RENDIÇÃO INCONDICIONAL- EVELYN WAUGH, O RIDICULO DA GUERRA ( E DA POLITICA )

   Adoro Waugh. Depois da brilhante geração dos anos 10/20, não há autor em inglês que eu aprecie mais. Tenho imensa admiração por Graham Greene, Saul Bellow, John Cheever, Wodehouse, Updike, Gore Vidal...Mas Evelyn Waugh é meu favorito. Questão de identificação. O modo como ele vê a vida é muito próximo do meu e ele escreve no estilo que eu adoraria ter. Se eu soubesse escrever, claro.
   Dentre os oito livros de Waugh que já li, este, terceira e última parte de sua trilogia sobre a segunda-guerra, é um dos melhores. E de certa forma, ele aqui resume toda sua brilhante carreira.
   Crouchback é um membro de antiga familia nobre. Divorciado, entediado, melancólico, ele entra na guerra como voluntário, de certo modo para ter alguma coisa que o "anime". Lá, ele acaba por conviver com seus velhos conhecidos ( mas não necessariamente amigos ). Uma turma de frequentadores de clubes, pseudo-intelectuais, esquerdistas, nobres alienados e patetas em geral. O que eles fazem na guerra? Basicamente sofrem de tédio. São treinados e transferidos, ganham patentes e são desmobilizados. Não nos esqueçamos, eles fazem parte da elite inglesa. Querem ação, querem honrar o nome nobre e guerreiro de seus antepassados, mas nada têm a fazer. A guerra, cruel e real, é para a plebe, jovem e saudável.
   Acaba por participar de duas batalhas em cinco anos. Uma delas é narrada no livro dois, e neste livro três há uma ridicula batalha farsesca na Iugoslávia. O que mais deixa Crouchback doido é a burocracia absurda, a letargia de gabinetes e sua própria indecisão.
   Waugh cria uma galeria de personagens magníficos. Tipos paranóicos, vaidosos, alienados, suicidas, todos cômicos em suas reações covardes. Não há glória nesta Inglaterra de Waugh. O que há é burrice, abjeta burrice. Evelyn Waugh esteve na guerra, sabe o que fala. Tem uma visão da guerra não-heróica, ele é desencantado.
   E vai mais longe. Já escrevi que dou muita risada com humor visual, livros cômicos são adoráveis mas não me fazem gargalhar. Waugh conseguiu me fazer gargalhar ao fim do livro. Numa patética cena de batalha em que um general aleijado avança sózinho contra os sérvios e é massacrado. A cena é tão absurda e tão tola que é impossível não rir. Rir com amargor.
   Há uma fala ao fim do livro que condensa o que pensa Waugh sobre essa guerra. Uma refugiada judia fala a Crouchback que a guerra não foi culpa só dos nazistas. Que os russos desejaram a guerra para assim invadir a Europa, que os judeus desejaram a guerra para ganhar Israel, e que os ingleses desejaram a guerra para afirmar a si-mesmos suas raízes guerreiras. Esse é o tom filosófico do livro: a guerra não tem apenas um vilão, todos são culpados por ela, todos a desejam sem o confessar. E nada há de inconsciente nisso, vão à guerra alegremente, confiantes e voltam aniquilados.
   Politicamente a guerra foi uma tragédia para a Inglaterra. Waugh culpa Churchill de falta de visão e culpa os comunistas ingleses ( e havia muitos ), de ingenuidade. A Inglaterra alimenta e arma os comunas iugoslavos e depois é expulsa do país de Tito. Oficiais ingleses, idealistas de esquerda, brindam os avanços de Stalin e depois são impedidos de entrar na Polônia e na Hungria.  Crouchback tenta salvar os judeus da Iugoslávia e é tratado como um tolo desocupado. Waugh entende o que é o humor: Nada neste livro é alegre, e tudo é engraçado. Os absurdos se acumulam sem parar, as coisas sempre saem erradas, acidentes sobre acidentes.
   Evelyn Waugh não era um niilista. Ele via uma saída. Viver. Crouchback acaba por se safar. E entende a filosofia de seu pai:  "Julgamentos Quantitativos não se aplicam".  A quantidade não importa. Um ato de bondade redime todo o mal. O que nos surpreende não é a existência do mal, mas sim a sobrevivência da bondade. Crouchback sobrevive por causa desse Bem. E afinal, sem que ele perceba, ele acaba por salvar seus judeus.
   Que delicia de livro!