AGORA EU FALO DA INGLATERRA PARA NICK HORNBY

   Se no seu ótimo livro Hornby elogia o Brasil, deixa agora eu elogiar a Inglaterra.
   Os brasileiros vão me xingar mas em 1970 a Inglaterra não deveria ter perdido. Ela teve mais chances de gol e um zagueiro brasileiro deveria ter sido expulso. Um empate seria justo e o saldo de gols resolveria a chave e quem teria de pegar a Alemanha nas oitavas. Assim como em 2002, em que num jogo bem pior que o de 70, o Brasil venceu os ingleses na sorte. Mas Nick Hornby sabe que o azar combina com o futebol inglês. Com o verdadeiro futebol inglês, e creia-me, isso ainda existe.
   Eu odeio, abomino o Manchester United e mais ainda o Chelsea. Por um motivo simples: eles transformaram o futebol britânico numa competição entre os donos de clubes. Como diz Hornby, as multidões de 100.000, 130.000 loucos-insanos dos anos 30/70 foram substituidas por 50.000 confortáveis torcedors vip. Mais que isso, o jogo se tornou uma bolsa de apostas onde as contratações são mais noticia que os jogos. Jogadores mimados, técnicos-burocratas, acionistas ávidos por lucro, torcida selecionada. Las Vegas. O futebol que era tipo Small Faces ou The Who, virou George Michael ou Beyoncé. Bonito, clean e frio. Voce investe 100 milhões e leva a taça. Quem gastar 20 não leva nada. Um mercado de ações com público.
   Postei um jogo em Highbury, 1969. O campo absurdamente lotado. Aquela multidão de cabeças brancas em meio a escuridão da arquibancada. Dá pra ver o lugar onde Nick ficava então, aos 13 anos de idade ( ele estava nesse jogo ), o lugar dos "estudantes", junto a bandeira do corner, na altura do chão. Eles viam só os pés dos jogadores, apertados, xingando todo o tempo, com uma sensação de júbilo na cabeça. E aguentavam o grotesco Arsenal, com seu jogo de chutões e correria, de gols tomados por pura estupidez. Um futebol feio, mas profundamente emocionante. Apaixonante. Dionisíaco.
   Em 1976 assisti a meu primeiro jogo inglês ao vivo. Não sei que Tv transmitiu, sei que era um sábado ( aos domingos não se jogava futebol nas ilhas, era o dia sagrado do cricket ), o que sei é que Ray Clemence era o goleiro e o jogo foi em Wembley hiper lotado. Inglaterra e Escócia? Me lembro que o jogo era a antítese do futebol que se jogava no Brasil da época. Aqui o jogo era lento, pensado, armado e malicioso; lá em Londres o que vi era um futebol muito corrido, instintivo, sem qualquer armação e levado na empolgação. Chutes do goleiro ao ataque e chuveirinhos, montes de carrinhos, e uma quantidade absurda de gols perdidos. A bola pingava nas duas áreas, sem dono, livre e solta, e ninguém a colocava pra dentro. A bola era matada no joelho, os passes eram rápidos e sempre "pra correr", o meio campo não existia ( parece que descrevo o futebol do Brasil de hoje ). No rosto de cada jogador, em meio aos cabelos sujos, às costeletas mal feitas e as camisas sem patrocinio, havia determinação, vontade de dar o sangue, luta. E risos ( não era futebol Felipão ). Os jogadores riam muito e Hornby diz que o futebol inglês dos 70 é considerado o auge dos cantos engraçados das torcidas. O Brasil todo detestou aquele jogo. Eu adorei cada chutão.
   Desde então, e para sempre, times como Tottenham, Aston Villa, Newcastle e Ipswich Town ( tem time mais inglês que Ipswich Town? ), se tornaram meus times. E principalmente o Arsenal.
   No futuro eu iria ver o Arsenal se tornar um time francês com tipo de jogo francês e resultados à francesa. Mas ainda era melhor torcer pelo Arsenal que pelo hiper-profissional United ou o artificial Chelsea. Havia uma história tosca naquela camisa. Uma torcida de patinhos feios.
   Acho que é isso que tenho pra dizer. E saiba Hornby, que aqui as coisas caminham igual. O estilo próprio do país também foi pro espaço e desde 1982 caminhamos para a "Milanização" de todos os clubes. Nossa opção não foi pelo Ajax ou pelo Barcelona, foi pelo Milan e Juve. Deveria ter sido pelo Brasil mesmo. Assim como fico triste ao ver que o estilo inglês só se mantém em times mais pobres, o estilo Brasil só existe em uns poucos jogadores e nunca em um clube ( o mais brasileiro dos times, o Flamengo, a anos é uma bagunça indefinida entre um passado de toque e classe e um "futuro" à la Grêmio ).
   É isso.
   PS: Vai Arsenal !!!!