A LITERATURA E A MORTE DE DEUS

   Tenho lido a biografia de C.S.Lewis. Tenho um profundo amor por essa turma, esses ingleses que viveram entre 1890/1940, essa época de Eduardo, de George. Lewis tinha uma vida dupla, era um dos mais destacados professores de Oxford, um dos melhores críticos literários e talvez o melhor leitor de seu tempo. E ao mesmo tempo escrevia livros populares, é ele o autor da saga de Nárnia. Não por acaso, um de seus melhores amigos era outro grande professor de Oxford, J.R.R.Tolkien. O que seus contemporâneos não conseguiram entender é algo que nosso tempo, felizmente, consegue compreender um pouquinho melhor ( mas ainda com muita ignorância ), Lewis tentava unir a razão a criatividade, um casamento que foi um dia a regra entre artistas, mas que no mundo moderno havia sido cada vez mais raro. Ele e Tolkien procuravam salvar a literatura da asfixia onde ela se encontrava. Que asfixia era essa?
 Há que se dizer que nos seus primeiros trinta anos de vida foi Lewis um racionalista. Em seu diário ele diz que conseguia deixar cada coisa numa gaveta separada de seu cérebro. E mesmo a experiência na Primeira Guerra, ele esteve nas trincheiras, foi colocada em lugar seguro, longe da parte central de sua vida. 
 Ateu convicto, Lewis começou a perceber, em seus estudos literários, ele logo seria um dos melhores professores de literatura inglesa, que os autores ateus, céticos, os que colocavam todo campo espiritual de lado, tinham sempre uma prosa limitada. Esses escritores não conseguiam criar vida. Seus livros são como teatro de bonecos, os personagens jamais parecem reais, o que esses relatos transmitem é sempre a voz do autor, em total isolamento, lutando para criar vida, e sendo sempre derrotado. Porque isso acontece? Porque a criatividade desses escritores é sempre castrada, truncada, tristemente árida? E porque escritores como Sterne, Dickens, Dostoievski, Tolstoi, Balzac, Stendhal, conseguem criar tanta vida, tantos personagens que falam, agem, vivem como se fossem gente de carne e de osso? Mais que isso, porque esses escritores parecem ter tanto interesse na REALIDADE? Descrevem árvores, cidades, guerras, rostos, bichos e mares como se os conhecessem em profundidade. O que eles, assim como Huxley, Lawrence, Waugh, têm que Wolff ou Dreiser não têm?
 Lewis percebeu então que o que unia os autores criativos era a não negação do mundo espiritual. Para eles a ruptura entre razão e criatividade nunca se deu COMPLETAMENTE. Eles não dissecavam a criatividade, não extirpavam o maravilhoso da razão, em suma, e para seu espanto de ateu, eles jamais mataram Deus. Podiam blasfemar, duvidar, amaldiçoar, mas não ignoravam Deus. Lewis ficou aterrado ao se deparar com isso. Tendo Deus dentro de seu mundo, autores como Dante e Cervantes conseguiam criar como jorro, eram completamente férteis. Criar para eles não era um problema, era um dom divino, uma herança bendita. Com a morte de Deus a criação começa a ser tomada por algo de herança maldita. Ser criativo se torna uma ilusão, uma doença, um problema e deve assim ser analisado, domesticado ou negado. Como a religião, o homem da razão deve ENTENDER a criatividade a luz da razão e nunca com a colaboração da razão. Criação e razão se divorciam. Dois antagonistas. Toda criação deve ter um porque, um motivo, um símbolo. Nessa aridez a criatividade morre, daí a secura mórbida de tantos autores modernos. Fez-se com o ato criativo aquilo que se fez com o Criador. 
  O resto, que tem surpreendentes semelhanças com meu processo espiritual incompleto, deixo para futuro post.