UM HERÓI DA FILOSOFIA

   A familia de Wittgeinstein era a mais rica da Áustria. Pai industrial. Em casa, eles recebiam Klimt, Mahler, Loos, Rilke. Eram mecenas. Pois bem, o pai temia que sua fortuna se perdesse após sua morte, e apesar de seu amor pela arte, forçava prussianamente os filhos a serem bons homens de negócio. Nunca saberemos o motivo, mas 3 irmãos de Wittgeinstein se mataram. E uma das irmãs foi paciente de Freud. Paul foi pianista, um grande pianista, mas perdeu a mão direita na primeira guerra mundial. Ravel escreveu um concerto, A Mão Esquerda, para esse irmão. E houve Ludwig, o nosso Wittgeinstein. Um herói do pensamento.
   Ele se formou em engenharia para agradar o pai. Depois fez matemática, por prazer. Fez cursos em Manchester, Berlim, Viena. Em Berlim seu ídolo, Frege, indicou Manchester para ele. Lá ele foi aluno de Bertrand Russell. Aprofundou-se na lógica. E passou a usar a lógica para a linguística.
   Ele procurou criar a linguagem lógica, um modo de entender o mundo onde a linguagem fosse sempre válida, clara, objetiva. Isso o levou ao Tractatus. 
   De um lado há a lingua. De outro o mundo. O mundo é o que ocorre. A língua é o espelho do mundo. Logicamente ele foi decompondo o mundo e a lingua. Chegou a menor partícula do mundo e da lingua. E lançou seu aforismo número 7 : Deve-se calar sobre aquilo que a língua não pode falar.
  Para ele, a lingua é científica, empírica, e assim, ela só serve para coisas da ciência.  A linguagem pode explicar o mundo do modo como fazem os cientistas. É como se nossa língua tivesse se desenvolvido para isso e somente para isso. Descrever fatos sólidos, as coisas que podem ser verdadeiras ou falsas, nunca a dualidade. Desse modo, ética, estética, religião, arte e filosofia estão fora da linguagem lógica. Não há na língua um modo lógico de se falar sobre esses assuntos. Isso porque eles não podem ser verificáveis. Dependem sempre da opinião de cada um, de sua história pessoal. Não existe certo ou errado, verdade ou falsidade nesses campos não científicos.
  O que fez Wittgeinstein? Ora, se nossa forma de linguagem não permite a clara escrita ou o claro pensamento sobre ética, arte etc, e se esses eram os campos que ele mais amava, Wittgeinstein resolveu nunca mais escrever. Por honestidade ele se calou. Talvez apenas Pascal e Montaigne foram tão honestos. Wittgeinstein abriu mão de sua herança e foi dar aulas em cidades pobres do interior da Áustria. Para crianças de 7 anos. Ficou seis anos nessa profissão. 
  Nesse tempo seu livro se tornou um sucesso entre intelectuais. O círculo de Viena o colocou como herói da causa. Foram ao encontro desse novo gurú. Afinal, ele dizia que a língua é da ciência!!!! Wittgeinstein logo disse que eles leram tudo errado! Nada entenderam! 
  O contato com as crianças modificou o modo como o filósofo pensava. Ele, após mais de dez anos, voltou a escrever. Refinou suas teses. 
  Wittgeinstein vivia o que filosofava. Tinha uma cabana na Noruega onde ficava isolado para escrever. Andava a pé pela Irlanda. Deu aulas em Cambridge por 3 anos. Foi enfermeiro. Porteiro. Queria a simplicidade absoluta. Uma vida lógica, ética. Cristalina.
  Morreu aos 62 anos, de câncer, em 1951. Sem medo, dizem que suas últimas palavras foram: "Tive a vida que eu quis".