MEUS CAROS AMIGOS ( AMICI MIEI ), EU ME LEMBRO DE NÃO SER UM HOMEM...
Nos anos 70 a Italia flertava bastante com o comunismo puro. Interessante conversar com um rapaz de 20 anos, culto, sobre esse assunto. Para ele, hoje, comunismo é algo vago, uma névoa onde se misturam ecologia, feminismo, liberdade sexual, drogas e consumismo consciente do bem. Digo à ele que em 1975, em Firenze, onde se passa o filme, ser comunista era odiar rock, jamais comer nada que tivesse origem made in USA, querer dar o poder aos operários e ter acessos de raiva ao ver gente bem vestida, limpa, organizada, burguesa. A revolução seria absoluta: patrões presos, pobres tomando as casas dos ricos, fábricas virando cooperativas. Acima de tudo, para ser comunista voce era, coerentemente, materialista. Crer em espíritos, igrejas alternativas, vida pós morte, tudo era encarado como ópio, maneiras de amansar o pobre. Mesmo a arte só era válida se fosse militante, se tivesse uma função social educativa. Weellll....meu amigo fica meio chocado. Coitado. -------------- Conto isso porque este filme, uma obra prima do humor humanista que só os italianos sabem como fazer, exibe esse momento histórico de forma enviesada. Se em 1975 todo italiano moderno era necessariamente comunista, estes cinco adultos estão além do comunismo, eles são anarquistas. É a versão made in Firenze do filme francês de 1973, Corações Loucos, onde Gerard Depardieu, Miou Miou e Patrick Dewaere, este um ator de gênio que tragicamente morreu jovem, nos anos 80, por heroína, mostram, sob a direção de Blier, o que seria o anarquismo na França de então. O estilo francês é agressivo, violento, sexualmente feroz, animalesco; já o italiano se pauta sempre pelo humor e pelo exagero operístico dos sentimentos. São finos, são machos, são bobos e são civilizados, são italianos.... ---------------- A primeira ministra da Italia fez um discurso de posse que é uma das peças mais belas da política e é a melhor em décadas. Grosso modo, já escrevi sobre o tema, ela diz que a Italia precisa voltar a ser italiana. Modo de viver, gostos, religião, arte, comida, tipo de relações humanas, família, ao estilo do país e não da Europa. Pois esse modo europeu é sempre o mesmo, um jeito nórdico de se fazer e de se viver. É preciso salvar a cultura do sul, do Mediterrâneo, latina. Este filme nos faz lembrar de duas coisas: 1. O quanto devemos à cultura italiana. 2. O quanto existe de felicidade em se ter amigos masculinos. ( Machismo? Talvez ). ---------------- 1. A Italia nos civilizou. Nos livrou do barbarismo que às vezes retorna em forma de nazismo, stalinismo, irracionalidade, crenças estúpidas, exagero no culto à natureza, magia negra, ódio à educação, raiva da história ocidental-latina. Na cultura italiana encontramos o nascimento do amor à beleza até o refinamento dos modos, o amor ao flerte à criação da música ocidental. As regras que se aplicam à diplomacia, arquitetura, saneamento básico, guerra, direito, trato com as mulheres, gastronomia, cultivo de vinho, fabricação do pão, senso de vestir, troca de ideias, tudo made in Italia. Italianos falam, discutem, escrevem, cantam, tentam seduzir, tramam, traem, matam, mas tudo dentro de um discurso, de um código, do mundo do Cortesão, do cavalheiro, do gentil homem. ( Por isso o fascismo italiano foi muito menos feroz que o alemão ou russo ). Espada e pena, sangue e flores. Este filme mostra isso? De contrabando, sim. Mas o foco principal é no ponto 2. -------------------------- 2. Eu vivi dois tipos de ambiente em minha vida. O mundo da amizade masculina e o da feminina. Ambos são interessantes, mas para um homem, as grandes lembranças são as das amizades entre homens. ( Minhas grandes lembranças com mulheres são ligadas ao romance, e ao falar isso estou sendo honesto ). Quando, no filme, os amigos dão tapas nos passageiros de trem, eles estão sendo