SILÊNCIO...O MAIS DURO FILME DE MARTIN SCORSESE.

   Cada vez menos gente sabe história, então conto aqui o contexto do filme: No século XVII, com medo do protestantismo, Roma dava força total aos jesuítas. Os jesuítas foram uma criação do século XVI que visava converter almas. Guerreiros de Deus, sua missão era levar a fé para o máximo de pessoas pagãs. Assim, eles se espalharam pelo mundo. Futuramente, o próprio catolicismo os tornaria proscritos. Portugal, país ocidental que primeiro tocou o Japão, tomou para sí a missão de catequizar os japoneses. No fundo dessa questão havia o desejo de provar aos protestantes que a igreja de Roma era a verdadeira. Para os marxistas, que tudo gostam de simplificar, tudo era mera questão de mercado. Mas não era só isso. Na verdade o cristianismo começava a duvidar de si-mesmo. Converter era um modo de reafirmar-se. Mas, e o filme mostra isso também, ao ter contato com outras culturas, o jesuíta entrava em questionamento. E, se forte, saía com uma nova certeza.
  Scorsese consegue mostrar tudo isso. E sem nunca parecer didático. O filme, feito sem orgulho, sem espetáculo, humilde, simples e extremamente triste, é difícil de assistir. As cenas de sofrimento são insuportáveis; as torturas absurdas e revoltantes, a dor se espalha por todo lado. Mas Scorsese é honesto. Ele mostra, exibe, fala, e nunca se exibe. O filme é isento de "arte". É uma obra de fé.
  Generoso, o filme pode ser visto como refutação de Deus. Passamos quase 3 horas com o desespero da dúvida. Deus não fala, tudo é dor e silêncio. Mas há o final...O belo e exato final. O fim do filme tudo clareia. Não o contarei. Que assista quem puder.
  O tema do filme é, percebemos então, a humildade. Todo mal vem do orgulho e da vaidade. E um homem só percebe isso quando é humilhado. Scorsese dá uma esperança a nós, seres vazios do século XXI. Na figura do japonês tolo, aquele que peca sem parar e se confessa após cada erro, vejo a nossa época. Somos todos aquele traidor. Todos tentamos manter o que podemos dos dois mundos: o mundo da alma e o mundo da carne. Não somos de todo maus. Apenas confusos e covardes. Ou, é isso que o filme diz, filhos favoritos.
  Para não revelar o final do filme falarei que Bergman tem um filme chamado O Silêncio. Nesse filme um padre se mata por não poder ouvir Deus. Bergman, que foi um homem de fé que acreditava não a possuir, fez um filme que o trai. Ele não tem final. Fica em suspenso. Já Scorsese repete esse desespero. Mas vai além e lhe dá uma nota final. O americano aceita sua crença ancestral. Bergman, sempre adolescente genial, não pode fazer isso. Bergman, que eu adoro, morreu ainda adolescente. Scorsese atinge a velhice. Reconcilia-se.
  Para mim, sangue luso que passou 40 anos brigado com meu passado, o filme mostra além de tudo, mais um dos brilhantes desastres portugueses. Por insistir em catequizar, os lusos perdem o Japão para a Holanda, que desejam apenas vender e comprar. Portugal, um dos mais complicados dos países, não pode e não quer apenas vender. Ele precisa batizar, salvar, mudar a alma do Japão. E, como o filme mostra, os lusos não percebem que um japonês não é um europeu. Ele vê o mundo de outra forma.
  Essa a grande chave do filme. E é a imagem que fica, que me ficou entre lágrimas. Um japonês não consegue ver o mundo sem o molde budista-taoísta. Para ele Deus é a natureza e as estações. Um tipo de nada anímico. Pois para nós, mesmo nós, materialistas herdeiros do ocidente, tudo sempre é tocado por um Deus único e humanizado, que se sacrifica e morre, e ressuscita e pode falar conosco. Essas imagens conduzem a cultura. Inclusive da ciência. Da história. Dos nossos sentimentos. O renascer é a condição de todo herói. E de cada homem vivo.
  Nós sabemos disso. Tudo nos é familiar. E talvez, Scorsese diz isso, sejamos parte da Verdade. O Silêncio da natureza é a voz de Deus.
  Perto deste filme, falho e chato, lindo e inesquecível, todos os filmes do Oscar são obras de crianças.