DJANGO LIVRE

   Os letreiros são de western-spaguetti e a trilha sonora usa temas de Bacalov e de Morricone, dois gênios das trilhas sonoras ( vi recentemente um documentário na tv Cultura, com a participação de Dave Holmes e da dupla Air, sobre trilhas sonoras. Eles diziam que as melhores trilhas foram feitas entre 65 e 75: John Barry, Henry Mancini, Lalo Schiffrin, Quincy Jones, John Willians, Michel Legrand, Nino Rota, Georges Delerue e Bacalov-Morricone ). Django é nome de um filme da época, um western-spaguetti com Franco Nero. Não se iluda, do Django original só ficou a trilha sonora e uma participação de Nero como um italiano que perde de Di Caprio no Mandingo.
   A unanimidade americana em torno deste filme é merecida, é um filme maravilhoso, mas ela expõe uma crise. Filmes como este, em 1965 ou em 1973, eram feitos de forma sucessiva. O que reafirma minha tese de que Dirty Dozen ou The Great Escape seriam hoje filmes de Oscar. Os amantes de cinema sentem saudades de grandes filmes divertidos, de filmes que misturam arte e Pop, que são inteligentemente entertainment. Fazer filmes de arte sobre o nada se tornou banal, fazer diversão soberba é cada vez mais raro. E a carreira de Quentin mostra isso, ele sabe filmar e sabe narrar.
  Entre os cinco filmes favoritos de Tarantino, pelo menos dois são obras-primas do diálogo: Onde Começa o Inferno de Hawks e Jejum de Amor, também de Howard Hawks. Outro fato mostrado em Django: Tarantino mantém viva a arte do diálogo. O filme tem cenas longuíssimas de diálogo. A amizade entre o alemão e Django é como a de Wayne e Dean Martin em Hawks, toda feita em longos e calmos diálogos. Como em Hawks, temos um mestre e um discípulo em bela interação.
  Alguns podem se incomodar pelo mundo que Tarantino mostra. O mundo dele é o mundo Pop. Nenhum filme dele mostra aquilo que se chama "mundo real". Bem, eu gostaria de perguntar: alguém mostra o mundo real? Dou exemplo. O mundo de Cosmópolis é real? Nunca vi ou vivi naquele mundo. O mundo dos filmes de Wes Anderson é real? O que é o mundo real? Todo filme não é a visão particular de um homem, ou de uma equipe, sobre um mundo que ele imagina? O mundo real de Tarantino, e de seus fãs, é o cinema. Como acontece com Hitchcock, ele cria um mundo baseado em suas paixões internas. E essas paixões são Pop. Para quem é fã, como eu sou, é o mundo onde vivo e onde me formei. O mundo colorido da cultura popular de consumo.
   O filme tem duas falhas, duas grandes falhas que quase o destroem. Uma é sua metragem. Ele termina e vai adiante mais meia-hora que são esquisitas. Parece que Quentin perde o tesão no final. Isso acontece por causa da segunda falha: o elenco.
   Christoph Waltz está magnifico! A criação dele é uma das coisas mais geniais que já vi. É um personagem que ficará na história. Day-Lewis levará o Oscar, mas Waltz está melhor, bem melhor. E temos Di Caprio, compondo um tipo dúbio, feito de sutilezas, de movimentos de sobrancelha, de gestos das mãos. E então, essas duas atuações desequilibram o filme. O herói, Django-Jamie Foxx, não está a altura dos dois. Quando Waltz morre o filme acaba.
   Mas é um grande filme, cheio de cenas memoráveis. Momentos como aquele da KKK, com um Don Johnson hilário, são jóias de diálogo, de criação de tipos e de filmagem. Tarantino não erra uma tomada. Repare como não ficamos reparando nos ângulos de câmera, nas bossas da direção. Esse é o estilo Hawks, a direção que conta a história sem jamais chamar a atenção sobre si-mesma ( estilo esse cada vez mais raro no cinema ). Nos ligamos na história, não na "obra".
   Por fim...o filme é um western, mas é um western-spaguetti. Tem o descompromisso com a veracidade, tem a violência estilizada e falsa, tem o humor dos westerns made in Italy.
   PS: Quentin Tarantino já falou de gangsters, de lutadores de kung fu, de mercenários da segunda-guerra, de vampiros...Ele está pronto para fazer um filme sobre suas raízes made in Italy. Mal posso esperar pra ver.