CLIVE S. LEWIS E A ESCRITA PARA CRIANÇAS

   Imaginário é algo que foi criado falsamente pela mente humana. Imaginativo é a tentativa da imaginação em responder algo verdadeiro, porém, obscurecido.
   A frase acima é de Lewis e se encontra como um comentário aos seus livros sobre Nárnia. Se nessa obra, por exemplo, os animais falam, há um motivo para isso. Não é um simples desejo de fantasia, que seria válido também, mas sim a busca por uma resposta. Segundo o próprio autor, os animais falam porque NADA nos autoriza a nos sentirmos donos de suas vida e de suas mentes. Eles falam como ato que lhes dá o direito de existir independentes da vontade humana. ( Já que o homem só dá direito àquele que pode falar). Lewis lutou contra as experiências feitas em animais, contra a tortura dos bichos e não é por acaso que um dos mais heróicos dos personagens seja um rato, exatamente o menos valorizado dos bichos. Digamos que Lewis fez conscientemente aquilo que a Disney fez sem querer: aumentou nossa estima aos animais através de sua humanização. Nessa luta, da qual faço parte, esse não é o caminho ideal, mas é o único que funciona. Porque a verdade é que o respeito aos bichos deveria vir do fato de eles serem radicalmente diferentes de nós e não por serem primos. O respeito deveria ser o da Noblesse obligée, a obrigação nobre de proteger os mais fracos.
   Mudemos de assunto.
   Em nosso mundo desconfiado, e por isso profundamente descrente, o autor dito sério sente-se proibido de narrar. É como se todo escritor adulto e talentoso tivesse a obrigação de desconfiar sempre. Desconfiar do entendimento do leitor, desconfiar da comunicação entre autor e leitor, ser blasé em relação sua profissão e mostrar a todos que ele, o criador, tem inseguranças e não sabe se aquilo que escreve pode ser considerado algo de real. A escrita adulta se torna assim sempre claudicante, tateante, escurecida pela dúvida. É como se o autor já partisse da certeza do fracasso. Ele pensa em não se entendido e não poder criar à priori. É a escrita da impotência.
  No mundo da literatura dita infantil ou juvenil, isso não existe. Por estar escrevendo em teoria à mentes mais jovens, o autor se solta e deixa de se preocupar com a realidade. No lugar dessa realidade social ou moral se coloca a verdade da fantasia. O autor se autoriza a criar, criar sem se preocupar em ser verdadeiro ou não, relevante ou não. Assim, a fé na narrativa pode assumir o controle. Pois se o autor comete o maior dos pecados, que seja, crer na força da narração, acreditar ainda no poder embriagador de um livro, isso se dá pelo fato de ele pensar estar escrevendo para gente que ainda está salva do cinismo. Gente pequena. Se o autor é um cinico, o que aqui não é o caso, ele escreve para não cinicos. E assim pode crer naquilo que conta, assumir essa fé e relaxar em seu oficio. Inexiste a necessidade de se ironizar.
  Os livros contam histórias. Boas histórias. Excelentes histórias. E nessas semanas me trouxeram a recordação do porque comecei a ler e do porque me apaixonei por esse ato privado. Por gostar de encontrar outro mundos que são meus mundos. Por adorar crer na verdade e um personagem, seguir sua saga e não ficar todo o tempo pensando no estilo e na originalidade de escrita do autor. Crer naquilo que se lê. Entrar dentro das páginas.
  Tudo isso acontece nesses livros. E assim tive muito prazer em ler. O prazer comum, simples e honesto. Escutei lendo. E li escutando.
   E guardo esse mundo dentro de mim. Passou a fazer parte. E, segundo Lewis, passou a fazer parte porque sempre esteve lá.