UMA MULHER É UMA MULHER - GODARD

Quando John Lennon encontrou Yoko ele perdeu toda sua leveza. Quando Godard perdeu Anna Karina tudo de colorido e vivo que ele tinha se foi. O filme "UMA MULHER É UMA MULHER" é um poema de cores fortes, música sinfonica, amor simples, livros e filosofia. O filme é homenagem a Anna, a mulher que é uma mulher, a mais bela das mulheres.
Godard irrita aqueles que vêm um filme para serem iludidos. Em seus filmes você jamais irá acreditar que o que está na tela é real. Marianne é todo o tempo Anna Karina e Emile é Brialy. A emoção nascerá de vermos Anna na tela, de olharmos o que Godard faz em 80 minutos, do que Belmondo é. Esse tipo de cinema existe apenas pelo mundo do cinema. Ele não quer ser mundo real, não quer nos iludir. Você vê um filme.
Marianne é artista de strip-tease ( o filme nada tem de erótico ) e quer ter um filho. Ela tem dois namorados. Briga com um e é amiga do outro. Mas nada disso importa. O que nos fascina é o som do filme. Godard brinca com o som da rua, com a trilha sonora que sempre entra na hora errada. Ele brinca com os diálogos que são artificiais. Tudo o que o anti-Godardiano chama de irritante é exatamente aquilo que o Godardiano ama.
O filme é Anna Karina. Por todo o tempo nós a amamos. Ela faz caretas para a câmera, chora, rí, grita, posa, dança, frita um ovo, canta, dorme, discute, anda pela rua, se veste, beija, brinca. O filme é uma homenagem a amada. O filme é retrato de amor. E o amor é uma mulher. E ela é amada por ser uma mulher. E uma mulher é uma mulher. E Anna é essa mulher.
A alegria do amor descoberto resplandece por todo o filme. Tudo nele é alegria. Mesmo as brigas são felizes. As cores são vibrantes, as citações intelectuais são brincadeiras, as ruas parecem sorrir. Os figurantes flutuam na tela. Raros filmes demonstraram tão nitidamente a sensação do amor que nasce. O filme é absolutamente jovem.
Mas não procure nele a poesia da lágrima ou o envolvimento visceral com a vida de Marianne. Não. O que há é Anna, Jean e Belmondo. O que se vê é um diretor genial em seu auge brincando com o cinema. Uma mulher fascinante em technicolor. A emoção vem da consciencia desse trabalho.
Godard é influência subterrânea no cinema de hoje porque todo bom diretor atual brinca com a tela. Dos Coen a Tarantino, de Woody Allen a Todd Haynes ( as excessões são Clint e Almodovar. Nada têm de Godard ). Todos eles nos mostram um mundo que só existe na tela, todos brincam com diálogos, cores, citações e performances, todos têm a tal "alegria de filmar". Jean Luc ensinou que uma câmera é um brinquedo. ( Lição tomada de Welles ). Godard falou que o único mundo do cinema é o próprio cinema. E nos disse : isto é apenas um filme.
UMA MULHER É UMA MULHER é absolutamente delicioso.