Belo texto sobre o chic.
Beeem... estamos numa das cíclicas épocas de anti-chic.
O chic ( e já aviso que vou repetir muito essa palavra ), nasce como uma reação aristocrática contra o novo-riquismo da burguesia. Na Itália. Em 1550, por aí.
Se o novo rico comprava pratos de ouro, chic era a porcelana mais fina, e se o novo rico comprava a porcelana mais fina, chic era a porcelana mais fina herdada de um avô visconde.
Coisas caras eram compradas. O chic era um dom inato ( como a nobreza o era ).
Num tempo de ciência e de democracia ao extremo, o chic se torna quase impossível. Nenhum cientista pode ser chic e nenhum artefato tecnológico é.
Nada que se populariza pode ser chic, pois ao ser tocado pela plebe ele é desvirtuado, desvirginado, dessecralizado.
Numa livraria um novo rico compra novíssimos blu-rays e um belo e caro livro sobre vinhos ou charutos. O chic acha um livrinho sobre um poeta simbolista que quase ninguém conhece... em francês.
Os anos 80 mataram o conceito e desde os 90 ser chic é ser out.
Na farra cheia de dólares japoneses e yuppismo na bolsa dos 80 todos se tornaram ávidos chics.
Impressiona ver certas imagens da época. Como a elegancia foi hiper exagerada até o brega e como a afetação imperava. Clips hiper-produzidos de Bryan Ferry e Boy George, páginas imitando os realmente chics anos 20 na Tatler e na Town and Country, Bowie com seu cabelo à Oxford anos 30 e filmes metidíssimos e cheios de neon e fumacinhas.
Em Londres até os punks eram chics ( fotos do Clash demonstram como a banda era elegante ) e nas ruas as capas de chuva, as bengalas e as gravatas imperavam. Época de muito gel, de cabelo armado, de maquiagem pesada.
A primeira guerra do golfo marca o fim desse chic caricatural. Os discos de Chet Baker, Sade Adu e Marvin Gaye são escondidos e vêm Public Enemy, Rem e Nirvana.
Mas esquecendo os 80, hoje a coisa se inverteu. São os proletários que ditam tendencias, os novos ricos que as filtram e então a legitimidade é dada pelos esportistas, os nobres deste tempo de competição pura. E tome sandália de dedo, short largo, camiseta e mais camiseta, tênis e boné. Tudo é esporte e faz de conta que é elegante. E o chic ?
Estão refugiados em algum discreto recanto, insistindo em dar valor ao que o novo rico não valoriza. Sentindo nojo dos valores democráticos da ralé e sorrindo com os apetrechos vulgares que o mercado joga na rua dia a dia. Vivendo em condominios vulgares, mas que ao menos têm por nome algo como " Roseiras vermelhas " ou " Vila Clara " e nunca " St. Patrick Towers " ou " New York city buiding "... Vestindo bons tecidos com bom caimento, insistindo em beber conhaque e whisky, ouvindo o que nunca é moda ou vanguarda, mas que sempre é diferente.
Esperando a nova onda chic, quando serão chamados para opinar outra vez. E recordarão dos desfiles de Yamamoto em 1983, de Brideshead na BBC em 1981, de Wimbledon sem propaganda, e de quando se podia viajar sem pressa e com privacidade. Um mundo de exclusividade sem preço e de segredos que ninguém entregava.
Gastava-se dinheiro. Não se comprava. Pois para um chic, o que merece ser adquirido não tem preço.