AMORES PERROS - ALEJANDRO GONZÁLEZ IÑARRITU

Concordo com Houllebecq. O mundo não está em decadência, ele já decaiu. Ontem, vendo as nevascas em NY, me veio um insight : tudo nos prepara para o fim. Abandonaremos o mundo e viveremos em buracos. Toda a nossa tecnologia nos prepara para essa vida em buracos isolados. E no futuro eles dirão : "Pobres humanos de 2010! Sabia que eles viviam ao ar livre ? Imagine que inferno ! Eles tinham contato com o sol e a chuva !"
O homem só pode viver sem nenhum tipo de repressão se for nobre como tigre na selva. Se tiver seu espaço de ação preservado e usufruir da liberdade de ser essa fera. Tendo de viver como homens em sociedade, sem politica, arte ou igreja, é o absoluto vazio. Kaos.
A vida real é esta. Não me venha com frescuras. Mundo sem a figura do pai. Irmão mata irmão, a mãe é apenas um objeto lamuriento. E a fantasia de que um tesão vulgar é o tal do amor.
E a violência vem. O grande tema destes dias não é o facebook. Ele é apenas para aqueles que já desistiram e vivem no buraco. O tema é o sangue.
Mas existe o cão.
Alguém percebeu ? Fazemos do cão aquilo que desejamos sem saber que ele nos paga pelo que desejamos.
Se voce o treina para a violencia, ela virá em paga. E se voce o fragiliza como um fru fru ele será vítima de um buraco absurdo. ( A prisão da não-reação ).
O cão é sua alma baby...
O filme, o filme que abriu Hollywood para os latinos, o verdadeiro grande filme latino- americano dos anos 2000 ( é mais verdadeiro que Cidade de Deus ) é devastador. Chega perto do insuportável, mas o que o redime é que ele jamais nega sua raiz. É do México de Octavio Paz, terra que cometeu o maior genocidio da história e que convive com isso até hoje. Terra onde não há paz.
Tal qual os filmes de Paul Thomas Anderson, há aqui um cristianismo sem igreja, um cristianismo puro. Os dois percebem a vida como purgação, como via crucis, sofrimento que só tem sentido se for aprendizado. Alejandro nos faz desejar a chuva de sapos que nos redima. Ela vem de outro modo.
Vem na figura do tigre que criou seu espaço. Naquele que se afastou do kaos criando seu reino particular. Do único personagem que observa, pensa, está à parte de tudo.
E do único que sabe lidar com seu cão ( que são vários e vivem livres para cachorrar ).
Esse tipo de anjo vingador coloca irmão de frente a irmão. Lida com a podridão sem perder sua integridade ( mesmo sendo um assassino ), ainda tem o amor ( amor a filha e aos cães ) como norte.
Na cena final, tendo reencontrado sua alma verdadeira ( na figura do cão que assassina cães, um sobrevivente como ele é ), como John Wayne em Rastros de Òdio, ele parte rumo a vastidão. O único possível herói é ainda Perceval e também um cowboy.
Demorei dez anos para ter a coragem de ver este filme. Temia as cenas de crueldade com os cães ( não há ). Vendo-o agora, sob a perspectiva da década que felizmente termina, constato que ele é central, poderoso, influente e muito corajoso. Alfonso Arau é um diretor mexicano melhor. Mas ninguém pode negar que este é um imorredouro clássico. Clássico que tem dúzias de cenas grandiosas, que não teme a patetice do amor "feio" entre garota idiota e garoto imbecilizado, filme que tem atuações de magnitude infinita ( a cena da dor com a descoberta do massacre dos cães é de antologia ). Que exibe mundo abandonado, vazio, onde a violência é futil.
Perturbador.