Diz a lenda que Howard Hawks não move a câmera. Que ele monta a cena e pede sempre que o cinegrafista grave sem se mover. Há também outra lenda que fala que Hawks nunca pensava em fazer dois filmes parecidos ( isso até 1959 ). A segunda é fato, mas a primeira é desmentida por Red River. Feito em 1947, ele tem dois movimentos de câmera que ainda hoje, época da steady cam, são raros: um giro de 360 graus, onde todo o set e todo o grupo de atores é mostrado; e uma travessia de rio, onde vemos a ação de dentro de uma carroça. São dois momentos "não hawksianos" em um filme, brilhante e majestoso, onde toda a filosofia é 100% Hawks. Thanks God.
John Wayne abandona uma caravana para se estabelecer no Texas. Há um salto de 12 anos, e agora, dono de um rebanho imenso, ele tem de levar o gado até St. Louis, 1.600 km de distância. No caminho ele começa a ficar muito agressivo, e seu pupilo, Montgomery Clift, entra em atrito com ele. Mais não conto, embora vontade não falte.
A maioria dos leigos acha que "o novo modo de atuar" nasceu com Brando ou Dean. Na verdade nasceu com Montgomery Clift, aqui. Observe como ele nunca atua como Wayne. Assim como Marlon faria, ele emite as falas enquanto enrola um cigarro, brinca com o chapéu, pega algo do chão. Sua voz está sempre um tom abaixo, ele se esforça para não parecer atuar. Caso voce não saiba, Monty ainda tem um fã clube imenso, era amado por Brando e Dean, e teve sua carreira destruída pelo álcool e seus conflitos sexuais. Trabalhou com todos os grandes: Hitchcock, Kazan, George Stevens, John Huston, Zinneman, William Wyler, George Cukor. Em sua época, apenas John Ford e Billy Wilder nunca o usaram. Uma carreira de apenas 15 anos. Em 1963 ele já estaria destruído.
Estranhamos no começo sua presença. Monty era pequeno, delicado, suave demais para um western. Parece que Hawks errou na escolha. Mas aos poucos percebemos o acerto. Nenhum ator da época era mais anti John Wayne que Clift. Inclusive no modo de atuar. O filme pedia por essa oposição. Hawks acertou no alvo. Wayne é pura força, virilidade, expansão, raiva explosiva; Monty é educado, completamente educado. Observa o modo como ele atira. A arma em sua mão é quase como uma raquete de tênis ou melhor, um florete. A mesma arma na mão de Wayne é um canhão.
Dizem que John Ford tinha inveja de Hawks. Por causa deste filme, o único western que não era de Ford que Ford queria ter feito. Mais ainda: Ford dizia que John Wayne aprendera a atuar com Hawks e não com ele. Há fontes que dizem que ao assistir Red River, Ford comentou: " O filha da puta sabr atuar! ". Rastros de Ódio só existe porque Red River existiu antes.
Muita gente diz, e eu mesmo já falei isso, que os filmes de Hawks passam a sensação de que apenas se conversa, de que não há ação física de fato. Por isso Tarantino sempre o cita como diretor apreciado. Mas em RED RIVER a verdade fica mais evidente: A ação acontece, há muito movimento sim, mas os personagens são tão bem desenvolvidos e os diálogos são tão bons, que temos a sensação de que a ação não é tão importante. O que mais lembramos são dos tipos, dos caracteres, dos homens lá envolvidos. O filme tem estouro de boiada, ataque de índios, duelos, surras, correrias, travessias. Mas o que fica é Wayne esbravejando, Walter Brennan comentando a ação, Monty sendo diplomático com a troupe, e todo o resto, cada um com sua alma muito bem definida.
Há bom humor em todo o filme. Hawks amava viver e ele é incapaz de ser pessimista. O filme não passa nem perto de ser uma comédia, porém ele crê no homem, faz fé em amizades, entende que o bem sempre dá um jeito de retornar. O final do filme não poderia ser melhor. Sorrimos com ele.
Termino falando do feminismo real de Hawks. Até em seus westerns Hawks enfia uma mulher na história. E elas são sempre fortes, independentes, bocudas, e resolvem as bobagens onde os homens se perdem. Nenhum diretor explicita melhor o poder de civilizar que a mulher tem.
