteceu? --------------------- Nas linhas de Kiss you all over-Exile, ou de When you are in love with a beautiful woman - Dr Hook, o que se vê é uma letra que conta alguma coisa, que descreve algo e melodias feitas com extremo profissionalismo. Não esqueçamos: na época dos grandes estúdios de gravação, para uma canção ser gravada era preciso ser muito profissional. Daí a valorização daquilo que era desprezado então. Perto das canções de 2023, refrões que se repetem ao infinito, sem arranjos, sem desenvolvimento, sem introdução, uma coisa banal como Dancing Queen passa a ter ares de arte Pop. ----------------- Não se engane. Em 1978 ABBA era lixo escutado por tias sem gosto. Pop de bom nível era Elton John e Paul Simon. Donna Summer e Grace Jones não eram nem mesmo consideradas. Eram música para quem não ligava para música. ---------------------- Voce pode dizer o mesmo sobre o cinema. Filmes comuns em 1974 são tratados hoje como arte e filmes muito ruins se tornaram cult. Por que? Não se engane. O motivo se deve ao muito, muito baixo padrão deste século.
O COMBOIO DO MEDO ( SORCERER ), FILME DE WILLIAM FRIEDKIN
Primeiro fato: o cinema de Friedkin é desprovido de humor. É um cinema crispado. Segundo fato: O SALÁRIO DO MEDO, filme frances de Henri Georges Clouzot era tão amado, tão idolatrado, com merecimento, que refilmar tal filme era uma temeridade. Os críticos olhavam o novo filme com olhar desconfiado. Terceiro fato: Nunca um filme foi lançado em momento tão errado. Sorcerer estreou uma semana após STAR WARS. Com custos altíssimos ele fracassou. Prejuízo que destruiu a carreira de Friedkin. ---------------------- Era 1977 e na turma dos novos grandes talentos, Friedkin era mais quente que Coppolla, Scorsese ou Bogdanovich. OPERAÇÃO FRANÇA ganhara todos os Oscars antes do CHEFÃO de Francis Ford Coppolla e fora Friedkin quem abrira as portas de Hollywood. Depois mais um big sucesso: O EXORCISTA. E então quatro anos para fazer este fracasso. A crítica na época odiou o filme, chamando-o de confuso, frio, raso. Hoje ele tem status de obra prima. ------------ Nos extras vejo dois comentários brilhantes: 1- A quantidade imensa de grandes filmes dos anos de 1970 que foram fracassos então, e que vistos hoje são tidos como geniais. 2- Aquela semana de julho de 1977 mudou o cinema para sempre. Se SORCERER houvesse sido um sucesso, Hollywood continuaria apostando tudo em filmes adultos, mas STAR WARS venceu e mudou o cinema. Pelos próximos 40 anos, tudo seria feito para agradar o público de Star Wars. -------------- Como é o filme? Ele é muito diferente do filme de Clouzot. Felizmente. SALÁRIO DO MEDO, feito em 1954, é um dos 10 maiores filmes de aventura e suspense já feitos. É irretocável. O filme de Friedkin usa o livro e não o filme como guia. No filme francês já começamos na vila miserável onde ocorrerá a aventura. Neste filme, vemos tudo que levou os quatro protagonistas aquela situação. Críticos reclamaram em 1977 que o filme tem poucos diálogos. Esse é um dos seus méritos, é um filme duro, sem sentimentos exagerados. Há uma cena, polícia contra terroristas em Israel, que usa câmera tremida, cortes velozes, foco aberto...parece o estilo moderninho de 2023. Feito em 1977. Impressiona muito. -------------------------------- Friedkin se exibe à vontade. Sabe tudo de cinema. Quando o filme muda para a América do Sul a miséria se torna opressiva. Dizem ser nessa hora que o público odiou o filme. Well....filmes dos anos 70 hoje parecem tão bons porque os filmes de hoje são muito ruins. Tudo aqui é exemplo disso. O que em 1977 parecia superficial ou gratuito, hoje parece maestria e talento puro. Os persoangens sofrem muito, voce sente o calor tropical vendo as imagens, se sente preso ao lugar com os atores, e então começa a ação. ------------------ Se voce já viu o filme antigo francês a surpresa não será tanta. É onde os dois mais se parecem. Mas caramba! Que cenas soberbas essas!!!! A travessia da ponte!!!! A explosão da árvore!!!!! É incrível!!!!! E o final, horrivelmente pessimista. ------------- O elenco é brilhante, com destaque para Roy Scheider, vindo direto de TUBARÃO. Ele compõe um derrotado ao estilo Humphrey Bogart em Sierra Madre. Sem o imitar, faz uma versão anos 70 do "perdido no fim do mundo". É um desempenho a não esquecer. -------------------- Friedkin tinha este como seu maior filme e seu fracasso desandou sua vida. Não só ele, mas o cinema nunca mais foi o mesmo após julho de 1977. Han Solo venceu.
WEEKEND IN L.A. - GEORGE BENSON. LUXO, CALMA E VOLÚPIA
Luxo, Calma e Volúpia é o lema de Henri Matisse e pode ser aplicado a 80% dos nomes do jazz-rock que lançaram discos nos anos 70. ( Jazz-rock é o mais impreciso dos nomes, pois o som de Wheater Report, Grover Washington, Earl Klugh e imenso etc nada tem de rock. Jazz Pop elétrico seria bem mais adequado ). Neste último ano tem sido esse o estilo que mais tenho escutado e só pra voce ter uma ideia, hoje possuo 8 discos de George Benson, sendo que a um ano atrás eu mal o escutava. Talvez White Rabbit seja seu melhor disco, mas eu ouço agora este disco de 1977, Weekend in L.A., disco ao vivo, duplo, que vendeu feito sorvete em sua época. ------------------- Benson era aquilo que se chamava de Jazzista Funk, ou seja, ele fazia música instrumental com balanço negro. Era, desde sempre, um som luxuoso, calmo e sexy. Seu modo de tocar guitarra, sempre dedilhada, é o mesmo de Wes Montgomery, belo, suave, ágil, sempre elegante. Eu não sei o porque, mas quase todo movimento do jazz elétrico dos anos 60-70 tem esse caráter de prazer, de bem viver, de savoir faire. Por que? Talvez porque eles toquem tão bem, com tanto prazer, tanta satisfação que isso transparece no som. Não há dor na música de Benson e também de Pat Metheny, Lee Ritenour ou mesmo do complicado Chick Corea. É portanto a música mais anos 70 da hsitória, pois, mais ainda que na disco music, tudo no jazz pop é feito NUMA BOA. Música que procura a eterna BOA VIBRAÇÃO. E NUMA BOA é a filosofia dos anos 70. ---------------- Por isso ela fica sempre próxima do som de dentista, de sala de espera, porque é música que acalma e que pode ser ignorada. Mas se voce prestar atenção, é absoluto prazer. Todos tocam como mestres, não há dissonância ou barulho, é música linda. Sempre. -------------- Por isso todos eles amavam tanto a música brasileira. Tom Jobim, Eumir Deodato, Luiz Bonfá, toda a turma da bossa nova é irmã daquilo que eles faziam. Muitos brasileiros jamais voltaram para cá. -------------------- Nelson Mota dizia que o RAP havia matado a bela tradição do músico americano negro. O super instrumentista, que mesmo tendo uma vida ruim, transparecia prazer em tudo que tocava. A maestria do grande músico improvisador, swingueiro, teria sido perdida. Penso que não foi. Apenas saiu do mainstream. Uma pena. Toda uma geração desaprendeu a ouvir. Jazz é para ouvir e deixar o som entrar na alma. RAP não, RAP é puro corpo. ------------------- Este disco é de uma beleza de diamante. É aqui que Benson vira cantor e ganha a ira de seus fãs puristas. Eu adoro. Soul Jazz. Ouça Baby.
