3 FILMES DE UM CANCELADO

O diretor de cinema mais amado pelo liberal americano, entre 1972-2000, foi, sem a menor dúvida, Woody Allen. Ele era tudo aquilo que o liberal amava ( e era como ele se via ): inteligente, engraçado, chique, neurótico, freudiano, vindo da minoria ( judeu ), amante de arte e ao mesmo tempo adorando coisas POP como jazz e beisebol, anti republicanos, não cooptado pelo sucesso, um cara que era niilista e que ao mesmo tempo parecia amar a vida. Seus filmes eram cheios de professores, feministas, músicos, escritores, gente interessante. Apartamentos com livros em cada canto, discos de vinil, pinturas dos anos 30 e 40, sofás de couro. Esses personagens falavam de Bergman, de Freud, dos irmãos Marx e de sexo, muito sexo. Mas então, a partir de mais ou menos 2005, a coisa desandou. Woody Allen, como aconteceu e acontece com tanta gente, começou a ser cancelado, comido, odiado pelos filhos daqueles que o amavam. Pois os liberais hoje não aceitam nada que saia da raia delimitada por eles mesmos. Se antes eram pró livre expressão, hoje fazem a censura de tudo que lhes ofende. E sensíveis como são, quase tudo que faz parte do mundo real os magoa. -------------- Revi 3 filmes de Woody. O DORMINHOCO eu revejo cada dois anos. E fiquei chocado com sua atualidade. Convido voces a verem o filme. É um futuro onde é proibido discordar, perguntar, ser do contra. Todos são felizes com sexo mecânico e drogas bobas e o governo os vigia pelo bem de todos. Em 1973, ano de produção do filme, Allen devia pensar em um futuro de republicanos assanhados, mas o que salta aos olhos hoje é que aquele povo é idêntico ao povo que colocou Woody no ostracismo. Eles odeiam seu sexismo, no filme, seus modos naturais, seu não alinhamento. São liberais de 2022. -------------------- Ah sim...o filme é muito, muito emgraçado e os rebeldes que lutam contra o governo, homens nas matas, parecem cowboys....isso deve irritar muito um Sean Penn da vida. ------------------- Me decepcionei muito com DESCONSTRUINDO HARRY. Tinha boas lembranças dele, mas visto agora ele pareceu terrivelmente chato. Não tenho mais paciência para aquelas pessoas falando sem parar de seus problemas tão banais. O filme é constrangedoramente metido a intelectual, cheio de truques, esperto sem impressionar. -------------- Mas por fim, A ÚLTIMA NOITE DE BORIS GRUSHENKO. Talvez, quem sabe, o melhor filme do diretor. Devo dizer que a música, a maior das artes, prova aqui sua superioridade sobre as outras artes. Tem Prokofiev o tempo todo na trilha sonora e qualquer imagem fica magnífica com música tão maravilhosa. Mas o filme é ótimo porque Woody brinca com ele mesmo. As falas chatas de DESCONSTRUINDO HARRY aparecem aqui como aquilo que são: óbvias. O filme é a história de Boris, na Russia de 1815, da infância à morte. Há citações abundantes de Dostoievski, Tolstoi, Gogol, do cinema de Eisenstein ( a cena no campo de batalha com seus cortes rápidos e closes simbólicos ). Até Nabokov entra em dois momentos: quando um velho padre diz que a felicidade é uma menina loira de 12 anos; e na cena em que Boris vai pra guerra levando uma rede de caçar borboletas ( Nabokov era maluco por caçar e classificar borboletas ). Diane Keaton está bonita e muito engraçada e o filme tem algumas cenas inesquecíveis. E claro, há o final que homenageia Bergman. E além do mestre sueco, identifiquei citações aos irmãos Marx, várias, e aos filmes do leste europeu dos anos 60. Curto, frenético e profundo sem jamais parecer solene, é uma joia de um diretor que morrerá em cancelamento.