Outro fato é a diferença entre os westerns de Ford e Hawks. Ford parece ter estado lá. Hawks é urbano, um gentleman. Ford é portanto muito mais crente, duro, machista, poético, ele crê no que filma. Para Ford um western é a vida real. Hawks é o contrário. Ele é sempre irônico, leve, democrático, nunca poético, evita o aspecto de saga naquilo que filma. Para ele, um western é um espelho da vida.
RED RIVER é um filme imenso.
John Wayne abandona uma caravana para se estabelecer no Texas. Há um salto de 12 anos, e agora, dono de um rebanho imenso, ele tem de levar o gado até St. Louis, 1.600 km de distância. No caminho ele começa a ficar muito agressivo, e seu pupilo, Montgomery Clift, entra em atrito com ele. Mais não conto, embora vontade não falte.
A maioria dos leigos acha que "o novo modo de atuar" nasceu com Brando ou Dean. Na verdade nasceu com Montgomery Clift, aqui. Observe como ele nunca atua como Wayne. Assim como Marlon faria, ele emite as falas enquanto enrola um cigarro, brinca com o chapéu, pega algo do chão. Sua voz está sempre um tom abaixo, ele se esforça para não parecer atuar. Caso voce não saiba, Monty ainda tem um fã clube imenso, era amado por Brando e Dean, e teve sua carreira destruída pelo álcool e seus conflitos sexuais. Trabalhou com todos os grandes: Hitchcock, Kazan, George Stevens, John Huston, Zinneman, William Wyler, George Cukor. Em sua época, apenas John Ford e Billy Wilder nunca o usaram. Uma carreira de apenas 15 anos. Em 1963 ele já estaria destruído.
Estranhamos no começo sua presença. Monty era pequeno, delicado, suave demais para um western. Parece que Hawks errou na escolha. Mas aos poucos percebemos o acerto. Nenhum ator da época era mais anti John Wayne que Clift. Inclusive no modo de atuar. O filme pedia por essa oposição. Hawks acertou no alvo. Wayne é pura força, virilidade, expansão, raiva explosiva; Monty é educado, completamente educado. Observa o modo como ele atira. A arma em sua mão é quase como uma raquete de tênis ou melhor, um florete. A mesma arma na mão de Wayne é um canhão.
Dizem que John Ford tinha inveja de Hawks. Por causa deste filme, o único western que não era de Ford que Ford queria ter feito. Mais ainda: Ford dizia que John Wayne aprendera a atuar com Hawks e não com ele. Há fontes que dizem que ao assistir Red River, Ford comentou: " O filha da puta sabr atuar! ". Rastros de Ódio só existe porque Red River existiu antes.
Muita gente diz, e eu mesmo já falei isso, que os filmes de Hawks passam a sensação de que apenas se conversa, de que não há ação física de fato. Por isso Tarantino sempre o cita como diretor apreciado. Mas em RED RIVER a verdade fica mais evidente: A ação acontece, há muito movimento sim, mas os personagens são tão bem desenvolvidos e os diálogos são tão bons, que temos a sensação de que a ação não é tão importante. O que mais lembramos são dos tipos, dos caracteres, dos homens lá envolvidos. O filme tem estouro de boiada, ataque de índios, duelos, surras, correrias, travessias. Mas o que fica é Wayne esbravejando, Walter Brennan comentando a ação, Monty sendo diplomático com a troupe, e todo o resto, cada um com sua alma muito bem definida.
Há bom humor em todo o filme. Hawks amava viver e ele é incapaz de ser pessimista. O filme não passa nem perto de ser uma comédia, porém ele crê no homem, faz fé em amizades, entende que o bem sempre dá um jeito de retornar. O final do filme não poderia ser melhor. Sorrimos com ele.
Termino falando do feminismo real de Hawks. Até em seus westerns Hawks enfia uma mulher na história. E elas são sempre fortes, independentes, bocudas, e resolvem as bobagens onde os homens se perdem. Nenhum diretor explicita melhor o poder de civilizar que a mulher tem.
Outro fato é a diferença entre os westerns de Ford e Hawks. Ford parece ter estado lá. Hawks é urbano, um gentleman. Ford é portanto muito mais crente, duro, machista, poético, ele crê no que filma. Para Ford um western é a vida real. Hawks é o contrário. Ele é sempre irônico, leve, democrático, nunca poético, evita o aspecto de saga naquilo que filma. Para ele, um western é um espelho da vida.
RED RIVER é um filme imenso.