O GABINETE DO DOUTOR CALIGARI E O TEMPO QUE PASSA
------------------- Perturbador pensar que em 1979, ano em que vi este filme pela primeira vez, O GABINETE DO DOUTOR CALIGARI tinha "apenas" 57 anos, menos que minha idade hoje. O filme alemão estava para 1979 como 1966 está para 2023. Ou seja, Beatles e Stones nos são tão antigos como Caligari era para 1979. Mas não! Claro que não. O Caligari que vi, na TV Cultura, no quarto com meu irmão, tinha já em 1979 a presença de uma coisa morta. Todos os atores, nascidos no século XIX, pareciam assombrações. Para nós, eu aos 16 anos e meu irmão com 13, o filme pareceu como adentrar numa tumba. O mal estar foi tão grande que nós dois falamos ao mesmo tempo: Muda de canal. Estou me sentindo mal!!!! ------------------ Cenários tortos, aspecto de sujeira, escuridão, o sonâmbulo louco, o mundo como lugar onírico, pesadelo. O filme de Robert Wiene grudou na lembrança como a tradução fílmica da doença mental. Revisto ontem ele me pareceu pálido. Está longe de ser o melhor filme expressionista. Sua fama é maior do que ele mesmo é. Murnau, Lang e Leni fizeram filmes melhores. ---------------- Falo agora: Filmes de Keaton, Chaplin e mesmo Nosferatu ou Fausto não têm esse aspecto de coisa morta. Revisto isso se mantém. Caligari tem a estranha capacidade de nos fazer conscientes de sua época. E eu acho esse um ponto contra o filme. Ele está morto. É morto. E a arte verdadeira nunca morre. Ela pode parecer antiga, velha, assustadora, mas jamais morta. ----------------- Em 1979 o filme pareceu tão remoto não por ter 57 anos, mas por ser o que ele é: em estilo, em imagens, em ação uma coisa anciã, podre, ida ao esquecimento. Coisas que hoje têm 57 anos, coisas de 1966 parecerão tão remotas se forem cadáveres como Caligari é. Citei Beatles e Stones e voce sabe: Revolver e Aftermath podem ser cartas amareladas, mas ainda são e serão cartas que muitos querem ler e reler. Estão palpitando de vida. --------------------------- O tempo é o engima que mais me interessou por toda a vida. Pois a vida é tempo e estar vivo é sofrer sua força. Eu penso no tempo, eu odeio o tempo, eu tento o ignorar, eu o amo, eu procuro estar em outro tempo. Ele é presente e é outro sempre. Caligari é um eco que desaparece assim que escutado. -------------- Leia bem o que eu falei: ele é morto. Ele é podre. Mas ele tem algo que venceu: são imagens malditas típicas de 1890, não de 1922, que assombram. E creia, dois meninos de 16 e 13 anos, vivendo nos multi coloridos anos 70, não estavam preparados pra essa assombração. PS: o melhor filme expressionista é A CARROÇA FANTASMA de Sjostrom.
1977 : 46 ANOS DE ATRASO, CHEAP TRICK, O PRIMEIRO DISCO
Em 77 eu tinha 15 anos e era obediente, lia e seguia todas as dicas dos críticos de rock. E eles ignoravam tudo que era americano. Então, quando o Cheap Trick lançou seu primeiro disco, óbvio, eles nem se deram ao trabalho de ouvir. Pareciam americanos demais. Quando em 1979 a banda estourou com seu disco ao vivo, óbvio, eles trataram a banda como se fossem tão inofensivos como Kiss ou Meat Loaf, eram americanos não é? Eu, sempre uma ovelha da palavra impressa, disse amém. ---------------------- Além do que eu odiava o visual deles. ------------------- Só agora, 46 anos depois, quase meio século passado, eu ouço o primeiro disco. E caramba! É simplesmente um disco perfeito. Lamento muito não ter o escutado em todos esses anos. Como descrever seu som? New Wave apocalíptica? Hard Rock esquzóide? Grunge feito 15 anos antes do tempo? Uma festa sem limites? É tudo isso e é bem mais. Além de tudo citado acima, eles têm elementos de glam rock, de punk rock, de power pop, e até de indie. Fossem ingleses e tivessem o visual certo teriam sido incensados aqui no Brasil. São bem melhores que Jam ou Gang of Four por exemplo. E o mais impressionante: não envelheceram um só dia. ------------------------- Elo Kiddies abre a coisa e é absoluta obra prima. Mas qual faixa não é perfeita? Taxman mr Thief, The Ballad of TV violence, Cry Cry.... difícil escolher uma. E o cd ainda tem como extra mais 5 músicas inéditas sublimes. É energia alta todo tempo, é surpresa sobre surpresa, voce acha que a música vai para um lado X e ela segue para Z. Lookout é absurda de tão boa. ------------------------ A bateria, Bun E. Carlos, um cara com rosto de contador bêbado, é volumosa, ofensiva, ritmica, rocker no talo, como toda bateria deve ser. O guitarra se chama Rick Nielsen, uma figura ridícula com roupas ridículas ( era proposital ). Ele toca punk e toca hard rock. Ele é o tipo do guitarrista que até hoje toda banda nova sonha em ter. O cantor, Robin Zander, o cantor, é quase um milagre. Ele soa como Scott Weilland e depois como John Lennon. Então parece Steven Tyler para em seguida lembrar Ray Davies. É uma voz encantadoramente desafiante, mal educada, desesperada, triunfante e afinada. ------------------------- Este disco de estreia é hoje considerado uma obra prima e eu assino isso. No novo Punk Rock americano de 1998, o Cheap Trick era chamado de pioneiro. Mas eles são melhores que isso. É uma grande, grande, grande banda de rock. ------------------- Antes tarde do que nunca bb.
MEU TEMPO E SEU TEMPO
======================================== O meu tempo não é o seu tempo. E isso é corriqueiro. ---------------- Luis Schiavon morreu nesta semana e disse uma frase interessante ( frase que sinto sempre ): " O pior de ficar velho é se despedir de seu mundo. Ele desaparece dia a dia ". Não, não pense que este texto é choroso. Não faço elegias ao meu tempo. Ele existe enquanto existo. E tenho orgulho em ser dele e não deste. Muita coisa se foi, mas eu estou aqui. Sujando e poluindo o mundo de hoje. ------------------ Fui criança nos anos 60 e o que morreu daquele tempo foi o espaço. Havia espaço, não apenas uma quantidade imensa de terrenos vazios e ruas desertas, veja os mapas de então, como espaço para planejar. O futuro parecia um campo sem muros. Otimismo baby, um imenso otimismo. Nas ruas, tomadas por crianças, seja aqui seja no Japão ou em NY, o que mais lembro são dos rádios, volume alto, muita música. Música alegre. Minha cidade era muito pobre, mas não se ligava muito pra isso, porque a vida era vivida na rua. Em comunidade. Muita festa: carnaval com lançaperfume, guerra de confetes, em cada rua crianças jogando água em quem passava. Páscoa com os Judas amarrados nos postes. Festas juninas com fogueiras nos quintais e balões aos céus. Muita pipa, pião, bola, corda pra pular. --------------- Minha melhor década foram os anos 70. Quadrinhos, as bancas tinham cerca de 50 títulos mensais de quadrinhos. Discos e revistas de mulher pelada. Foi uma década colorida, de rock e de surf na alma. Carros amarelos, laranja, verdes, camisas de estampados absurdos, calças rosa e roxa. Tudo era exagero e eu exageradamente só pensava em mulheres e rock. Longos cabelos, longas noites na rua, longas conversas, Amigos vinham em casa sem avisar, porque ninguém tinha telefone, então pra ver alguém tinha de ir lá e correr o risco de dar com a cara na porta. Normal. No fim da década veio a discoteque e a coisa mudou, agora a gente tinha de ser elegante. E saber dançar. Adorei. ------------------- Os anos 80 foram uma chuva de cocaína. Todo mundo cheirava, era barato. Década de se sair toda noite e voltar com o sol. Eu detestei essa década desbundada, onde se falava muito, onde todo mundo parecia histérico, onde nada fazia sentido nenhum. Foi minha década pesadelo mas também minha década de apaixonado, em love por livros, filmes, meninas, praias, festas. Tudo sem regra, tudo free. Foi o tempo mais livre, mais irresponsável, mais over que eu vivi. ------------------ Nos anos 90 começaram os primeiros anúncios do que somos hoje. Mas