PARIS TEXAS - WIM WENDERS

Odisseu volta para casa. Tanto tempo depois que ninguém mais o reconhece. Apenas seu velho cão, que morre ao lhe lamber a mão. A ODISSEIA se fixou em nós. Todo herói desde então é Odisseu.
Em 1956 John Ford fez RASTROS DE ÓDIO. Um homem parte para resgatar uma criança. Volta anos depois. E após cumprir sua missão, parte, só. O filme se tornou mito entre cinéfilos. De Godard à Bertolucci, todos o amam. Em 1976 Scorsese homenageia Rastros de Ódio fazendo TAXI DRIVER. Travis Bickle é o John Wayne de 76. E em 1984 Wenders homenageia Rastros com PARIS TEXAS. Num personagem chamado Travis, que também parte só no final, e que une filho à família antes disso. O filme é devastador. Quem um dia amou e perdeu esse amor e sonhou com esse amor irá morrer ao ver este filme. Mas, como os filmes de Ford e Scorsese, não é um filme sobre amor. Ele é sobre o heroísmo. Em Ford é o herói puro, arquétipo de virilidade. Em Martin Scorsese ele é um homem que já não serve ao mundo. No universo de 1976, o herói está por fora, é um perdedor, não tem função. PARIS TEXAS mostra esse herói completamente alienado de sí-mesmo. O mundo não precisa mais dele como em Ford, o mundo não mais o ignora como em Scorsese, agora é o próprio herói que se perde´dentro de seu interior. Ele se nega.
Porque heróis, todos, morrem. Porque heróis, todos, se não morrem se isolam. Vagam pelo deserto, longe de tudo, enfrentando a maior das provas, a solidão. O herói precisa não existir, e ressurgir, quando preciso for, para iluminar os outros.
Mas ele nunca se ilumina. Ele não é bom. O que ele faz não é pelos outros. Nem por sí-mesmo. Ele faz porque tem de fazer. Para poder morrer.
Este filme é o que espero de todo filme grande. Vida. Um filme que fale da vida. Da verdade da vida. Da dor da vida. Da fragilidade da vida. Mas este é mais. É heróico.
Harry Dean Staton foi um herói ao encarnar este papel. Seu rosto surrado é heróico. Nastassja Kinski é heróica na cena do espelho. Quinze minutos sem um só corte... Ry Cooder fez a trilha sonora dos heróis e Sam Shepard escreveu diálogos que ecoam cowboys, beatnicks e perdidos. E Wenders mergulhou no vazio, no risco, no abismo...
É um filme de verdade, dilacerado, desesperado, e estranhamente bonito.
Digna homenagem ao mais heróico dos diretores ( Ford ). Quem se habilita ?