A ESPLÊNDIDA COMPLEXIDADE QUE SÓ A MÚSICA PODE SE PERMITIR

Ando relendo Wittgenstein. Sei que ele amava música, um de seus irmãos foi grande pianista, e que o filósofo se divertia assobiando Schubert. Penso que somente alguém que entenda de música pode compreender Wittgenstein. Quando ele analisa de forma lógica as sentenças que emitimos, e assim descobre sua função e seus limites, é um músico que fala. A música pode expressar tudo. A nossa fala não. ---------------- Escutei ontem, pela primeira vez, o Concerto para Piano número 3, em Dó, de Prokofiev. A pobre linguagem humana não conseguirá nunca descrever essa música. Composta em 1921, durante o tempo em que o compositor viveu nos EUA, ele aqui nos oferta 30 minutos da mais esfuziante, complexa, surpreendente, viva, cristalina, viril, lógica, despudorada, jovem, criativa música. Começando com uma calma enganosa, ela logo alça voo rumo ao cosmos. O piano, como um jato invisível, enfrenta as mais arrojadas dificuldades. O pianista se vê entre cometas de notas, cascatas que ameaçam o jogar num buraco negro, explosões de super novas, infinitas paisagens. É uma obra dificílima de ser executada, um desafio para todo pianista, e aqui, Vladimir Ashkenazy se sai garbosamente bem. Chega a ser inacreditável sua velocidade e controle. -------------- De todas as formas da música, sinfonias, suítes, concertos para violinos, cellos, flauta etc, é o concerto para piano minha forma favorita. Eu adoro a harmonização, o desafio, o diálogo entre orquestra e solista. Este concerto é um dos mais lendários. Me apaixono por ele. Ouço uma segunda vez logo em seguida. A impressão é ainda maior. Há tanta música aqui, são tantos temas, melodias, motivos e andamentos que sua mente se exalta. Voce viaja entre as notas e com as notas. Épico. ----------------- André Previn rege a Orquestra de Londres numa gravação Decca de 1975. Não há como ser melhor.