ainda era louco. Foi um tempo que tentou pegar o melhor dos anos 70 e juntar ao que havia de bom dos anos 80. Não rolou. Os anos 90 foi um replay dos anos 70 em modo cínico. De repente tudo que era dos anos 70 era cool: filmes, discos, cabelos, roupas, modismos, tudo feito em 1976 parecia cool em 1996. Mas a coisa era fake, 1996 tinha uma frieza e uma melancolia que não havia em 76. --------------------- Então veio 2000 e logo veio a queda das torres e o mundo virou uma merda. A propagação do medo fez de nós um bando de dedo duros sem trégua. É um mundo de pavor, de cuidados, de receios e de policiamento absoluto. Quem nasceu dentro desta paranoia não pode a perceber, isto é tudo que se conhece, mas para a minha geração a coisa é ridícula. ------------------- Meu mundo tinha Paulo Francis e Nelson Rodrigues. E eles seriam impossíveis hoje. Meu mundo tinha Von Karajan e George Solti. Eu vivi sabendo que Dali e Miró estavam vivos. E fui acostumado a esperar um livro novo de Saul Bellow, Norman Mailer, John Updike e Graham Greene. Eu conheci o cinema lendo sobre a estreia dos novos filmes de Bunuel, Truffaut, Kurosawa e Bergman. Quando comecei a ir ao cinema sozinho, aos 13 anos, ainda produziam filmes gente como Hitchcock, Elia Kazan, Vincente Minelli e pasmem!, George Cukor!!!! Kubrick e Fellini estavam cheios de energia. ----------------- Aqui no Brasil a nova música tinha Secos e Molhados, Alceu Valença e Fagner. O país crescia a 12% ao ano. Mais que Coreia do Sul ou Singapura. Tivemos nossa chance. Mais uma. 1988 mataria nossas chances. ------------------ Esse é meu mundo e todo dia eu vejo um pouco dele sumir. O primeiro sinal faz muito tempo, foi a morte de Lennon em 1980, um sinal de que minha infancia estava partindo. Depois foram centenas: desde a casa de minha ex que é demolida, a rua que fica cheia de prédios, o amigo que morre ou enlouquece. -------------------- Mas o fim de meu tempo não é exatamente a morte de um guru ou a destruição de uma memória física, a morte do meu mundo é muito mais cruel e muito mais sutil, é o fim de um modo de viver, de pensar, a morte de valores e de sonhos. É o fim do "numa boa", a extinção do "eu quero é mais", o silenciamento do "é proibido proibir", tudo isso trocado por coisas, para mim ridículas, atitudes que cobram de todos uma espécie de eterna guarda, eterna tensão contra "o inimigo", inimigo que não existe, que é um espantalho criado para unir os diferentes em pseudo igualdade. ----------------- No meu mundo ser diferente era ser melhor. Hoje são todos falsamente iguais. A diversidade dos que pensam o mesmo e são diversos apenas na fachada. ------------------------ Meu mundo ria, ria muito. Ria do careca, do gordo, do magro, do baixo, do alto, do preto, do portuga, do gringo, do paulista, do baiano, do gaúcho, de todo mundo. Rir era recomendado e se voce era alvo de riso, então que se crie uma piada melhor como resposta. O brasileiro era famoso por contar piada. Por rir. Se contava piada no ônibus lotado, na praia, no bar, na escola. E acima de tudo, se admirava a mulher.... Se amava a beleza, as curvas, o sorriso da mulher. Drummond, Vinicius, Bandeira, eles falavam da mulher que passa, do molejo, do bamboleio, da felicidade que era a presença da mulher. ------------------------- Preciso dizer que isso morreu? As feias tiveram sua vingança. --------------------- Irreconhecível mundo meu. Amado mundo meu. -------------------Penso então que ele não morreu. Na verdade ele passa, eternamente, em looping, bamboleando como aquela mulher indo à praia. ---------------- Não falo de mulher por acaso, a beleza e o elogio à beleza são hoje atitudes rebeldes. Nada parece mais revolucionário que amar a beleza e elogiar a mulher como ser mágico e encantado encantador. -------------------- Então encerro dizendo que elas ainda existem e ainda são lindas e que o eu de 13 anos, que as descobria e as amava como fossem elas mágicas, tem seu canto em meio a melodia da moça que passa ao caminho do mar. Pois a moça bonita e o mar, esses não mudam, não morrem e resistem. E eu, ainda aqui, e esperando viver pelo menos mais 20 anos, testemunho, alimento, insisto e faço presente o meu mundo vivo. E como diria o poeta maior: Bebete vão bora pois já tá na hora!
O HOMEM QUE AMAVA AS MULHERES - FRANÇOIS TRUFFAUT
Fosse feito em 2023, seria este filme de uma chatice exemplar. O personagem central, feito por um perfeito Charles Denner, teria toda sua caça às mulheres feita em uma tela e todo o filme se passaria no seu quarto. Pior e mais provável, haveria uma redutora explicação médica a seu comportamento, ele iria se tratar e se "curar" e caso fosse um filme da Netflix, o conquistador masculino seria um vilão. Vivemos em um mundo muito policiado e por isso muito chato. ------------------------- Este é, na verdade, um dos melhores filmes de Truffaut, e como foi feito nos anos 70, ele evita simplificar. O personagem é um homem que ama as mulheres. É isso e é mais que isso. Ele as persegue na rua, as caça, mas nunca deixa de ser um cavalheiro. Não há o menor sinal de violência. Ele não quer relacionamentos íntimos, ele quer encontros carinhosos e sexuais. Não há tara, estamos longe do mundo dos vídeos pornô. Ele é, assim como era Truffaut, um homem do século XVIII. Um galanteador do mundo de Laclos. Um não romântico, racional e apaixonado. Este é, ao lado dos INCOMPREENDIDOS, o mais auto biográfico dos filmes de Truffaut. ------------------ Inclusive ele intuiu sua morte. Truffaut morreria jovem, em 1984, apenas sete anos após este filme. Caso voce não saiba, ele deveria estar dirigindo filmes até os anos 90. Ele era mais jovem que Godard. Mais jovem que Clint Eastwood. ----------------- Há um enterro onde vão apenas mulheres. Então se conta a história daquele que lá está sendo enterrado. Um homem de 40 anos, que não resiste ás mulheres, que vive para elas, que vê a beleza em cada uma delas, que não tem um tipo preferido, que adora a feminilidade. Quem leu a bio de Truffaut sabe: é ele. O diretor que se apaixonou por todas as atrizes de seus filmes. Que ia quase diariamente ao bordel. Que via nas mulheres mistério e encanto, a razão maior de sua vida. Sim, um homem que sabia a verdade: elas são totalmente diferentes dos homens. Felizmente. ---------------------- Acompanhamos seus encontros, as ruas, as casas delas, a casa dele, e o filme jamais cansa. Quando Truffaut acerta ele é o mais leve dos diretores. E aqui ele acerta. O filme é quase um ballet sem dança. Ophuls está muito presente aqui. O personagem chega a viajar quilômetros apenas para conhecer uma moça que ele viu cruzar a rua. Ele investiga, procura, descobre e encontra. fato: sua vida é um sucesso. -------------------------- Fosse feito em Hollywood, todas as atrizes seriam lindas ( ou pretensamente lindas ), aqui não. Algumas são bonitas, Brigitte Fossey é linda, mas outras são esquisitas, feias até. Isso faz do filme algo real e melhor que tudo, expõe a verdade do homem, ele ama a feminilidade, em toda sua manifestação. ---------------------- Ora, eu trabalho com adolescentes e sei que a maior crise de 2023 é a da masculinidade. Os meninos beijam, transam, como sempre foi, mas há neles uma vergonha, uma tristeza, uma falta de ação que beira o patético. As meninas agem, os meninos aguardam. O personagem de Denner é uma peça de museu. Pior, hoje não pega bem adorar A MULHER. Deve-se adorar o ser humano, fingindo então que mulheres e homens são iguais. Ora....fossem iguais não haveria a atração irresistível. A biologia nos ordena a reprodução. Basicamente é isso. O resto é invenção de nossa mente incansável. ------------------- O personagem não tem filhos. Deveria os ter. ------------------- Eis um belo e simples e grande filme. Procure ver.
