AMADEUS, FILME DE MILOS FORMAN REVISTO HOJE

Biografias...há alguma que faça justiça ao retratado? As melhores são aquelas que disistem de biografar e passam a criar algo novo a partir do biografado. Não sei se deu pra entender, mas é tipo Lawrence da Arábia: já que lendo seu imenso livro, OS SETE PILARES DA SABEDORIA, nada se descobre sobre ele, e T.E.Lawrence permanece inescrutável, então que se faça uma aventura a partir de Lawrence. Lean e Robert Bolt fizeram então um filme que USA Lawrence, mas que não o BIOGRAFA. Peter Shaffer, autor da peça de sucesso e roteirista deste filme, faz o mesmo. Este filme não mostra de verdadeiro sobre Mozart. Mas homenageia o gênio da música. Nada aqui tem relação com sua vida. Salieri nunca foi um vilão, não tramou contra Amadeus e muito menos o matou. Mozart era feliz, tinha tara por traseiros femininos e adorava falar de fezes e gases. Nisso o filme chega perto, mas ele NÃO ERA um boboca com risos de tonto. Realmente Mozart não tinha o comportamento de um gênio, mas isso por um motivo muito simples: ninguém até sua época tinha. O perfil do gênio veio na geração seguinte à dele, com Byron, Goethe e Beethoven. Antes do tempo dos românticos, gênios como Rembrandt, Leonardo ou Bach eram como Mozart: artesãos preocupados com dinheiro. Produziam. Tinham plena conciência de sua superioridade, mas não carregava nas costas a maldição de ser um gênio, essa invenção egocêntrica de romanticos magoados com o mundo real. Mozart fazia música sabendo ser excelente no que fazia. Fora isso, jogava muito, bebia e era doido pelo traseiro de sua mulher. Suas crises com a nobreza eram as mesmas de qualquer um que deles dependesse. Eu amei este filme quando o vi pela primeira vez, nos anos 80. O visual é magnífico. Hoje jamais fariam um filme com tanto luxo e tanto detalhe. Praga faz o papel de Vienna e é fotografada, por Miroslav Ondriceck, de modo sublime. Para completar, o foco do filme é a música, não há melhor, e ainda temos Twyla Tharp coreografando tudo. Perfeição. Como todo mundo na época, eu era um esteta e o filme foi um estouro de bilheteria. Todo mundo ia ver. Filas. Revi mais duas vezes: na TV nos anos 90 e em dvd já neste século. Sempre gostei. Ontem menos, bem menos. Milos Forman, bom diretor, estraga o filme com sua mão pesada. Salieri demais, Deus demais, século XX demais, paralelos com o partido comunista da Tchekolovakia demais. Assisti pensando: chega de Amadeus como rock star! Chega de Salieri como Dracula! Chega dos reis como líderes do PC Tcheco! Onde está o século XVIII? Não está. Nem mesmo nas cenas de ópera que são coreografadas como shows da Broadway. Tudo seria válido se assumisse sua condição de diversão, de homenagem, de pastiche. Mas não. Forman SEMPRE faz filmes com mensagens. E lá vem mais uma cena pseudo séria com Salieri. Por fim, a cereja do carnaval: Mozart dita seu Requiem para Salieri. Ama deu.