FOGO PÁLIDO- VLADIMIR NABOKOV

   Após o imenso sucesso de Lolita, Nabokov lança em 1962 este original, intrigante e muito irritante romance. Um enigma, eu termino sua leitura e ainda não consigo entender do que se trata. Talvez seja uma brincadeira de literato para literatos. Ou um grito de raiva de um exilado. Um tabuleiro de um novo tipo de jogo lógico. Uma barafunda de intenções que deram em nada. 
   Um exilado do reino de Zambla apresenta, na introdução, os poemas de John Shade. Shade é um grande poeta americano que acaba de morrer. O exilado-narrador, conseguiu fazer amizade com o poeta, conseguiu dar um baile nos herdeiros, e agora edita o último poema de Shade, o livro que temos em mãos. Antes de ler o poema, somos convidados a ler todas as notas de rodapé, que vêm numeradas ao fim do livro. Lemos. E começamos a nos incomodar. 
   O narrador se revela vaidoso, um homossexual erudito e um quase maluco. Ou talvez um completo lunático. Cada palavra, cada imagem do poema remete a Zembla. É assim que o exilado o entende e é assim que ele quer que o compreendamos, um poema sobre sua nação e sobre ele mesmo. Ele edita o livro e distorce todo o sentido em seus comentários inflados. As notas são muito mais longas que o poema. E segundo esse editor-zembliano-exilado, contam de forma cifrada a história da revolução em Zambla, a fuga do rei e sua odisséia pessoal. 
  Isso incomoda o leitor porque todo o romance passa a parecer uma grande farsa. Estaremos lendo uma piada? Estaremos lendo uma alucinação? Como levar a sério uma obra que parece ter sido escrita por um Nabokov futil e mal intencionado? E então vem a parte final. O começo renasce no final da saga. Não conto. O livro é fácil de achar. Compre se puder. Mas aviso, é leitura cansativa. Sofisticada ao extremo, um jogo de escritor.
  Nabokov foi complicando cada vez mais sua escrita. Seus textos dos anos 30 e 40 são jóias de estilo, e mesmo assim fáceis de ler. A partir dos anos 60 ele foi se complicando. E é simples entender o porque: Ele se entediou com sua arte. Escrever bem lhe era pouco desafiador. Como aconteceu com Joyce, ele se deu tarefas cada vez mais duras. Marca de um autor grande e de um homem ambicioso.
  Lolita foi seu passaporte. Essa comédia ácida, cruel, certeira foi o sucesso que lhe deu a liberdade para ousar. O filme lhe deu uma casa na Suiça.
  Este livro é o começo de sua livre diversão.