É PRECISO FAZER AS PAZES COM OS ANOS 80
Eu e o mundo precisamos nos reconciliar com os anos 80. ----------- É a década em que eu tinha 20 anos, 21, 22, e desde sempre eu gosto de dizer que foi a pior década da história. Por que? Foi mesmo? ------------- Não. Esta década é muito, muito pior, assim como pior foram os anos 2000. Na atual ditadura do feio e do incompetente, é hora de voltarmos aos moços de gel e terno Armani. O ambicioso assumido e o bonito sem culpa. Chega da hipocrisia de vender Coca Cola como produto do bem, ou uma conta em banco como ato de bondade ecológica. É hora de beber Coca porque é bom e abrir conta para tentar ficar rico. Mais verdade por favor, menos babaquice infantil. --------------- O mundo nadou em dinheiro nos anos 80, o Brasil não, temos uma vocação para ir contra a maré mundial, e por isso a beleza se tornou alvo dominante. Não se usava o feio para nivelar o homem por baixo, se almejava o belo como alavanca de consumo. E esse consumo nos fazia melhores, mais belos e mais despertos. Imbecis dizem que foi a década do cinismo, mas não, foi a mais real. Somos ambiciosos e amamos o que é rico e bonito. Cinismo? Não. Mundo real. -------------- Tempo em que tudo era visual, o que se buscava era ser ou pelo menos parecer brilhante. Não havia culpa nenhuma em ser bonito ou querer ser, e o riso, ele era geral. Podia-se rir. Rir não era humilhar ninguém. Que cada um fizesse sua piada. -------------- Eu amava esse mundo até 1984, mas então, por uma crise pessoal, passei a odiar aquele tempo. De 1985 até 1990 fui profundamente infeliz e culpei a década por um mal que era apenas meu. Tudo que me recordasse aquele tempo passou a ser deprimente. Uma década feliz, em minha mente parecia ser um necrotério. Mas...2023 é um período tão negativo que agora eu me reconcilio com 1986 ou 87. Como disse, é hora de demitir o executivo de cabelo pink e delírios sobre "mundo sem mal" e chamar os yuppies de 1982 para dar um jeito na bagunça. --------------- Exatamente como aconteceu em 1981. Os anos 70, que adoro, foram um kaos provocado por líderes pressionados a puxar o freio. O mundo quase faliu e nos anos 80 os tais hiper executivos consertaram a bagunça. Hoje o que vemos é a transfomação dos ideais dos anos 60 e 70 em lei única. O que, lógico, leva o planeta à pobreza. Hippies, freaks e poetas não sabem e não querem fazer dinheiro. Eles visam uma ideia e não acumulo de capital. Não entendem que economia não é filosofia, é ciência exata. Hora dos caras que pensam em números e não em rimas. ------------------ Sim, eu era esnobe. E minha saudade é muito maior dos anos 70, quando eu tinha 12, 13 anos, que dos anos 80, onde aos 22 eu me perdi em noites de loucura sem hora para terminar. Mas as meninas eram lindas com seus vestidos de seda vermelha e suas luvas rendadas. E eu amava meu paletó branco com meus sapatos de couro azul. Tudo era uma tentativa de ser lindo. O tempo todo. Oscar Wilde dava as cartas e se hoje parecemos bregas, pense nas roupas do cara mais famoso do RAP ou do Funk de hoje e compare com isenção. Abra uma Vogue ou Elle de 1988 e compare página por página com uma edição atual de qualquer site de moda. Voce vai entender o que digo. Não há hoje nada que lembre vagamente o tempo de Linda Evangelista. --------------- A arrogancia imperava, ser vaidoso não dava raiva em ninguém. Eramos como um bando de pavões a se exibir. O futuro parecia ter duas alternativas: o fim do mundo ou uma festa sem final marcado. Quem diria que seria uma depressão do bem? Não esqueça, em 1985, até uma banda alternativa como Smiths tinha visual vaidoso. Ninguém sairia de casa ou faria um show sem pensar horas no que usar. Camiseta e jeans? Nunca! Os anos 70 estavam mortos baby. Apolo dava as regras. Então, seja David Lee Roth ou Robert Smith, o visual e a atitude devem dizer algo sobre "um estilo só seu". Vaidade e mais vaidade. Quem imaginaria que o mundo sentiria falta desse tipo de atitude? Aquela que remete ao desejo de ter e não ao querer agradar. Nós tínhamos. Não ligávamos em agradar. Qualquer filme que mostre a classe média de então vai te surpreender: a gente tinha muita coisa: brinquedos, aparelhinhos, roupas, discos, livros, móveis, carros, coleções, uma abundancia de posses. E nem pensávamos em parecer corretos ou discretos. ------------------ A frase da Nova Ordem Mundial: Voce não vai ter nada e será feliz, em 1986 seria considerada uma sentença de morte. E ela é. Hoje fomos treinados a nem mesmo pensar no que ela significa. ---------------------------- Passo agora diante da vitrine da Chanel e vejo um vestido rosa. Me alegro. Não há nenhuma das roupas dos últimos anos. Nada de ridículos casacos de croché colorido ou calças de plástico mal costuradas. É apenas um vestido rosa que Audrey usaria. Talvez a beleza seja um bem eterno e ela renasça mais uma vez. -------------------- Sorrio.
HEDONISTA
Estava escutando um disco hedonista e caiu a ficha: vivemos um dos períodos mais puritanos da história recente. Mas como Paulo? Nunca se falou tanto de sexo. Sim, é fato, mas repare que sexo hoje é ato político, é atitude, é agressão, deixou de ser simples prazer. ---------------- O Hedonismo está e sempre esteve muito ligado ao sol, é uma postura perante a vida em que voce procura o prazer físico, a sensação de prazer, deixando o cérebro desligado. É o estilo de vida típico do Mediterrâneo, Grego, Italiano. Mas voce sabe, hoje quem manda na Europa é Belgica, Alemanha, Holanda, países menos hedonistas do mundo. Eles exigem que sejamos estoicos, e o estoico não tem prazeres, ele suporta dores. ------------- Observe mais: filmes não propõe mais um simples prazer, eles tentam educar, ensinar, quando não, nos comandar. Na música POP se chora, se estupra ( o funk são dois câes cruzando, é um ato biológico, nada há da celebração do prazer ), se revolta, mas não se dá uma simples diversão. Aliás falar de música é perda de tempo, mudemos de assunto. -------------- Voce bebe vinho pensando na safra, no custo benefício, bebe como se fosse um estudo, uma ciência. Voce come preocupado com calorias, agrotóxicos, a ecologia e esquece que comer é o segundo maior prazer da vida. Esquecemos o gosto de gostar por gostar. E isso tudo começa quando criminalizaram alguns dos atos mais hedonistas do ser humano. ------------ Tomar sol e fumar um cigarro. Ser vaidoso e rir de tudo. Não é à toa que a insônia impera: um dos prazeres mais simples, parece que hoje nos sentimos culpados por dormir. A negação do Hedonismo traz uma herança lógica: a depressão, seu completo oposto. --------------- Eu recordo dos hiper hedonistas anos 70, onde tomávamos sol sem nenhum medo ( estranhamente os índices de cancer de pele eram baixos ), bebíamos vinho sem olhar o rótulo, bastava ser bom, e comíamos carne sem sequer imaginar um pobre boi morrendo assassinado. E o sexo? Era quase sagrado, o mais prazeroso dos atos, uma festa folia alegria, um ato feito de beijos longos, carícias extremas, um olhar que admirava e elogiava. Sem pressa. ------------------ Então veio a AIDS. E o mundo do sexo, gay ou hetero, foi cruelmente atacado pelos puritanos, que como aconteceu com a Covid, amaram poder posar de virtuosos. O rock começou a se tornar triste, muito triste, e mesmo bandas "alegres" e então novas, como Duran Duran ou Van Halen, eram atacadas como escapistas, tolas, sem consciência social. ------------ Elas eram hedonistas. Propunham a folia e a farra, a beleza sem vergonha, o poder ser. ------------ O disco de que falei é EMOTIONAL RESCUE, da banda mais hedonista da história, Os Stones, e eles, que desde 1973, são atacados porque não admitimos que tudo o que eles querem é....bem, voce sabe tudo o que eles querem: mulheres, festas, bebidas e sol na cara. Mais nada. ------------------- Somos bichos que sentem prazer. Talvez um cão comendo sinta prazer e não apenas necessidade, não sei, porém eu sei que existe uma diferença entre comer e apreciar, entre transar e foder. Nossa capacidade de ter prazer é tão nobre e exclusiva como é nossa razão. Mas hoje se faz questão de esquecer desse fato, o de que nascemos para ter prazer, não para ser felizes, ser feliz é espírito, é abstrato, no entanto nosso corpo busca o prazer. E ao o encontrar nos realizamos, crescemos, ficamos FISICAMENTE FORTES. Nietzsche sabia disso, DH Lawrence sabia disso. ----------------- Penso que o Hedonista é rebelde, individualista, e isso ofende o rebanho. Ele é também obvia e explicitamente feliz, e isso ofende os tristes. -------------- Eis aí a coisa: Antes a beleza era entendida como algo que copíavamos, mesmo sendo feios, para tentar ser menos feios, e isso nos fazia vivos. Assim como ver uma pessoa feliz nos recordava da ALEGRIA EM ESTAR VIVO. A possibilidade sempre presente, da alegria. Hoje beleza e alegria são ofensas, humilham. ------------- Nunca fomos tão puritanos. No século XVII era assim que se pensava: Vaidade e Alegria eram coisas do diabo. Voltamos a esse tempo. Mas usando um verniz de falsa liberdade. ---------------- Reconcilie-se com seu prazer. O genuíno. Aquele que liga o foda-se. O resto é vingança dos infelizes e dos chatos.
