As letras britânicas nos anos 30,40... Auden, Greene, Lewis, Spender, Huxley, Wodehouse e o grande Waugh. Uma brilhante geração, feita de individualismo mordaz, de dúvidas, de bom gosto, de britanismo. Últimos suspiros de uma civilização que agonizava.
Evelyn Waugh escreveu sátiras ferinas sobre o que seria "ser inglês" nesse mundo em transição. Todos os seis livros que li são maravilhosos, e Brideshead com certeza não é um dos melhores. "Furo!" leva essa honraria. O texto de Waugh em todos esses seus livros é saltitante, vivo, elétrico. Ele cria personagens que voce adora, adora seu ridículo que nada tem de sublime. São pessoas lamentáveis, e frágeis, muito ´vulneráveis. Padecem da ilusão da importância. Se imaginam "Ingleses", mal percebendo que ser um "Inglês" é ser uma farsa.
Brideshead Revisited é o livro problema de Waugh. Não é engraçado. É sério. Chega a ser solene. É meio auto-biográfico, e isso travou a veia mordaz de Evelyn. Mas é um livro de estranho fascínio. Lê-lo é como visitar um album de fotografias vivas. Beber chá com estátuas de cera.
Charles Ryder é um capitão estacionado na Inglaterra durante a segunda-guerra. Seu pelotão se acomoda em palácio de antiga familia nobre, os Flyte. Por coincidência, Charles conhece aquele casarão, mais que isso, ele fora hóspede lá. O livro conta esse passado.
Charles é amigo de Sebastian, o alcoólatra, jovem e dandy herdeiro dos Flyte, e se apaixona pela irmã de Sebastian, Julia. O romance não dará certo, e um dos motivos, talvez o principal, é o catolicismo culposo da familia Flyte. Acompanhar essa história é como visitar a casa de um amor perdido. Melancolia plena.
Muitos perceberam que o amor de Charles por Julia pode ser o amor-gay de Charles por Sebastian. Basta dizer que ele tem prazer em perceber que "Julia é idêntica a Sebastian". Waugh era homossexual, mas esse não é o foco do livro. A questão do tempo, da memória e da religião são muito mais importantes. Evelyn faz retratos maravilhosos dos parentes chatos, dos pais de Julia, dos jantares formais ( um empregado para cada convidado ). O fim do apogeu de um império marcado pelos "bons modos".
Em 1981, a Granada Tv de Londres, produziu uma minissérie em 24 capítulos sobre o livro. Jeremy Irons fez Charles Ryder e no elenco ainda havia Claire Bloom, Laurence Olivier e John Gielgud. Na série, o homossexualismo era enfatizado e a produção se esmerava em bela fotografia e uma trilha sonora de primeira. Por incrível que pareça, o sucesso foi tanto que houve uma "febre Sebastian Flyte" na Inglaterra. Os jovens conservadores, anti-punks, anti-trabalhistas, copiavam as roupas e o corte de cabelo de Sebastian. Bandas de "direita", que eram odiadas pelos punks, tipo Spandau Ballet e Ultravox, faziam parte da onda. David Bowie em seu tempo "Let's Dance" era a imagem-calculada em xerox de Sebastian Flyte. Em 1988 a série chegou ao Brasil via Tv Cultura, e era moda as pessoas se reunirem nas casas uns dos outros e beberem chá com scotch para ver a série. Eu me vesti o ano inteiro de Sebastian Flyte, calça branca, camisa clara, sapatos de duas cores e blusa de lã- fina jogada com displicência sobre os ombros. Mas o principal era a atitude: uma expressão de melancolia divertida, de humor saudosista. Eu pirei com a série.
Bem..não vou comentar a estranheza de uma série de Tv que se torna hit, tendo como tema um casal gay em Oxford e a crise religiosa de uma família esnobe. Hoje esse tema não daria audiência nem como filme de arte. Coisas dos anos 80....
Fiz essa digressão para exemplificar a importância de Evelyn Waugh. A posição central que ele ocupa na vida intelectual do século XX. É um autor que deveria ser muito mais lido aqui nos Brasis. Principalmente porque temos um imenso potencial para a criação de personagens ridículos, sem noção, grotescos. Mas talvez fosse esse um problema, o humor de um Waugh brasileiro teria de ser obrigatoriamente muito mais grosso, explícito, agressivo.
