20TH CENTURY, A PRIMEIRA SCREWBALL COMEDY DA HISTÓRIA

   Feito em 1932, por Howard Hawks em apenas 3 semanas, este filme, 20th Century, continua brilhando como se feito a apenas 3 dias. É incrível como este roteiro, de gênio, não envelheceu um só dia, e mais impressionante ainda é a direção de Hawks e dois atores que merecem o nome de gênios.
   O filme é simples, muito simples. Ele trata de um casal. Um produtor de teatro hiper vaidoso e histérico e sua ex namorada, uma atriz sem talento que ele lançou ao estrelato. Rompidos, ela se torna estrela de cinema, e ele um falido. Ambos se encontram em um trem, o 20th Century e gritam um com o outro sem parar. Não espere amor romântico aqui. Eles interpretam o tempo todo. A vida real é para eles um palco, tudo que eles sentem e falam é exagerado, canastrão, fake. Hawks dirige do seu modo invisível, ele nunca tenta chamar atenção sobre si mesmo, o filme existe em função do roteiro e dos atores. Hawks é o oposto de Hitchcock, nada de truques, nada de surpresas, nada de grife.
  Assisto mais uma vez, e novamente sinto a euforia alegre que o filme emana. Mais ainda, há algo de profundamente inteligente em cada cena. Não a inteligência arrogante e insegura do teen, mas a tranquila inteligência confiante do profissional. Todas as falas não tentam ser engraçadinhas, elas são cômicas por serem histéricas. Não há um só ângulo de câmera ousado, esquecemos que isto é um filme, o vemos como uma história sendo contada. Nasce aqui a screwball comedy, típica comédia dos anos 30, que no brasil é chamada de comédia maluca, um erro de tradução ridículo.
  A screwball comedy é alegre. E é amalucada, não louca. Loucos são os Irmãos Marx e eles não fazem parte do gênero. Louco é W.C. Fields, e ele também não é do estilo screwball. Esse amalucado é aquele da menina emancipada que entra num escritório a 300 km por hora falando vinte frases em dois segundos. Primeira característica: É um estilo feminista. Não existe sem uma mulher forte, inteligente e ousada. Segunda característica: Todo filme se passa em um mundo claro, leve, sem pobreza explícita. Jejum de Amor, talvez o melhor do estilo, até fala de pobres, mas a pobreza não é filmada. São filmes para pessoas em crise sentirem alívio. Esse o objetivo. Terceiro fato: Não há casais casados. São ex casados, ex noivos, ex namorados ou desconhecidos. O centro é sempre o amor, mas é um amor irresponsável, solto, sem mel, sem melodrama, sem futuro.
  Podemos dizer que a comédia dos anos 40 passa a ser uma comédia de família, de casal, e nos anos 50 ela se torna farsa, troca de papeis, confusão de valores estabelecidos. Voce sabe que nos anos 80 ela é a comédia de escola, de universidade, de grupo social que se anarquiza, e nos anos 90 se torna a comédia dos imbecis, dos idiotas de bom coração, dos bebês adultos.
  20th Century é a primeira comédia à anos 30. E mais ainda, é a comédia que provou que o gênero não dependia mais daquilo que se usava no cinema mudo: o atletismo dos atores, quedas, tombos e murros.
  John Barrymore faz o produtor. Se voce já viu um dia, aqui no Brasil, Paulo Autran, Ney Latorraca, fazendo um tipo egocêntrico, voce agora sabe de onde eles pegaram cada expressão facial e cada trejeito de corpo. O que Barrymore faz é simplesmente uma das duas ou três maiores atuações em comédia da história. Não há como não se apaixonar por ele. Possesso, ele vive aquele ego imenso, maníaco, louco, feroz, melodramático e canastrão. Que tal conhecer ele mais um pouco?
  John Barrymore é descendente de uma família de atores que remonta ao século XIX. Irmão de Lionel Barrymore e Ethel Barrymore, todos lendas no teatro, dos 3 ele foi o mais famoso e o único que não ganhou seu Oscar. No cinema mudo John Barrymore foi super star ao nível Douglas Fairbanks e Valentino. Atuava em capa e espada e em dram como Jeckyl and Hyde. Passou ao cinema sonoro sem problema. No teatro era considerado o único americano digno de atuar em Hamlet ( opinião dos ingleses ). Dominou a Broadway, entrou em Hollywood como rei e mito. Entre 1932-1935 ele tem várias atuações fantásticas em filmes. Mas...havia a bebida. Morre alcoólatra e ao fim da carreira passa a fazer papeis indignos do seu gênio. Se voce quer o conhecer, é este o filme.
  Carole Lombard faz a atriz. E nada pode ser mais elogiável que o fato dela enfrentar Barrymore sem ser engolida. Lombard foi casada com William Powell e depois com Clark Gable. Morreu num desastre de avião em 1942. Era a atriz de comédias número um do mundo. Gable jamais a esqueceu.
  O filme, como toda boa história, completa um círculo perfeito. Ele termina onde começa. Eu adoraria que filmes como este voltassem á moda. Mas isso é impossível pelo fato de que não há mais quem tenha o gosto de os ver. Graças aos deuses estão vivos em fitas, dvds, blu rays ou memórias digitais.
  Como dizia Paulo Francis, enquanto houver inteligência no planeta, ele resistirá.