MOTT THE HOOPLE E BAD COMPANY
De todos o estilos de rock, nada está mais morto que o hard rock. Estilo dominante nos anos 70, ele era leve demais para ser metal e pesado demais para ser POP. Seus temas eram geralmente amor, sexo, estrada, os amigos, a revolta, leve, contra o sistema. Tinham uma alegria que transparecia mesmo nas baladas e uma técnica não exibicionista. Eram bandas para se divertir escutando e eles se divertiam tocando. A partir dos anos 80 esse estilo se mediocrizou em chatices que prefiro não citar ( voce conhece todas ). O que era um grupo de homens tocando rock em volume alto se transformou em bando de ídolos sexy se exibindo no palco. Virou a coisa mais fake do mundo. ---------------- Mott The Hoople era a banda de Ian Hunter, um grande letrista que em 1973 tinha como líder de seu fã clube um moleque chamado Morrissey. O som era hard rock, mas com fartas pitadas de Kinks e Dylan. MOTT, seu melhor disco, é quase uma obra prima e veio após Bowie ter salvo a banda com all the young dudes. Aqui Bowie não participa. O filme de Scorsese, ALICE NÃO MORA MAIS AQUI usa este disco na trilha sonora, ele abre com uma sequência linda, na estrada, ao som de all the way from Memphis, uma obra prima que abre o LP. Mick Ralphs, o guitarrista, poderia solar duas horas, mas não, no hard rock os solos são concisos. O disco todo transpira inspiração e a voz de Ian Hunter, mesmo não sendo do tipo que eu aprecio, funciona. É um som que me embala desde minha adolescência e reouvindo agora me deu muito prazer. ------------------ Bad Company foi um supergrupo surgido em 1974. Super porque todos os quatro integrantes tinham sucesso em seus ex grupos: Paul Rogers era vocal do Free, Simon Kirke batera da mesma banda, Mick Ralphs vinha do Mott The Hoople e Boz Burrell tocava baixo no King Crimson. O primeiro disco, Bad Company, é o mais simples e direto exemplo de hard rock dos anos 70. Riffs que acertam o alvo. Bateria pesada. Vocal rouco. Baixo que pulsa. Um som limpo, claro, nítido, direto. São apenas 8 faixas e nenhuma é menos que afiada. Neste disco percebemos o melhor dom do hard rock: ele nos enche de vontade de fazer coisas. Ir à rua, viajar na estrada, procurar alguém. É viril. De todos os estilos é o que menos me enjoa, o bom e velho rock pauleira. Ah sim, o disco foi number one nas paradas do mundo. Bons tempos...
Sailin' Shoes (Live at Lisner Auditorium, Washington, DC, 8/10/1977)
.....Esse é o disco, essa é a banda. Lowell George e seus camaradas têm jazz, têm funky, têm groove, eles têm tudo! O disco, ao vivo, é de uma vibração cósmica sexual absoluta. Na era dos grandes discos ao vivo ( 1969-1979 ), ele é talvez o melhor de todos. A banda soa solta, relax, quente e os vocais são sedutores. É música feita por quem sabe tocar até dormindo e para ser escutada por quem sonha com música. Vicie-se.
MEUS CAROS AMIGOS ( AMICI MIEI ), EU ME LEMBRO DE NÃO SER UM HOMEM...
Nos anos 70 a Italia flertava bastante com o comunismo puro. Interessante conversar com um rapaz de 20 anos, culto, sobre esse assunto. Para ele, hoje, comunismo é algo vago, uma névoa onde se misturam ecologia, feminismo, liberdade sexual, drogas e consumismo consciente do bem. Digo à ele que em 1975, em Firenze, onde se passa o filme, ser comunista era odiar rock, jamais comer nada que tivesse origem made in USA, querer dar o poder aos operários e ter acessos de raiva ao ver gente bem vestida, limpa, organizada, burguesa. A revolução seria absoluta: patrões presos, pobres tomando as casas dos ricos, fábricas virando cooperativas. Acima de tudo, para ser comunista voce era, coerentemente, materialista. Crer em espíritos, igrejas alternativas, vida pós morte, tudo era encarado como ópio, maneiras de amansar o pobre. Mesmo a arte só era válida se fosse militante, se tivesse uma função social educativa. Weellll....meu amigo fica meio chocado. Coitado. -------------- Conto isso porque este filme, uma obra prima do humor humanista que só os italianos sabem como fazer, exibe esse momento histórico de forma enviesada. Se em 1975 todo italiano moderno era necessariamente comunista, estes cinco adultos estão além do comunismo, eles são anarquistas. É a versão made in Firenze do filme francês de 1973, Corações Loucos, onde Gerard Depardieu, Miou Miou e Patrick Dewaere, este um ator de gênio que tragicamente morreu jovem, nos anos 80, por heroína, mostram, sob a direção de Blier, o que seria o anarquismo na França de então. O estilo francês é agressivo, violento, sexualmente feroz, animalesco; já o italiano se pauta sempre pelo humor e pelo exagero operístico dos sentimentos. São finos, são machos, são bobos e são civilizados, são italianos.... ---------------- A primeira ministra da Italia fez um discurso de posse que é uma das peças mais belas da política e é a melhor em décadas. Grosso modo, já escrevi sobre o tema, ela diz que a Italia precisa voltar a ser italiana. Modo de viver, gostos, religião, arte, comida, tipo de relações humanas, família, ao estilo do país e não da Europa. Pois esse modo europeu é sempre o mesmo, um jeito nórdico de se fazer e de se viver. É preciso salvar a cultura do sul, do Mediterrâneo, latina. Este filme nos faz lembrar de duas coisas: 1. O quanto devemos à cultura italiana. 2. O quanto existe de felicidade em se ter amigos masculinos. ( Machismo? Talvez ). ---------------- 1. A Italia nos civilizou. Nos livrou do barbarismo que às vezes retorna em forma de nazismo, stalinismo, irracionalidade, crenças estúpidas, exagero no culto à natureza, magia negra, ódio à educação, raiva da história ocidental-latina. Na cultura italiana encontramos o nascimento do amor à beleza até o refinamento dos modos, o amor ao flerte à criação da música ocidental. As regras que se aplicam à diplomacia, arquitetura, saneamento básico, guerra, direito, trato com as mulheres, gastronomia, cultivo de vinho, fabricação do pão, senso de vestir, troca de ideias, tudo made in Italia. Italianos falam, discutem, escrevem, cantam, tentam seduzir, tramam, traem, matam, mas tudo dentro de um discurso, de um código, do mundo do Cortesão, do cavalheiro, do gentil homem. ( Por isso o fascismo italiano foi muito menos feroz que o alemão ou russo ). Espada e pena, sangue e flores. Este filme mostra isso? De contrabando, sim. Mas o foco principal é no ponto 2. -------------------------- 2. Eu vivi dois tipos de ambiente em minha vida. O mundo da amizade masculina e o da feminina. Ambos são interessantes, mas para um homem, as grandes lembranças são as das amizades entre homens. ( Minhas grandes lembranças com mulheres são ligadas ao romance, e ao falar isso estou sendo honesto ). Quando, no filme, os amigos dão tapas nos passageiros de trem, eles estão sendo homens, apenas homens, homens que estão longe de mulheres. No ato o único objetivo é rir, mais nada. Não há sentido oculto, nem mensagem cifrada, nada. O tapa acontece porque faz rir e rir é bom. Essa é a capacidade masculina de viver: fazer o que naquele momento e naquela hora faz sentido porque deu vontade de fazer. Cada piada, cada bagunça, cada trapalhada no filme é apenas isso, desejo de rir. Se voce já teve amizades sinceras com homens não castrados voce sabe do que falo. Tóxicos? Sim, pois eles viciam. ---------------------------- Eu tenho alguns amigos, ou ex amigos, que aos 30 anos eram assim. Maravilhosamente bobos. Tudo o que faziam tinha embutido o desejo de rir. Mesmo quando conversávamos sobre Bach ou Nietzsche, o final, a gente sabia, era o riso. Aos 35 anos eles se casaram. E lentamente mudaram. Alguns se fizeram preocupados, vendo o riso como infantilidade irresponsável; outros simplesmente começaram a falar como suas mulheres, os mesmos assuntos, mesmos gostos, mesmas atitudes. O passado não era condenado por eles porque deixou de ser lembrado. Mataram o que foram aos 20. Pois bem, neste filme vemos homens de 50 anos que são casados ou divorciados e que abrem mão de tudo pelos amigos. Visto hoje isso parece coisa de idiota ou algo impossível de acontecer....weeellll....meu avô morreu aos 70 anos exatamente assim. Quando a turma do bar chamava, ele ia. Sem nunca hesitar. Egoísmo? Muito. Mas creia, sentiremos muita falta desse tipo de homem, pois era ele quem garantia um mínimo de paz à comunidade. Com os dele, o que era dele, ninguém se metia. Com os dele nada de ruim acontecia. Ele era a porta contra a maldade dos de fora. Isso acabou. Recentemente fiz amizade com um homem desse tipo, 60 anos, velha moda de ser e fazer. Ele contrabandeia bebida para dentro do trabalho, empresta dinheiro a juros baixos, viaja sem planejar, indo para lugares onde nunca foi, sustenta duas famílias, come até passar mal, e me cumprimenta no estilo: Como vai seu filha da puta! Ele age. E ri. É um egoísta. Mas é responsável pelos seus. ---------------------- Tive amigos assim por toda vida. Não os valorizava porque antes eles eram comuns, fáceis de achar. Hoje são uma raridade. Não é por acaso que mesmo em países como o Canadá ou Irlanda já se percebem sinais de tirania governamental. Não há mais esse tipo de homem para botar o pé sobre a mesa e parar com a merda toda. Os que ainda existem se encolhem com medo de serem rotulados de "tóxicos", "velhos", "brucutus", ou pior que tudo "opressores". Loucura: os que nos salvaram da opressão desde sempre, são agora rotulados como "perigosos". Saibam que, pasmem!!!!, os comunistas de 1975 eram extremamente viris. Cuspiam no chão, tinham amantes e odiavam frescura. Se voce olhar bem irá ver um monte deles na política que agora toma o poder aqui na Latino América. Estão detrás de névoa de feminismo, ecologia, drogas livres..... rindo. ----------------------- Pietro Germi, o mais esquerdista dos diretores, escreveu o roteiro deste filme e ia o dirigir quando morreu. Mario Monicelli, o melhor dos diretores de comédia, pegou o barco andando e fez um grande filme. O elenco é adorável. Todos têm cara de gente de verdade e não personagens de cinema. É tudo crível porque eles são críveis. Cada rua gelada, cada carro enferrujado, a casa inacreditável de Tognazzi, o hospital onde eles se comportam como alunos indisciplinados, tudo é brincadeira e tudo é real. Apenas a Italia conseguia fazer esse tipo de cinema, realista mesmo quando parecia exagerar. Nunca feito por tipos, sempre por gente. Rezo para que Melloni, a ministra, tenha sucesso. ( Há algo mais italiano que uma ministra chamada Melloni? Penso nos italianos em Siena falando dos melloni dela ). --------------------- Seria maravilhoso que uma cultura que começou com A Divina Comédia e o Decameron, nos salvasse mais uma vez.
