o melhor filme já feito é sobre um rio que passa...

Jean Vigo. Dirigiu L'Atalante. Foi seu segundo filme. Foi seu último filme. Jean Vigo dirigu deitado numa maca. Ele morria de tuberculose. Mas o filme é feliz. É um canto de amor à vida que passa.
Maurice Jaubert fez a música. Faz chorar a música deste filme.
Boris Kaufman fez a fotografia. Depois deste filme ele foi à América. Trabalhou com Kazan e Lumet. A fotografia de L'Atalante é a mais bela possível. Realista e sem artifício. Poética sem falsear a realidade.
Jean Dasté faz o noivo. Dita Parlo é a noiva. Eles se casam e vão viver em um barco fluvial. Não se entendem e se separam.
Michel Simon é um marujo. Michel Simon tem a atuação mais irreal da história do cinema. Não é a melhor ou a maior atuação: é a mais original, portanto, a mais genial.
O filme é um poema. Mas nunca se afasta da vida real. Ele é realista.
E eu penso :
Nunca mais tivemos um recanto como o quarto de Michel Simon no barco : máscaras, instrumentos, ossos, trapos, pó, bonecos e muitos gatos. Onde há uma cena em que ele tenta seduzir a noiva - sutil e abjeta- linda e suja.
Nunca mais tivemos tanta pobreza em um filme e no entanto tanta riqueza visual. São névoas, é o sol, e o rio que passa e as roupas no varal. Navalha e espuma, travesseiros brancos e lençois.
Não mais os beijos. Não mais aquele garoto tonto que vive no barco e quase nada diz mas que Vigo premia com breves closes reveladores.
Quanto amor cabe naquele noivo ciumento ! Quanto amor vive naquela noiva simplória ! E a sensualidade da saudade que enlouquece o noivo na cama !
Não mais aqueles ângulos de câmera que nunca se repetem, mas que não traem nenhum exibicionismo. Gigantescos marinheiros, gigantescos barcos, gigantescos segundos.
O filme flui como pensamento e marca como sonho. Nada parece construído, ele parece natural. É um filme que respira, que cheira, que se pode comer.
Eu bebo L'Atalante.
Eis então o melhor filme já feito. Mas como ? Diz voce...
O melhor por ser tão rico em linguagem como Kane, porém, muito mais poético, muito mais natural, muito mais simpático e vivo.
Não posso afirmar que o prefiro se comparado à Vertigo ou Rashomon. Mas L'Atalante é o melhor por ser mais nobre que Vertigo e mais mágico que Rashomon.
Vigo não tem a genialidade de Kurosawa ou a maestria de Hitchcock. Mas sentimos que ele era melhor.
A tuberculose o levou ao final das filmagens. Tivesse vivido mais, ele teria se tornado o maior diretor da França. Um Fellini francês ( L'Atalante lembra muito os melhores filmes do poeta italiano ).
Nunca mais um diretor morrerá de tuberculose em plena filmagem.
Nunca mais um abraço como o do final do filme.
Nunca mais direi que um filme é o melhor.
Nunca mais um diretor de cinema parecerá com um passarinho ferido.
Nunca mais um filme se deixará ver como uma paisagem que passa.
Nunca mais...nunca mais...
Pois o mundo que criou L'Atalante é morto e enterrado
Mas não esquecido.
Eu prefiro os filmes de Hitchcock- são mais emocionantes e são perfeitos
Eu prefiro os filmes de Kurosawa- são mais sábios e geniais
Bergman é mais inteligente e impressionante
E Ford é mais cinema puro
Mas eu amo aquele barco, aquele casal e aqueles marujos... torço para que sejam felizes e quero acompanhar o barco que vai passando...
Eu amo L'Atalante.