O ILUMINISMO E A REVOLUÇÃO POR CARPEAUX, AFINAL QUAL É A TUA?

   Um dos mistérios benditos do mundo: Porque o homem não consegue, não pode se acomodar? Uma pessoa tem de ser muito imbecil para gastar toda a vida numa fé estática. Sim, esse é o credo do romantismo, do pré-romantismo ( que nada tem de romantico ) e do iluminismo também. São 3 modos de pensar que se negam, se chocam, mas que, como bem o prova Carpeaux, se complementam. Não haveria um sem a existencia do outro.
  O iluminismo é racional. Portanto ele escreve em regras bem claras e definidas. O texto é limpo, nada de emoção desregrada. O bom gosto manda. É aristocrático, dirigido a nobres. Contradição: Nunca é conservador, é revolucionário, porém se expressa em formas rígidas e antigas. No iluminismo, que é o classicismo, não se pensa em gênio, em inspiração ou em originalidade, se pensa em termos de clareza, elegãncia e saber fazer. Aqui é preciso cultura.
  Tudo muda no universo do pré-romantismo. Surge a ideia do gênio, da súbita inspiração. Para isso não é mais necessário ter um saber, é preciso ser um escolhido, um gênio. A obra deve ser original, emocional, imperfeita, diferente, única. Estranho, são obras esquisitas feitas com fins conservadores. Tudo aqui é passado, criação de mitos, convulsões íntimas, isolamento.
   Otto Maria Carpeaux demonstra, neste que é seu melhor livro da série, todos os fatos históricos que contribuíram para essa mudança. Um ato como o de Richardson, que esnobou o apoio de um mecenas nobre para poder escrever para as massas, mostra essa mudança com clareza. As novas religiões influenciando a formação de países ( a Alemanha luterana, país onde na vida politica tudo é regra e ordem e na vida cultural tudo é liberdade e criação ), a calma e prática Inglaterra, com a religião anglicana ditando um modo de ser em que tudo se arranja sem grandes traumas, e a França calvinista, com a dúvida fazendo parte da própria fé. Sobre todas essas forças inconscientes, a nova burguesia, com seu desprezo a escritores e religiosos, poetas e andarilhos, gente que não produz coisas que se vendem, pior que isso, gente que não os respeita. Desde então ( 1750/ 1800 ) se institui essa briga entre o mundo burguês, materialista, produtivo, trabalhador, e o mundo aristocrático da arte, imaterial, não produtivo, atemporal. Essa briga, que nasce aqui vive até o modernismo ( 1920 ), hoje se percebe que a arte de certo modo capitulou.
   Otto relembra o fato de que até o iluminismo cientistas eram artistas. Galileu ou Bacon eram grandes escritores, e ao se fazer uma máquina de fábrica ou uma usina se pensava em beleza e harmonia.  A máquina tinha enfeites, arabescos, beleza "inutil". É aqui que se dá a separação entre arte e ciência, o homem de ciência pouco se preocupando com a escrita ou com o belo. As fábricas se tornam galpões horrendos, as mãquinas mecanismos monstruosos. O pré-romantismo se ergue contra isso, dái seu passadismo, sua saudade.
   Shakespeare como o conhecemos nasce aqui. Ele é traduzido para todas as linguas e se torna o Gênio, o mito a ser seguido, o homem sem regras, sem freios, sem grande cultura que criou magia a partir do nada, o homem que foi pura inspiração. Um mito claro, mas o romantismo ama os mitos, crê neles e jamais no óbvio. O óbvio não é arte, não é vida e nunca será novo.
   Carpeux desenterra nomes meio esquecidos: Shaftesbury, Galiani, Vauvenargues. Todos grandes otimistas que acreditaram na nobreza do homem, na contínua evolução do mundo, não pela ciência e técnica, mas sim por ações baseadas em bondade e coragem. Esses nomes, melancólicos ativos, tristes otimistas, tiveram uma influência continental em seu tempo, foram centro de debates, mudaram a vida.
   É claro que Otto fala de Rousseau, de Voltaire, Jane Austen, Schiller, Sterne, Fielding, Defoe, Goethe, Vico, Choderlos de Laclos, nomes centrais, conhecidos até este século, reeditados ao infinito. Mas é nos pequenos casos, nos nomes outrora grandes e agora esquecidos que reside a magia deste belo livro.
   E fica uma lição: A arte só voltará a ser protagonista quando ela voltar a ser 100% arte. Quando ela deixar de cortejar a ciência e o trabalho e retornar a sua condição de aristocrata, de vagabunda, de religião sem igreja e principalmente de cultora do belo e do inutil.  Enquanto não renascer essa coragem, que ridiculo, continuaremos a a ver essa arte que cultua o útil, o esforço e o ser como todos são.