WALLS AND BRIDGES, O MELHOR DISCO DE JOHN LENNON
Em 1974 John Lennon estava um caco. Sem Yoko, eles haviam brigado, ele vivia bêbado. Seus companheiros de copo eram Keith Moon, Ringo Starr, Elton John e principalmente Harry Nilsson. Todos conhecidos por seus excessos. ( Moon e Nilsson eram alcoolotras radicais, Elton estava na sua fase cocaína ). Lennon chamaria no futuro essa fase de seu "Lost Weekend " alusão ao filme de Billy Wilder. --------------- Nesse clima ele lançou o disco Walls and Bridges, disco que vendeu muito mas que foi meio esnobado pelos críticos. Eu conheço tudo que John gravou e para mim este é não só seu melhor trabalho solo, como um dos grandes discos da melhor década. Ele abre com Goin Down on Love e voce não imagina o que era ouvir isso no rádio pela primeira vez. Era rica, era complexa, era surpreendente. Mudava de tom, mudava de ritmo, se recompunha. Tinha percussão, metais, tinha rock e era esquisita. Lembrava os melhores trabalhos dos Beatles. A faixa seguinte fora fruto de uma aposta. Elton John gravou com John Whatever Gets you Thru the Night e apostou que ela seria número um na Billboard. John duvidou e disse que se ela fosse, ele apareceria de surpresa no palco em show de Elton. A faixa chegou a número um e Lennon aparece no Madison Square Garden, no meio de um show do Elton, sem avisar. Cantaram 3 faixas e essa foi, sem que ningém se desse conta, a última aparição de Lennon em um palco. Dezembro de 1974. Whatever Gets era outra surpresa quando surgiu no rádio. Era alegre e histérica, meio gay e tolinha. Deliciosa e eufórica. A cara dos anos 70. -------------- Para quem não sabe Harry Nilsson foi um gênio e Old Dirt Road é da dupla Lennon-Nilsson. É a alma do album. Linda de matar, triste de doer, tem uma guitarra slide sublime ( Jesse Ed Davis ) e aquele fundo de orquestra que Nilsson era mestre em usar. A voz de John está magnífica, é triste, é rock, tem um fundo de ironia, é voz de quem perdeu ( o que irrita em John é sua mania de exibir feridas ao público, mas aqui é tudo tão bonito que a gente perdoa ). A próxima, What You Got, tocava em anúncio de TV. É rocknroll. É agitada. Funciona à perfeição após o bode da faixa anterior. Dá até pra dançar. Bless You é uma faixa que poderia ser cantada por Al Green. Ou por Luther Vandross. Seria sexy. Seria soul de motel. Na voz de Lennon, voz incapaz de soar sexy, é bela porém incompleta. Scared é mais uma grande faixa. Um lobo uiva duas vezes e a orquestra entra como em sonho. Lennon repete várias e várias vezes que sente medo, muito medo. Dizem que seu afastamento do trabalho, entre 1975-1980, se deveu a crises de pânico. Se for verdade, eu penso que não, esta faixa entrega tudo. É pesada, soturna, mas é cheia de beleza. Quando inspirado, John Lennon era uma fábrica de produzir coisas bonitas em meio a frases simples. Scared é um exemplo de talento. Se Paul MacCartney é um mestre em produzir harmonia de cristal, John fazia beleza no lodo. E essa beleza é superlativa em Dreams, uma das músicas mais bonitas já gravadas. O som da bateria harmonizado com os violinos que "sonham" é das construções musicais que só um imenso dom, um talento sem limites, faria. Dreams me encantava quando tocava no rádio, em 1974, e me encanta agora, uma vida inteira mais tarde. É perfeita como música acabada e completa. Surprise é a faixa menos boa do disco inteiro. Apenas uma brincadeira rocker. Nada ruim, mas destoa. Steel and Glass é terrível. Terrível no sentido de ser assustadora. Os metais estão precisos, a música progride como destino. John sente medo outra vez. Sou apaixonado por essa faixa desde que a ouvi pela primeira vez, 1980, logo após sua morte, que foi quando comprei o album. Sei que escrevi sobre esta obra uns 10 anos atrás, mas o valor da grande arte é sua capacidade de ser eternamente comentada. Hoje sou outro e o album tem outro valor para mim. Beef Jerky é esquisita e é instrumental. E depois temos mais uma faixa que é puro Nilsson: Nobody Loves you when you're Down and Out. Só John e Nilsson poderiam fazer uma faixa com esse título. É uma longa lamentação de Lennon, pura auto piedade. Ele lambe feridas sem pudor. Mas eu adoro, porque musicalmente é uma maravilha. A massa sonora lembra o melhor de Phil Spector ( John foi o único Beatle que aprendeu com ele. Paul jamais deixou de seguir George Martin, um estilo muito mais refinado que o de Spector ). Essa massa de guitarras, violinos, metais, percussão, se arrasta como se tudo fosse uma imensa ressaca. E é uma ressaca sim. A canção é como uma dupla de amigos cantando na rua às 6 da manhã, com dor de cabeça, dor de corno, dor de viver. É adulta e é feita em espírito adolescente. É uma obra de arte. ---------------------- Minha opinião é que Lennon se afastou dos palcos e do trabalho por ter vivido um "momento de Voltaire". Desde sempre Lennon fora um rebelde ingênuo, um revolucionário enganado, e em 1975, após o inferno de 1974, ele viveu aquilo que Voltaire descreve ao fim de Candido: Ao final de tudo, o melhor é que cada um cuide de seu jardim. Em crise, percebendo a tolice de seus companheiros, ele se volta ao jardim, à família, à casa. Vai criar o filho, fazer pão, ver TV. Uma das raivas que sua morte nos legou é que não assistimos a segunda parte de sua vida. ------------- Walls and Bridges é o momento em que o Lennon chato e infantil morre.
