THE RIVER, O GRANDE FILME DE JEAN RENOIR

Um dos maiores desserviços que a crítica presta ao cinema é quando indica, para os novos fãs do veículo, os filmes históricos que eles devem assistir. Eu fico triste quando vejo aquele garoto de 20 anos, que nunca viu nada feito antes de 1990, sendo confrontado com chatices do tipo Pasolini, Rosselini, Godard ou Rivette. O moleque vê esses filmes e toma uma conclusão: Filmes velhos são mal feitos, chatos, não valem nada. Assim se perde um cinéfilo. Infelizmente ele deixa de conhecer o que realmente vale muito: Melville, Becker, Clair, Carné, Clouzot,Ophuls, Monicelli, Zurlini. --------------- Jean Renoir é um desses diretores que os críticos, e principalmente os colegas diretores, colocam lá no alto. Várias vezes é chamado de maior diretor da história. Por seu humanismo, pioneirismo, inconformismo e outros mismos. Auguste Renoir, pai de Jean, foi o pintor mais feliz da história. Auguste não tem uma só pintura triste. Ele exala amor à vida, erotismo, cor, vitalidade bem educada. Seu filho Jean tem tudo isso. E espertamente jamais tentou fazer um equivalente em cinema aquilo que seu pai fazia na pintura. O espírito é o mesmo, mas a forma é outra, Jean Renoir é um realista que vê amor no real. --------------- Assiti nas últimas semanas quase todos os seus filmes. Vinte títulos, que vão do muito chato, A MARSELHESA, ao sublime, THE RIVER. Há muito filme bom. French Can Can se mantém como diversão, A Carroça de Ouro é bonito de se olhar, e seus clássicos são todos ótimos filmes. A BESTA HUMANA é melhor que os dois ícones: A REGRA DO JOGO e A GRANDE ILUSÃO. Feito em 1951, THE RIVER foi filmado na India, em Bengala, e na época foi mal distribuído e portanto, um fracasso. Em 2023 muita gente acha ser este o grande filme de Renoir. Ele é. De tudo que vi, é o único que posso chamar de perfeito e belíssimo. ------------------ Rumer Gooden escreveu o livro, um excelente relato poético sobre sua adolescência na India. O filme é narrado por ela, e certas frases que ela diz, simples, poéticas, são inesquecíveis. O que vemos é uma família inglesa que vive em um casarão às margens de um rio, no estuário de Bengala. São cinco meninas e um menino de 8 anos. O pai, a mãe, um tio e um americano que vem visitar a família. As duas irmãs mais velhas se apaixonam por ele, assim como uma menina hindu, filha do tio, inglês, que foi casado com uma indiana que faleceu. No terço final uma muito inesperada tragédia quebra o idílio, mas a vida segue e a família renasce. O que Renoir nos mostra é, de um modo muito simples, muito tranquilo, a alegria de poder estar vivo. Ele capta como poucos aquilo que não teria a menor importância e lhe dá a dignidade da vida. O que vemos são pessoas, todas boas, toda decentes, tentando viver em paz. Injustamente a morte os visita, mas eles sobrevivem e persistem. Não de forma heroica, nada há de heroico aqui, Renoir nunca é romantico, mas de forma justa, estoica e sempre alegre. É uma vida natural. Como deve e deveria ser. É o rio. Flui. E o filme, digno de seu tema, flui também. ----------------- Claude Renoir, filho de Jean, foi o fotógrafo do filme. É um trabalho sublime. Nada de India hiper colorida, são cores pastel, suaves, como com névoa. O elenco não brilha, parece se divertir. Renoir tinha o dom de descontrair o elenco. O menino parece um menino de fato, as meninas revelam a timidez da idade. A trilha sonora, de cítaras, deve ter causado um choque em 1951. O roteiro, poético sem apelar a sentimentos doces. Bonito, sem jamais parecer embonecado. Penso ser uma pena Renoir não ter se dedicado mais a roteiros como este, trabalhar com crianças, com a memória, com a poesia do exótico. THE RIVER é sua obra prima.