UMA NOVA HISTÓRIA DA MÚSICA OCIDENTAL- OTTO MARIA CARPEAUX

De Caepeaux o que se pode dizer ? Foi um emigrante do intelectualmente riquíssimo leste europeu, se tornando no Brasil um dos melhores jornalistas da melhor fase de nosso jornalismo cultural. Publicou uma completa "História da Literatura Mundial" em 3 volumes e este livro recém relido. E que é fascinante !
Ele não tem pudor em se derramar em elogios àquilo que adora. Otto toma partido e se compromete todo o tempo. Fala abertamente daquilo que para ele está morto e daquilo que é eterno enquanto o homem for digno de atenção. Sua cultura é completa. Situa cada mestre em seu momento histórico, dando uma pincelada em sua vida e em seu meio social. Faz aquilo que todo grande crítico deve fazer : nos faz ansiar por escutar aquilo que é descrito. É impossível ler seu texto sobre Haydn sem correr para o escutar.
Carpeaux avisa no inìcio que a obra é sobre a música do ocidente. Portanto não há nada sobre India ou Israel. E que é sobre música viva. Não se fala sobre Grécia ou Roma, e mesmo a música medieval se inicia com o canto gregoriano. Otto nos faz conhecer a música da renascença, o barroco, a época da razão e o excesso do romantismo. Chega ao século vinte, com os modernismos suicidas e a música eletrônica e eletro-acústica.
Bach é chamado de mestre da música pura, a música que não fala de nenhuma imagem ou de nenhuma narrativa. É música abstrata, espiritual. Bach, um homem do tempo em que ser músico não era ser "artista", era antes de tudo, ser um artesão. Compunha-se por um fim e ao se tocar a música ela era descartada. Mozart é o eterno adolescente ? Não. Ele foi antes de tudo um boêmio, um bruxo, um quase inacreditável bem dotado, que compunha com imensa facilidade. E Beethoven, centro de tudo aquilo que conhecemos por música ( inclusive a popular ). É com ele que nasce a consciência da genialidade. O artista compõe o que deseja, expressa o seu ser e se apresenta para quem pagar para o assistir. Beethoven é, com Shakespeare e Michelangelo, o homem que define o máximo a que o ser pode almejar. Dentre seus fãs, gente como Tolstoi, Thomas Mann, Stendhal, Kundera, Huxley, Proust. Quer mais ou está bom ?
Mas Carpeaux não fica só nesses titãs. Haydn recebe a chama de ser o verdadeiro inventor da sinfonia. Monteverde o de ser o inventor do que conhecemos como música. Coloca-se Schumann, Schubert, Wagner, Debussy nas alturas, e se rebaixa Mendelssohn, Vivaldi e Liszt. Ele narra toda a beleza refinada da era clássica, em que os sentimentos deviam ser disfarçados, controlados, refinados. Era de Rameau, Couperin, Scarlatti. E fala de seu oposto, a era romântica, em que tudo deveria ser exposto, sentimentos e vícios, exageros. Tempo de Berlioz, Tchaikovski e Chopin. As breves bios de Liszt ( imenso sucesso, amores às dúzias, ajuda a compositores jovens, conversão a religião, abandono da vida mundana ) e de Schumann ( jornalismo cultural, casamento feliz e final no hospicio ) são maravilhosas ! Como eram intensos esses românticos !!!!
Fica a pena de que não exista nada parecido sobre a música pop. A crítica popular é sempre dogmática : se o escriba adora uma corrente ele ignora o resto. Otto é enciclopédico. Tudo ele ama e em tudo conhece seu defeito.
Mas o melhor é que ele escreve simples e escreve bem. Sua obra é feita de prazer. Escrevendo sobre a mais etérea das artes, ele compõe frases feitas de harmonia, ritmo e melodia. Um mestre.