O HOMEM QUE AMAVA AS MULHERES - FRANÇOIS TRUFFAUT

Fosse feito em 2023, seria este filme de uma chatice exemplar. O personagem central, feito por um perfeito Charles Denner, teria toda sua caça às mulheres feita em uma tela e todo o filme se passaria no seu quarto. Pior e mais provável, haveria uma redutora explicação médica a seu comportamento, ele iria se tratar e se "curar" e caso fosse um filme da Netflix, o conquistador masculino seria um vilão. Vivemos em um mundo muito policiado e por isso muito chato. ------------------------- Este é, na verdade, um dos melhores filmes de Truffaut, e como foi feito nos anos 70, ele evita simplificar. O personagem é um homem que ama as mulheres. É isso e é mais que isso. Ele as persegue na rua, as caça, mas nunca deixa de ser um cavalheiro. Não há o menor sinal de violência. Ele não quer relacionamentos íntimos, ele quer encontros carinhosos e sexuais. Não há tara, estamos longe do mundo dos vídeos pornô. Ele é, assim como era Truffaut, um homem do século XVIII. Um galanteador do mundo de Laclos. Um não romântico, racional e apaixonado. Este é, ao lado dos INCOMPREENDIDOS, o mais auto biográfico dos filmes de Truffaut. ------------------ Inclusive ele intuiu sua morte. Truffaut morreria jovem, em 1984, apenas sete anos após este filme. Caso voce não saiba, ele deveria estar dirigindo filmes até os anos 90. Ele era mais jovem que Godard. Mais jovem que Clint Eastwood. ----------------- Há um enterro onde vão apenas mulheres. Então se conta a história daquele que lá está sendo enterrado. Um homem de 40 anos, que não resiste ás mulheres, que vive para elas, que vê a beleza em cada uma delas, que não tem um tipo preferido, que adora a feminilidade. Quem leu a bio de Truffaut sabe: é ele. O diretor que se apaixonou por todas as atrizes de seus filmes. Que ia quase diariamente ao bordel. Que via nas mulheres mistério e encanto, a razão maior de sua vida. Sim, um homem que sabia a verdade: elas são totalmente diferentes dos homens. Felizmente. ---------------------- Acompanhamos seus encontros, as ruas, as casas delas, a casa dele, e o filme jamais cansa. Quando Truffaut acerta ele é o mais leve dos diretores. E aqui ele acerta. O filme é quase um ballet sem dança. Ophuls está muito presente aqui. O personagem chega a viajar quilômetros apenas para conhecer uma moça que ele viu cruzar a rua. Ele investiga, procura, descobre e encontra. fato: sua vida é um sucesso. -------------------------- Fosse feito em Hollywood, todas as atrizes seriam lindas ( ou pretensamente lindas ), aqui não. Algumas são bonitas, Brigitte Fossey é linda, mas outras são esquisitas, feias até. Isso faz do filme algo real e melhor que tudo, expõe a verdade do homem, ele ama a feminilidade, em toda sua manifestação. ---------------------- Ora, eu trabalho com adolescentes e sei que a maior crise de 2023 é a da masculinidade. Os meninos beijam, transam, como sempre foi, mas há neles uma vergonha, uma tristeza, uma falta de ação que beira o patético. As meninas agem, os meninos aguardam. O personagem de Denner é uma peça de museu. Pior, hoje não pega bem adorar A MULHER. Deve-se adorar o ser humano, fingindo então que mulheres e homens são iguais. Ora....fossem iguais não haveria a atração irresistível. A biologia nos ordena a reprodução. Basicamente é isso. O resto é invenção de nossa mente incansável. ------------------- O personagem não tem filhos. Deveria os ter. ------------------- Eis um belo e simples e grande filme. Procure ver.