MELHOR ANO? TENHO UMA OPINIÃO E VOCE TEM A SUA. MAS EXISTE A VERDADE
Tudo é opinião no mundo de agora mas não se engane, a verdade existe. E a verdade vive na multiplicidade de opiniões, voce as escuta até perceber um padrão sólido, que não muda. Isso porque a verdade é sempre imutável. Posto isso digo que um jovem amigo, bem jovem, me pergunta qual foi o melhor ano na história do rock. Welllllll....dizem ser 1966, dizem ser 1968....dizem ser 1981....só não há quem diga ser 2022. ( Não pense que o tempo dá importância à um ano no tempero da saudade, em 1968 já se tinha consciência de ser aquele o melhor ano e em 1973 já se tinha certeza ser aquele um ano fenomenal ). Um dos anos mais votados é 1972 e esse é meu ano favorito. ------------- Primeiro fato meu caro: não pesquise no underground. Música alternativa é mundo de paixões exaltadas e sua marcha no tempo é sempre questão hiper subjetiva. A prova de um grande ano reside nas paradas de sucesso e no rádio popular. Essa é a amostragem do momento e é o que ficará como herança específica de uma produção no tempo. 1972 é imbatível. -------------------- Nem é preciso dizer que foi o ano em que a black music se firmou de vez nas rádios brancas. Estou falando de rock, mas saiba que 72 foi o grande ano black. ------------------ Então vamos à 1972, um ano que parece uma década. Voce vai notar que os discos que vou citar estão em catálogo, seja CD ou Vinyl até hoje. São procurados, lembrados, copiados, citados. 1972 é ano de Exile on Main Street, último disco realmente grande dos Stones. E também de Ziggy Stardust, e imaginar esses dois LPs, pendurados numa vitrine, ao mesmo tempo, é um luxo. Mas houve mais, e esses dois talvez nem sejam os melhores do ano. Houve Transformer de Lou Reed e All The Young Dudes, do Mott The Hoople. E The Slider, do T.Rex foi o disco que dominou o ano em Londres. Elton John lançou uma obra prima, Honky Chateau e Alice Cooper teve Schools Out. 1972 é o ano de Made in Japan do Deep Purple e de Black Sabbath Volume IV. Bryan e Eno lançaram o primeiro do Roxy Music e o Jethro Tull teve nas vitrines o LP com capa de jornal. Close to The Edge do Yes ao lado de Led Zeppelin IV lançado em dezembro de 71. Gary Glitter ecova o single RocknRoll e Paul MacCartney mandou vários hits para as rádios. O rock alemão estava em seu auge e todo o novo country americano ainda tinha alguma graça. As ondas sonoras pulavam com canções alegres ou docemente tristes: Day After Day é um belo exemplo. Os Faces tinham nas paradas seu melhor momento com Blind Horses e o Status Quo fixava seu estilo boogie, estilo que eu adoro. Rod Stewart continuava sendo um artista sério e muito popular e Never a Dull Moment era seu disco do ano. Ter dinheiro e entrar numa loja de discos devia ser fantástico, em 1972 eu era muito criança e só entrei em lojas no ano de 1974. Em 1972 Queen, Genesis, Foghat, Gentle Giant, Dr Feelgood, Be Bop de Luxe, Robin Trower, Suzi Quatro estavam no ponto para estourar e o ELP tinha o maior show dos palcos. Jeff Beck estava em excursão e Johnny Winter era talvez o melhor guitarrista ao vivo. Rory Gallagher era seu rival. Gram Parsons lançava seu primeiro grande disco, JJ Cale começava sua carreira virtuosa e influente e mais um monte de bandas fofas e brilhantes invadiam as paradas da Europa: Sweet, Middle Of Road, Son of My Father do Giorgio, Lynsey de Paul. Nos EUA era tempo de Three Dog Night e Bread. Houve o super disco ao vivo de The Band e mais Humble Pie, Free e Dr. John mandando ver. Tudo isso no mainstream. Nada aqui era para nerds musicais, era tudo isso coisa de loja de disco, de rádio, da Billboard. Ligar o aparelho e sintonizar em qualquer rádio AM era sempre uma experiência interessante. E não se esqueça, botando pimenta nisso tudo havia a black music de Al Green, O´Jays, Temptations, Marvin Gaye, James Brown, Stevie Wonder, War, Kool and The Gang, Rufus, Harold Melvin, Stylistics, Billy Paul, Billy Preston, Blue Magic, George Clinton, Curtis Mayfield, Roberta Flack....a lista não termina.
OS HEMISFÉRIOS DO CÉREBRO, TEDDY PAEZ E STEELY DAN
Uma boa notícia: descobriram que a partir de certa idade, mais ou menos os 60 anos, os hemisférios cerebrais entram em comunhão. A fornteira entre eles se torna mais fraca e isso faz com que nosso lado intuitivo entre em comunicação com o lado racional. Há perda de memória e de agilidade, mas há, vejam que coisa!, aumento de criatividade. E, e agora vem o que aqui interessa, AUMENTO NA CAPACIDADE DE APRECIAÇÃO DA ARTE. Talvez esteja aqui a explicação do porque de gente com menos de 40 anos não apreciar Steely Dan. ---------------- Eu acho fantástico quando a ciência corrobora, após séculos de pesquisas, aquilo que a civilização já sabia, por costume, desde sempre. Antes da hiper valorização da juventude, via mercado, toda nação valorizava os velhos como repositórios de sabedoria. Um velho maestro, um velho escritor, um velho líder político eram vistos como um ser em seu apogeu. Em 2022, e desde pelo menos 1968, um cara com mais de 40 anos é um ser em decadência e com mais de 60 é um traste a atrapalhar a vida dos outros. Nunca foi assim. E será preciso a ciência para dizer o óbvio. --------------- Em 1977 havia uma loja, na época loja chique se chamava boutique, loja em francês, que ficava escondida no corredor mais estreito do velho shopping Iguatemi. Essa boutique se chamava Soft Machine e seu estilista era Teddy Paez. Paez era porto riquenho e vivia em New York, seu design vinha de lá. Os produtos, roupa masculina moderna, começara como um tipo de hippie chique. depois passara a ser discoteque exclusiva e a partir de 1979 seria new wave sóbria à NY. Eu tinha 15, 16 anos e minhas roupas eram de lá. Até hoje não encontrei jeans melhor. Caía feito uma luva e não era nem justo e nem largo. Camisas que pareciam militares, camisetas hiper coladas na pele, cintos fininhos de fivelas prateadas...qualquer coisa lá parecia moderna, ousada, diferente. E jamais exagerada. O local cheirava a tecido recém lavado e nas caixas tocava Steely Dan. ---------------- AJA não é o melhor LP deles mas é o mais conhecido. É de 1977. E tem o estilo do grupo ( grupo formado apenas por dois caras ) em seu modo mais jazzy. Voce sabe: um ano em estúdio para acabar o trabalho ( hoje se faz um disco em quanto tempo? Dez dias ? O som é perfeito, as composições sublimes, e é preciso ter alguma idade para perceber a profunda beleza daquilo tudo. Porque eles nunca apelam, não são dramáticos, não posam, não forçam. São músicos, são profissionais ao extremo. O que Donald Fagem queria era isso: que fosse perfeito. E perfeição é trabalho, muito trabalho. Os discos deles mostram trabalho, apuramento, resultados. Mas não esforço. Tudo parece fácil. E nada simples. ------------------ Eles unem dois hemisférios.
