O GABINETE DO DOUTOR CALIGARI E O TEMPO QUE PASSA
------------------- Perturbador pensar que em 1979, ano em que vi este filme pela primeira vez, O GABINETE DO DOUTOR CALIGARI tinha "apenas" 57 anos, menos que minha idade hoje. O filme alemão estava para 1979 como 1966 está para 2023. Ou seja, Beatles e Stones nos são tão antigos como Caligari era para 1979. Mas não! Claro que não. O Caligari que vi, na TV Cultura, no quarto com meu irmão, tinha já em 1979 a presença de uma coisa morta. Todos os atores, nascidos no século XIX, pareciam assombrações. Para nós, eu aos 16 anos e meu irmão com 13, o filme pareceu como adentrar numa tumba. O mal estar foi tão grande que nós dois falamos ao mesmo tempo: Muda de canal. Estou me sentindo mal!!!! ------------------ Cenários tortos, aspecto de sujeira, escuridão, o sonâmbulo louco, o mundo como lugar onírico, pesadelo. O filme de Robert Wiene grudou na lembrança como a tradução fílmica da doença mental. Revisto ontem ele me pareceu pálido. Está longe de ser o melhor filme expressionista. Sua fama é maior do que ele mesmo é. Murnau, Lang e Leni fizeram filmes melhores. ---------------- Falo agora: Filmes de Keaton, Chaplin e mesmo Nosferatu ou Fausto não têm esse aspecto de coisa morta. Revisto isso se mantém. Caligari tem a estranha capacidade de nos fazer conscientes de sua época. E eu acho esse um ponto contra o filme. Ele está morto. É morto. E a arte verdadeira nunca morre. Ela pode parecer antiga, velha, assustadora, mas jamais morta. ----------------- Em 1979 o filme pareceu tão remoto não por ter 57 anos, mas por ser o que ele é: em estilo, em imagens, em ação uma coisa anciã, podre, ida ao esquecimento. Coisas que hoje têm 57 anos, coisas de 1966 parecerão tão remotas se forem cadáveres como Caligari é. Citei Beatles e Stones e voce sabe: Revolver e Aftermath podem ser cartas amareladas, mas ainda são e serão cartas que muitos querem ler e reler. Estão palpitando de vida. --------------------------- O tempo é o engima que mais me interessou por toda a vida. Pois a vida é tempo e estar vivo é sofrer sua força. Eu penso no tempo, eu odeio o tempo, eu tento o ignorar, eu o amo, eu procuro estar em outro tempo. Ele é presente e é outro sempre. Caligari é um eco que desaparece assim que escutado. -------------- Leia bem o que eu falei: ele é morto. Ele é podre. Mas ele tem algo que venceu: são imagens malditas típicas de 1890, não de 1922, que assombram. E creia, dois meninos de 16 e 13 anos, vivendo nos multi coloridos anos 70, não estavam preparados pra essa assombração. PS: o melhor filme expressionista é A CARROÇA FANTASMA de Sjostrom.