MOZART TINHA OS PÉS BEM FIRMES NO CHÃO

Quando voce começa a ouvir música clássica voce tende a cometer muitos erros de julgamento. A vida é assim, aquilo que voce conhece pouco é por voce mal avaliado. Quem nunca foi à praia irá achar um lago o máximo. ------------------ Mozart é o maior, isso em mim não mudou, mas com a experiência o que mudou foi o que sinto ouvindo Mozart. Para minha alegria, vejo que não estou sozinho nessa minha nova opinião. ---------------------- Novatos ouvem Mozart e falam em divino, celestial, espirtual, sobre humano. Sentem isso porque quase nunca ouvem música clássica. A harmonia e a melodia da orquestra lhes recordam o inefável. É apenas isso. Um tipo de nostalgia pela alma perdida. Mas Mozart, ah....Mozart nada tem a ver com esse sentimento. ------------------------ Divino? Não, humano ao extremo. Celestial? Não, incrivelmente agressivo. Espiritual? Não, sexual ao ponto do quase pornográfico. Mozart foi filho do século XVIII e seu tempo amava a vida como ela é, ou como se nos apresenta: carne. -------------- Mozart é reação contra o espírito em música, é anti barroco, e como tal, sua música é simples, jamais floreada. Gastador, ele amava sua caríssima mesa de bilhar, suas cartas para jogo, seus sofás de seda e veludo, suas roupas novas ( esqueça o filme de Milos Forman, Mozart nunca esteve na miséria ). Ele viveu no tempo de Casanova, jogo e sexo, aparências e fofocas. Então tente ouvir sobre esse enfoque: esqueça sofrimento e lágrimas, deixa de lado o céu e os querubins; imagine uma mulher nua, uma cama macia e uma taça de vinho. Não esqueça dos cheiros e dos sabores. Agora então voce começa a entender sua música. --------------------- Ouço dois concertos para flauta de Mozart. K 313 e K 314 ( K é o nome de quem numerou as obras, portanto eles são os tricentésimos décimos quartos feitos em seu trabalho ). O CD que ouço tem o Mozarteum de Salzburgo com o maestro Leopold Hager. O flautista, fenomenal, é Wolfgang Schulz, todos mestres em Mozart. A música, como é seu estilo habitual, se impõe logo, de modo impetuoso. Não há perda de tempo, as armas são apresentadas: eis a melodia, eis a ideia, eis a sedução. O que temos então são 45 minutos da mais prazerosa música. Mozart tem prazer em compor, nos dá prazer como ouvintes, ele é sensual. Sempre. ------------------ A flauta sola. Curvas dignas de um corpo feminino. Este é um homem que realmente amava as mulheres. O segundo movimento do segundo concerto é tão belo, tão sublime que chego a pensar ser Mozart um caso extremo: onde ele esteve ninguém mais irá poder chegar. Mas atente, ele esteve aqui. Mozart tem os pés firmes no chão. Ele jamais se perde, jamais erra, não deixa o controle escapar. Sabe o que faz. Não se exalta e não entra em transe: ri. E goza. Todo o tempo. -------------- Civilidade. Mozart nos dá aulas de civilidade. Mas não aquela dos eunucos ou dos hipócritas, é a civilidade que não nega o desejo, o cheiro, a ambição e a luxúria. Sua música é feita para se amar, comer, sorver, chupar, morder, alimentar. Rosada como um seio, sedutora e sem noção como uma bunda, naturalmente profana, e ao mesmo tempo, que coisa!, perfeitamente trabalhada. Sem erros e sem rigidez. Ela, mais que tudo, é retrato abrangente de toda uma época. Ouça.