Certamente existem livros mais perfeitos de Waugh, e volto a citar "FURO!" como sua obra-prima. Mas Brideshead tem uma beleza que não se esquece.
Evelyn Waugh escreveu sátiras ferinas sobre o que seria "ser inglês" nesse mundo em transição. Todos os seis livros que li são maravilhosos, e Brideshead com certeza não é um dos melhores. "Furo!" leva essa honraria. O texto de Waugh em todos esses seus livros é saltitante, vivo, elétrico. Ele cria personagens que voce adora, adora seu ridículo que nada tem de sublime. São pessoas lamentáveis, e frágeis, muito ´vulneráveis. Padecem da ilusão da importância. Se imaginam "Ingleses", mal percebendo que ser um "Inglês" é ser uma farsa.
Brideshead Revisited é o livro problema de Waugh. Não é engraçado. É sério. Chega a ser solene. É meio auto-biográfico, e isso travou a veia mordaz de Evelyn. Mas é um livro de estranho fascínio. Lê-lo é como visitar um album de fotografias vivas. Beber chá com estátuas de cera.
Charles Ryder é um capitão estacionado na Inglaterra durante a segunda-guerra. Seu pelotão se acomoda em palácio de antiga familia nobre, os Flyte. Por coincidência, Charles conhece aquele casarão, mais que isso, ele fora hóspede lá. O livro conta esse passado.
Charles é amigo de Sebastian, o alcoólatra, jovem e dandy herdeiro dos Flyte, e se apaixona pela irmã de Sebastian, Julia. O romance não dará certo, e um dos motivos, talvez o principal, é o catolicismo culposo da familia Flyte. Acompanhar essa história é como visitar a casa de um amor perdido. Melancolia plena.
Muitos perceberam que o amor de Charles por Julia pode ser o amor-gay de Charles por Sebastian. Basta dizer que ele tem prazer em perceber que "Julia é idêntica a Sebastian". Waugh era homossexual, mas esse não é o foco do livro. A questão do tempo, da memória e da religião são muito mais importantes. Evelyn faz retratos maravilhosos dos parentes chatos, dos pais de Julia, dos jantares formais ( um empregado para cada convidado ). O fim do apogeu de um império marcado pelos "bons modos".
Em 1981, a Granada Tv de Londres, produziu uma minissérie em 24 capítulos sobre o livro. Jeremy Irons fez Charles Ryder e no elenco ainda havia Claire Bloom, Laurence Olivier e John Gielgud. Na série, o homossexualismo era enfatizado e a produção se esmerava em bela fotografia e uma trilha sonora de primeira. Por incrível que pareça, o sucesso foi tanto que houve uma "febre Sebastian Flyte" na Inglaterra. Os jovens conservadores, anti-punks, anti-trabalhistas, copiavam as roupas e o corte de cabelo de Sebastian. Bandas de "direita", que eram odiadas pelos punks, tipo Spandau Ballet e Ultravox, faziam parte da onda. David Bowie em seu tempo "Let's Dance" era a imagem-calculada em xerox de Sebastian Flyte. Em 1988 a série chegou ao Brasil via Tv Cultura, e era moda as pessoas se reunirem nas casas uns dos outros e beberem chá com scotch para ver a série. Eu me vesti o ano inteiro de Sebastian Flyte, calça branca, camisa clara, sapatos de duas cores e blusa de lã- fina jogada com displicência sobre os ombros. Mas o principal era a atitude: uma expressão de melancolia divertida, de humor saudosista. Eu pirei com a série.
Bem..não vou comentar a estranheza de uma série de Tv que se torna hit, tendo como tema um casal gay em Oxford e a crise religiosa de uma família esnobe. Hoje esse tema não daria audiência nem como filme de arte. Coisas dos anos 80....
Fiz essa digressão para exemplificar a importância de Evelyn Waugh. A posição central que ele ocupa na vida intelectual do século XX. É um autor que deveria ser muito mais lido aqui nos Brasis. Principalmente porque temos um imenso potencial para a criação de personagens ridículos, sem noção, grotescos. Mas talvez fosse esse um problema, o humor de um Waugh brasileiro teria de ser obrigatoriamente muito mais grosso, explícito, agressivo.
Certamente existem livros mais perfeitos de Waugh, e volto a citar "FURO!" como sua obra-prima. Mas Brideshead tem uma beleza que não se esquece.