LETRA E : EDDIE AND THE HOT RODS- EMERSON, LAKE AND PALMER
Para quem não viveu os anos de 1977, 1978, fica meio difícil entender porque o punk rock fez tanto alvoroço. A pessoa acha que foi por causa do barulho ou dos palavrões, mas barulho e palavrão sempre houve. Se voce escutar uma banda como Emerson, Lake and Palmer, e depois ouvir Eddie and The Hot Rods ( melhor ainda, ouvir o Sham 69 ), talvez voce comece a entender. --------------- Primeiro é preciso que eu deixe claro. A melhor coisa que me aconteceu em anos recentes foi ter perdido o preconceito contra o heavy metal e o prog. Um novo universo se abriu para mim, e eu juro, é bom demais poder descobrir mundos tão imensos na idade em que estou. Mas mesmo no tempo em que eu vivia o preconceito ( fui educado para odiar prog e heavy ), eu ouvia e reouvia o primeiro disco do ELP, aquele que tem a faixa Lucky Man. Hoje eu tenho todos os cinco primeiros discos e acabo de ouvir outra vez todos eles. Os dois primeiros são muito bons. Eles nos dão o prazer de ouvir três grandes músicos tocando com exitoso prazer. A criatividade do primeiro, é o melhor, nunca me cansa. É um disco perfeito, sem faixa ruim. Mas....... a partir do terceiro disco, gravado em 1972, a coisa começou a desandar. E a palavra que define o que aconteceu é uma das mais traiçoeiras que existe: vaidade. Keith Emerson começou a se ver como um artista erudito e Greg Lake como poeta. As músicas se tornaram "peças musicais", com títulos pomposos e ridículos. A aventura se fez "estilo" e a surpresa "fórmula". Apesar de ainda conseguirem boas faixas, são discos que exalam aborrecimento. Após dois anos eles já não tinham nada a oferecer. --------------- Música erudita misturada à rock funciona muito mais em heavy metal. ---------------- Em 1976 o rock estava pronto para receber um tapa na cara. Havia muita coisa boa ( Dr. Feelgood, Bowie, Status Quo, Robin Trower, Lynyrd Skynyrd, Foghat e vasto etc ), mas a sensação era de que a coisa havia se tornado pretensiosa, chata, gigantesca, incomunicável. Bandas gigantes lançaram todas discos muito decepcionantes ( Black and Blue dos Stones, Presence do Led, Animals do Floyd, Going do Yes, muitos mais ), grupos como Roxy Music, Mott The Hoople e T.Rex haviam terminado, Rod Stewart virara playboy, e quem mais vendia, muito, era Eagles e Peter Frampton, nomes não exatamente instigantes. --------------- O primeiro ato de punk foi ofender. Eles ousaram xingar as bandas queridas dos anos 60. Para eles, um cara com 28 anos era um velho e fim de papo. Punks faziam músicas "mal tocadas" com 2 ou 3 minutos no máximo. Sem solos. Sem exibição vocal. Rápido, agudo e "errado". Foco muito no errado. Os fãs tradicionais ficavam horrorizados com sua tosca técnica. Ainda ficam em 2022. Os anos 70 foi o tempo da super técnica, do jazz-rock, dos discos hiper produzidos, dos músicos mestres, gente se exibindo em solos sem fim. Foi um choque ver que gravadoras ousavam lançar gente que não sabia tocar. Parecia sujo. A ideia dominante em 1976 era que o rock se tornaria cada vez mais "clássico", cada vez mais produzido, mais técnico, mais complexo. O King Crimson parecia ser o futuro. E então o futuro se tornara, que surpresa, os Troggs. Os desprezados singles de 1965, coisas de Kinks, Them, Surfaris, eram de repente o tal futuro do rock. Foi um choque. ----------------- Ouvindo hoje, muita coisa do prog vale muito à pena e me agrada demais. Tenho escutado Yes ( até 1975 sempre uma banda que produz música muito bonita ), Gentle Giant, Renaissance, 10CC, Jethro Tull e vasto etc. Tenho amado. O que eles queriam era apenas produzir beleza e isso o punk nunca fez. Nem quis. Os prog erraram muito. E acertaram bastante. Acima da vaidade eles tinham coragem. --------------- Ironia do futuro: menos gente ouve hoje o punk de 1977 que o prog de 1972. Na escola que trabalho conheci mais gente de 14 anos que escutava Pink Floyd e Rush que Sex Pistols ou Ramones ( Ramones é banda muito amada....por quem tem 40 anos ). O motivo é claro: o prazer de ouvir música bem tocada sempre sobrevive. Haverá sempre uma centena de moleques que possuem o sonho de ser músicos e têm ouvidos bem treinados. Eddie and The Hot Rods está morto para sempre. ( Mas não a diversão que eles ofereciam ). O fato é que bandas de 2022 podem e refazem Eddie sem nenhuma dificuldade. Mas ninguém refaz Can ou Tangerine Dream. E nem o primeiro disco dos irritantes e soberbos Emerson, Lake and Palmer. Bem ou mal, o prog é propriedade daqueles que o construíram.
THE CARS. AQUELA ELEGÂNCIA PERDIDA.
Deixo claro logo de cara: eu adoro The Cars. Surgido em Boston, 1978, eles foram os reis da new wave americana. E na verdade possuem a batida e a sonoridade mais típica do movimento. Sonoridade. Quem me lê sabe que aquilo que mais dou valor em música é o timbre. E o timbre em The Cars é maravilhoso. A guitarra base com seus curtos acordes rítmicos, a bateria metálica, mixada em cima, o baixo cheio de beat, o teclado, delicioso, com sua sonoridade de sci fi. E as vozes. Seja em coro ou em solo, são vozes que nunca parecem doces demais ou tolas e piegas. Produzidos por Roy Thomas Baker, o homem que produziu o Queen entre 1973-1977, The Cars é um amor que trago desde 1980. -------- A crítica destaca o album de estreia, The Cars, sucesso nas paradas e símbolo da sua época. Mas eu prefiro o segundo album, Candy O, de 1979, para mim uma obra prima do POP. Em 1980 eles lançaram seu disco de "arte", Panorama, mais uma obra prima perfeita e em 1981 voltaram a vender muito com Shake It Up!----------------- Eu falei new wave? New wave foi o resgate do rock básico do POP feito nos anos 60 com o molho tecnológico dos anos 70. Pense em Kinks tocado com teclados de Brian Eno ou Small Faces com a produção do Kraftwerk. Isso era new wave. Uma festa! Quanto a elegância citada acima, The Cars se preocupava muito com roupas e design, preocupação comum à todas as bandas do movimento. Esse cuidado visual era refletido no som, sempre trilha perfeita para salas de bom gosto e roupas de bom corte. Um amor à beleza que está ausente no rock feito pós 2000. Pena..... ------------- Ouvir The Cars hoje é saudosismo sim. Mas e daí? Se a beleza se tornou coisa demodée, então viva o saudosismo!!! Aliás, que ironia, a new wave nasceu como saudade do rock sem solos longos e cabelos ao vento que dominavam o rock de 1976. New wave queria o fim dos solos de bateria de 15 minutos. Conseguiu. ------------------- Posto dois clips deles que amo muito.
JÕ E O GÊNIO DO HUMOR
Conheço gente que trabalhou com Jô. Dizem que ele era um escroto. Nesse meio todos são. Todos ou quase todos. Dizem que Chico Anysio era boa gente. Não sei. Lembro de Jô desde mais ou menos 1973. É tempo pacas. Ele fazia na época o FAÇA HUMOR NÃO FAÇA GUERRA, com o Renato Corte Real. Renato era um neurótico na vida real. E tentava, já em 1973, fazer humor inteligente. Nas partes dele havia influência explícita de Woody Allen e dos Monty Python. Em 73!!!!! Mas Renato não tinha graça nenhum. Era chato de doer. Aliás eu odeio esse papo de humor inteligente. Monty Python não é nada inteligente, é piada de quem tem 12 anos de idade e bebeu whisky do pai. Woody só tem graça quando faz chanchada. Humor inteligente o que é? Humorista que cita seu escritor favorito? Piada que o motorista do ônibus odeia? Isso não é inteligente, isso é pedantismo. Uma bosta. ------------------------- Jô em 73 fazia o de sempre. humor que se dizia ser inteligente mas que na verdade era apenas bem feito. Seu roteirista, Max Nunes, hiper veterano, era a graça popular, e Jô era a pseudo inteligência. Eu gostava. Gostava aos 11 anos de idade porque eu ria. Daí veio Satiricon e depois O Planeta dos Homens. Até 1980 ele era engraçado porque era despretensioso. Depois começou a querer ser mais "adulto" e ficou um chato de galochas número 45. Perdeu toda a graça e resolveu que queria ser o Johnny Carson do Brasil. -------------- E tome Jô tocando bongô, tome Jô cantando blues, tome Jô dançando...a ego trip não parava. Lançando livros, peça, disco... Jô era onipresente nos anos 80 e 90. Era daqueles caras que faziam um monte de coisas, tudo mais ou menos, nada nota 10. Como apresentador ele foi de longe o melhor do Brasil, mas isso porque a concorrência é ruim de doer. Tem até uma atriz que não sabe falar apresentando. Talk show no Brasil deveria se chamar talk shoe. ----------------------------- No ranking dos humoristas Jô era sempre o segundo colocado. Chico vencia sempre. Eu nunca gostei do Chico Anysio. Ele sempre pareceu triste. Havia um cansaço nele que me dava bode. Os Trapalhões eram circo demais. Então na minha adolescência era Jô meu número dois. Sim, dois, eu amava era o Agildo Ribeiro, muito mais safo, carioca, malandro, ágil. Depois, quando fiquei adulto, descobri que nosso gênio do humor, nosso Rodney Dangerfield se chamava Costinha. Mal aproveitado, Costinha tinha tudo: rosto, expressão corporal, era gênio no stand up, podia fazer desde um bêbado miserável até um milionário mulherengo. Foi o mais engraçado, o mais imitado, o inigualável. Zé Trindade vinha logo depois, e Zé também não foi bem usado. ------------- Mas Jô tinha contatos, era rico desde nascido, estudou na Suiça etc etc etc por isso aceito pelos inteligentinhos. Tinha pedigree. De qualquer modo, foi um tempo mágico para o humor. Cada emissora tinha seu time de humoristas e quase todo dia era dia de humor. Em 2022 o humor foi banido e quando aparece ele é raivoso, maldoso, egocêntrico, antipático. Exibicionismo barato, geralmente vestidos de mulher, e imitando à vontade algum inteligentinho americano. Um lixo absoluto. ------------------ Jô se vai e leva com ele um universo otimista. O mundo ri cada vez menos.
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