UM PORTUGUÊS CHAMADO JOÃO E ZORBA, O GREGO
João Casimiro Cristo era um português da região de Bragança. Nascido em 1908, ele, uma vez por mês, montava o burrico e saía pelas estradas de lama vendendo peixe seco. Desaparecia de casa por mais de quinze dias. Na jornada, ele visitava suas namoradas, sentia medo de bruxas, dos lobos e bêbado, deixava o burro andar por instinto em noites escuras como poço fundo. Voltava com algum dinheiro, abraçava a esposa, Helena, e sobrevivia o resto do mês com trabalhos de pedreiro. Um telhado para reformar aqui, uma janela ali. Tinha cinco filhos, quatro meninas e um menino. O rapaz, Mario, iria lutar na guerra de Moçambique e quase morrer lá, uma granada que lhe abriu a barriga. De volta à seu lugar, caiu da moto e ficou paraplégico. As filhas, uma delas minha mãe, emigraram duas para a França e duas para o Brasil. Aqui, em SP, minha mãe foi empregada doméstica de casal alemão. O que fez com que ela odiasse para sempre casais alemães ( mesquinhos ). Surgi de dentro dela. Com o sangue dos Cristos. ----------------------- Zorba, O Grego, de Nikos Kazantzakis caiu absolutamente em ostracismo. Seu heroi, Zorba, hoje seria domesticado pelo escritor e não o contrário. Pois no livro, o camponês grego, machista e impulsivo, salva o escritor de sua vida reprimida. Zorba o faz ver "que toda mulher precisa de um homem, pois todas são umas coitadinhas". ( Essa frase coloca qualquer pessoa nascida pós 1995 em estado de ódio puro ). Quando li esse livro, em 1988, ele salvou minha vida, pois vi logo que eu era o escritor e Zorba era meu avô. Foi o primeiro passo para uma dolorosa reconciliação com meu sangue. Pois eu passara a vida toda até então, eu tinha 26 anos, negando e odiando o passado de minha gente. Zorba fez nascer meu orgulho ancestral, fez com que eu percebesse tantos impulsos que vieram de meu avô ou antes dele. Meu nervosismo, o desejo de andar a esmo por aí, o caráter anti social, e ao mesmo tempo o prazer pelo papo de bar e as mulheres, o ar de brigão, a ansiedade por sair e escapar e até mesmo a intimidade com os bichos. Eu sou ele como sou meu pai, meu outro lado que é aquele que olha e se deita à espera ( meu pai era um pastor ) ----------------- Não indicarei à voce a leitura de Zorba porque é um livro tão distante de 2023 que seria melhor deixar ele preservado, escondido, e esperar um tempo menos policiado para o reabilitar. Se Zorba chama o escritor reprimdio de "empurrador de canetas", hoje somos apertadores de botões. Se as mulheres eram umas coitadinhas, hoje faz de conta que elas não precisam de ninguém. Se o dever de um homem como Zorba, era as agradar, elogiar e levar à cama, hoje o dever é as ignorar. Se Zorba ensinava ao escritor que viver era se jogar ao mundo do impulso puro e tentar ser único, hoje viver é ser solidário e fazer parte de um grupo focado em ser correto. Pois Zorba era a versão grega e iletrada do super homem de Nietzsche e nada hoje é mais fora de moda que ser um super homem ao estilo Nietzsche. O empurrador de canetas venceu. Por enquanto.