homens, apenas homens, homens que estão longe de mulheres. No ato o único objetivo é rir, mais nada. Não há sentido oculto, nem mensagem cifrada, nada. O tapa acontece porque faz rir e rir é bom. Essa é a capacidade masculina de viver: fazer o que naquele momento e naquela hora faz sentido porque deu vontade de fazer. Cada piada, cada bagunça, cada trapalhada no filme é apenas isso, desejo de rir. Se voce já teve amizades sinceras com homens não castrados voce sabe do que falo. Tóxicos? Sim, pois eles viciam. ---------------------------- Eu tenho alguns amigos, ou ex amigos, que aos 30 anos eram assim. Maravilhosamente bobos. Tudo o que faziam tinha embutido o desejo de rir. Mesmo quando conversávamos sobre Bach ou Nietzsche, o final, a gente sabia, era o riso. Aos 35 anos eles se casaram. E lentamente mudaram. Alguns se fizeram preocupados, vendo o riso como infantilidade irresponsável; outros simplesmente começaram a falar como suas mulheres, os mesmos assuntos, mesmos gostos, mesmas atitudes. O passado não era condenado por eles porque deixou de ser lembrado. Mataram o que foram aos 20. Pois bem, neste filme vemos homens de 50 anos que são casados ou divorciados e que abrem mão de tudo pelos amigos. Visto hoje isso parece coisa de idiota ou algo impossível de acontecer....weeellll....meu avô morreu aos 70 anos exatamente assim. Quando a turma do bar chamava, ele ia. Sem nunca hesitar. Egoísmo? Muito. Mas creia, sentiremos muita falta desse tipo de homem, pois era ele quem garantia um mínimo de paz à comunidade. Com os dele, o que era dele, ninguém se metia. Com os dele nada de ruim acontecia. Ele era a porta contra a maldade dos de fora. Isso acabou. Recentemente fiz amizade com um homem desse tipo, 60 anos, velha moda de ser e fazer. Ele contrabandeia bebida para dentro do trabalho, empresta dinheiro a juros baixos, viaja sem planejar, indo para lugares onde nunca foi, sustenta duas famílias, come até passar mal, e me cumprimenta no estilo: Como vai seu filha da puta! Ele age. E ri. É um egoísta. Mas é responsável pelos seus. ---------------------- Tive amigos assim por toda vida. Não os valorizava porque antes eles eram comuns, fáceis de achar. Hoje são uma raridade. Não é por acaso que mesmo em países como o Canadá ou Irlanda já se percebem sinais de tirania governamental. Não há mais esse tipo de homem para botar o pé sobre a mesa e parar com a merda toda. Os que ainda existem se encolhem com medo de serem rotulados de "tóxicos", "velhos", "brucutus", ou pior que tudo "opressores". Loucura: os que nos salvaram da opressão desde sempre, são agora rotulados como "perigosos". Saibam que, pasmem!!!!, os comunistas de 1975 eram extremamente viris. Cuspiam no chão, tinham amantes e odiavam frescura. Se voce olhar bem irá ver um monte deles na política que agora toma o poder aqui na Latino América. Estão detrás de névoa de feminismo, ecologia, drogas livres..... rindo. ----------------------- Pietro Germi, o mais esquerdista dos diretores, escreveu o roteiro deste filme e ia o dirigir quando morreu. Mario Monicelli, o melhor dos diretores de comédia, pegou o barco andando e fez um grande filme. O elenco é adorável. Todos têm cara de gente de verdade e não personagens de cinema. É tudo crível porque eles são críveis. Cada rua gelada, cada carro enferrujado, a casa inacreditável de Tognazzi, o hospital onde eles se comportam como alunos indisciplinados, tudo é brincadeira e tudo é real. Apenas a Italia conseguia fazer esse tipo de cinema, realista mesmo quando parecia exagerar. Nunca feito por tipos, sempre por gente. Rezo para que Melloni, a ministra, tenha sucesso. ( Há algo mais italiano que uma ministra chamada Melloni? Penso nos italianos em Siena falando dos melloni dela ). --------------------- Seria maravilhoso que uma cultura que começou com A Divina Comédia e o Decameron, nos salvasse mais uma vez.