O ÚLTIMO SUSPIRO DO MOURO - SALMAN RUSHDIE

Lançado em 1995, este é o primeiro livro de Rushdie após sua condenação por Khomeini. Premiado, longo, rico, é um romance frustrante. Sim, frustrante. E explico onde mora essa frustração. ----------------- Francisco da Gama e Epifânia Menezes são um casal que se une em 1900. Descendentes de mouros que vieram à India de Portugal e Espanha, fugidos da rainha Isabel, a primeira parte do livro é das coisas mais deliciosas que li em anos recentes. Rushdie faz um tipo de romance picaresto-picante-fantasioso cômico cínico azedo que nos faz rir e aplaudir. São dezenas de personages, fértil como um Dickens moderno, ele cria nomes e tipos, enredos e laços familiares, situações e surpresas, dando à toda sua criação, vida e cor, muita cor. É um delírio festivo, escrito com sabor de pimenta, barroco, linguagem exuberante, tropical. A India surge nessa primeira parte como uma loucura em technicolor, um carnaval de sangue vozes, um universo de gente exageradamente humana. Suor e tempero. Mulheres tiranas, fortes, que xingam, homens dissimulados, que traem. E a riqueza. Os da Gama se tornam milionários negociando temperos, e na terceira geração surge Aurora da Gama, a menina que mata a mãe, vira pintora, famosa, sexy, linda, indestrutível, egoísta, má, inesquecível. Rushdie cria aqui o sonho de todo escritor e de todo leitor: o personagem pelo qual nos apaixonamos. Ela é uma pessoa, exagerada, fantasiosa, mas extremamente coerente, real. Aurora é a India que foi ou que podia ter sido, é o nascimento do país livre, é pró-Inglaterra e católica, é ninfomaníaca e artista genial. ----------------- Então Aurora se casa com um empregado da empresa, 30 anos mais velho que ela, Abraham Zogoiby, um judeu. Escândalo, mas ela enfrenta a família os xingando e lhes mandando calar ( sim, ela é assim ). Abraham triplica o dinheiro da família e é um corno-manso. Ou parece ser. Surge Vasco da Gama, um pintor que mora com eles, vaidoso e puxa-saco, excêntrico e POP, bem sucedido, invejoso, esnobe. Nascem os filhos, uma menina que se tornará uma puta e cantora de country and eastern nos anos de 1970, outra será freira, e uma terceira feminista hiper radical. E o filho, único homem, Moraes, que nasce com um problema: ele envelhece rápido demais, tem um defeito físico, e aos 8 anos já aparenta 16, embora pense como se tivesse 8. É ele quem narra a história da família e de seus agregados. ------------------------ Então vem aí aquilo que eu penso ser o problema do livro. Quando a história da família termina, e Moraes passa a contar sua vida no tempo presente, o que era delicioso se torna chato, o que era exuberância vira tragédia. O livro larga o humor a abraça a desgraça. A India não dá certo. Máfia, corrupção estatal, guerras religiosas, o desastre absoluto. Muita violência, gangues de rua, industriais que são corruptores, políticos que se vendem barato. Por trás de tudo, Abraham Zogoiby, o grande chefe da máfia. --------------------- Moraes acaba na Espanha. O descendente de mouros descobre que talvez seu lugar seja na Andaluzia. Rushdie consegue descrever o que é uma cidade turística da Europa: uma procissão de zumbis do mundo inteiro, sem vida, olhares vazios, fazendo compras e comendo sem parar. ( O livro é de 95, antes da internet, imagina como ele descreveria hoje ). Moraes descobre que ele não tem lugar. Sua mistura de raças não lhe dá como lar "o mundo", pelo contrário, faz dele um estrangeiro esteja onde estiver. Na Espanha ele é um indiano, na India um católico. ------------------ Eis a história da India: árabe, hindu, cristã, ateia, nada disso, tudo o mais. Na verdade, tudo demais. Apesar de eu odiar a mudança de tom no meio do livro, como não admirar autor tão grande?