ADA OU ARDOR, UM LIVRO DE VLADIMIR NABOKOV

Nabokov não tem pudor algum em exibir a felicidade. Lançado em 1969, ADA foi recebido como mais um triunfo do então chamado "maior escritor vivo". Mas, desde então, ano a ano, esta obra vem recebendo descrédito. A crítica mais repetida diz que " os personagens não possuem profundidade ". --------------- Erro cada vez mais comum em nosso mundo, pessoas fazem leituras superficiais de obras complexas e se gabam de encontrar complexidades em obras rasas. ADA é uma obra prima sobre o TEMPO, sobre a consciência do tempo e sobre a FELICIDADE. Críticos obtusos reparam apenas na psicologia dos personagens. São incapazes de entender que são símbolos. -------------- Van e Ada são dois irmãos. Que pensavam ser primo e prima. No fim do século XIX, ambos se envolvem num caso de amor. Ela tem 12, ele tem 15 anos. Mais tarde, entre idas e vindas, descobrirão a verdade. No processo, temos contato com uma galeria de pessoas inesquecíveis: Demon, o pai de ambos, Lucette, a irmã mais jovem que se envolve no ménage dos dois, Marina, a mãe atriz, Percy, o rival e um brilhante etc. A prosa de Nabokov não se castra: ele produz beleza sem pudor, descreve riqueza, opulência, felicidade absoluta. O amor dos dois é irrefreável, sem drama, sem culpa e sem psicologismos. O desejo manda. -------------- Não conheço autor que descreva melhor a infância. Metade do livro, longo, se passa entre os 10 e os 15 anos dos dois. ARDIS é o nome da propriedade onde eles vivem sua história. São ricos de um modo ilimitado. Nabokov sabe que metade de uma longa vida, eles chegam aos 90 anos, é ocupada pela memória da infância. Nossa meninice sempre nos parece longa, esticada, cada dia, cada ato sendo uma pequena epopéia sem fim. Neste livro Nabokov consegue recriar esse encanto da infância. ADA e VAN vivem em ARDIS um tempo que dura, que permanece, que se recusa a ser passado. Conforme eles envelhecem os atos e as cenas vão se tornando cada vez mais curtos, breves, abruptos. Mas a felicidade permanece a mesma. ---------------- Van ama o sexo e durante o livro ele tem várias amantes. Ada também tem aventuras sexuais, mas ao final eles se reencontram e morrem unidos. Van escreve livros e os temas são sempre o tempo e o espaço. Há um longo capítulo em que ele discorre sobre esse assunto. Ao final, Van diz que tempo e espaço são irmãos, mas não a mesma coisa. Ada seria o tempo? Van o espaço? ---------------- Importante dizer que o livro se passa na Anti Terra, um tipo de planeta paralelo à Terra. Nesse mundo, aviões existem em 1880, cinema é comum em 1890 e os costumes são bem mais liberais. O povo da Anti Terra sonha em conhecer a Terra, um lugar mítico. Penso que a criação da Anti Terra nesta obra tem duas funções: Primeiro, Nabokov libera o fato de que em nossa memória misturamos o encadeamento do tempo. Quando penso em meus 9 anos de idade, é comum pensar que a TV tinha desenhos coloridos ( não tinha ), ou que tocava Rolling Stones no rádio ( não tocava ). Na Anti Terra ele pode misturar o tempo da memória à vontade. ---------- Segundo e mais importante, Nabokov fala mais uma vez da alegria que existe ao nosso lado todo o tempo, alegria que não conseguimos ver. Nós lemos aqui sobre vidas felizes ( menos Lucette, a trágica ), vidas que mesmo imersas na riqueza material e sexual, sonham com uma Terra melhor, perfeita, mítica, a nossa Terra. Pensando sempre no futuro, que não existe, deixamos de ver o agora, o aqui, e também perdemos a alegria de reviver o passado. Para Nabokov, nada é pior à nossa vida que a ideia de que existe um futuro. ------------------ Com palavras e frases de uma opulência encantadora, com cenas de desejo sem fim, Nabokov nos lembra o tempo todo de que a vida é a construção de uma memória e de que o tempo nada mais é que o prazer de estar de volta ao mundo que vivemos um dia e que vivemos sempre. Nossa Ardis.