REFILMAGENS

   A coisa tá pobre demais. Refilmagens estão acontecendo a rodo. Nada errado. refilmagens sempre aconteceram e algumas são melhores que a original. O próprio Hitchcock refilmou para melhor um filme seu. Mas... depois de assistir as péssimas reprises de O MENSAGEIRO ( o de Losey é um belíssimo drama com soberbas atuações e uma trilha sonora de gênio ), e de LONGE DESTE INSENSATO MUNDO, ( o de Schlesinger esfria o drama de Thomas Hardy e o transforma num perfeito painel sobre o amor e as relações sociais, o novo é apenas um veículo que tenta dar a uma jovem atriz um grande papel ), assisto agora a heresia suprema: ousaram tocar em BRIDESHEAD REVISITED, obra sagrada da minha geração snob.
  Vou falar por partes. O pior nessas refilmagens é que elas não retrabalham uma história. Esses filmes copiam. Todos eles copiam movimentos de câmera, cenários, movimentação dos atores e pasmem!!!!, até mesmo as expressões faciais! A impressão é que os atores não precisaram ler um roteiro, apenas decoraram um dvd. Em Brideshead isso chega ao cômico.
  BRIDESHEAD é um livro problema de Evelyn Waugh. E Waugh, para quem não sabe, foi um dos mais populares dos escritores ingleses dos anos 40-60. Fazia parte da turma conservadora, a turma que nasce com Eliot e segue com Greene, Chesterton, Lewis, Tolkien, Orwell. Em 1981, seguindo o clima do tempo novo Thatcher, a BBC 2 produz e exibe a série de Waugh em 18 capítulos. No elenco o novato Jeremy Irons, a sagrada Claire Bloom e os dois maiores mitos do teatro inglês do século: John Gielgud e Laurence Olivier. Imediatamente a série virou mania inglesa e uma febre Brideshead se instaurou. A nova geração encontrava seu mundo: Oxford, campos verdes, bissexualismo, amor a tradição aristocrática e requinte no vestir. Até no rock a coisa chegou! Em 1983 David Bowie se veste em toda a excursão Serious Moolight como o Sebastian Flyte de Brideshead e grupos como Style Council, Depeche Mode, Spandau Ballet adotam clima e roupas da série. Bryan Ferry não. Ele vivia em Brideshead desde 1974.
  Tudo isso chegou ao Brasil, em tempos pré TV a cabo e internet, em 1988. A TV Cultura, despretensiosamente comprou a série, não dublou e passou às quintas, 20 horas. Estourou no boca a boca. Logo o povo fashion estava se reunindo para assistir a série em grupo. Com chá e morangos com creme. A Folha deu a notícia. A coisa cresceu e em 1991 houve uma reprise.
  Eu fui pego em 1988. Gravava em VHS e reassistia. N vezes. Para aquele tempo, alguma coisa ali nos seduzia como religião. Era o escape de um mundo feio e pobre. A série tinha Jeremy Irons como Charles Ryder, o estudante de classe média que se deixa seduzir pela família de seu amigo aristocrata, Sebastian Flyte. Flyte, gay, infantil e muito bêbado, seduziu toda a audiência. A frescura suave de Flyte virou mania. Uma frescura feita de paletós listrados, cabelo na testa, ursinho de pelúcia na mão, cardigans pendurados nos ombros e cílios longos. Anthony Andrews teve o papel de sua vida e nunca mais conseguiu se livrar dele.
  Mas havia mais. O pai de Irons, um lunático hiper vitoriano, era feito pelo mito John Gielgud, numa atuação genial, e o pai de Sebastian era Laurence Olivier, em uma de suas últimas atuações. Claire Bloom era a mãe carola de Flyte. E a linda Diana Quick fazia a irmã sedutora de Sebastian. Havia ainda uma trilha sonora absolutamente mágica e imagens estupendas de Oxford e de Veneza. Uma série de TV digna dos maiores filmes da época.
  Dito tudo isso, vejo a refilmagem para o cinema, de 2014. E logo vejo a repetição do vício: as cenas são idênticas! A câmera se coloca no mesmo lugar, os sets são os mesmos, e ridículo supremo: os atores imitam até as expressões faciais dos atores de 1981 !!!!!!!!
  Não devem ter lido um roteiro, apenas assistido o dvd da série original !!!!!!
  Mathew Goode no papel que foi de Jeremy Irons até se sai bem. Boa imitação. Mas o Sebastian Flyte da nova versão é um vexame... Anthony Andrews era uma criança grande, seu homossexualismo era sedutor por ser inocente. Ele tinha trejeitos de fragilidade, de mimo. de aristocrata. A gente nunca sabia se ele era gay de verdade ou apenas brincava de fazer sexo com um amigo. E mesmo assim, as cenas de 1981 eram mais explícitas. Beijocas e cama.
  Aqui Ben Whishaw faz um Sebastian Flyte desmunhecado, uma bicha louca exagerada. Nada há de sedutor nele, é apenas ridículo. Emma Thompson consegue ser pior. O papel da mãe é feito de forma caricata. Uma máscara que nunca se move, fria, desumana, nunca convence. A pior atuação da ótima atriz.
  Waaaallll.....mesmo assim, se você tem menos de 40 anos, aconselho que assista. Para quem não viveu a série em seu tempo, pode ser uma bela experiência. O filme, como o livro, fala de fé e de sua perda. Fala da decadência de uma civilização. Falsidade e desejo. E se eu conseguisse esquecer a série ( e é mágica a maneira como fui lembrando de falas e de cenas inteiras ), poderia ter achado este um muito bom filme.
  PS: Só para comparação. No segundo capítulo se mostra pela primeira vez Oxford. A câmera voa sobre a cidade e vemos depois Charles Ryder chegando com bagagens à seu alojamento. A sensação é de êxtase. Aqui repetem toda cena. Tentam fazer igual. A sensação é de ....Ok, vamos em frente....
  Esse o mistério da arte.