Este texto fala sobre alguns dos momentos mais felizes de uma vida. Momentos que eram aparentemente sempre os mesmos, mas que na verdade eram completamente irrepetíveis.
Falarei no plural, porque todo esse prazer era vivido a dois, eu e meu irmão, 3 anos mais novo que eu. Eu comecei a fazer esse "ritual" aos 11 anos. E durou, com essa intensidade, até meus 15.
Nessa época minha família tinha uma casa na praia, e a gente descia a Serra todo fim de semana. Contando os feriados e as férias, eu passava mais ou menos 150 dias por ano na praia. Não a toa, minha pele se acha destruída pelo sol hoje, aos 50 anos de idade. Mas quer saber? Não ligo. Valeu a pena. Cada minuto passado foi mágico.
Tudo começava na véspera, na preparação. Eu e ele ouvíamos os discos que nos remetiam à praia. Houses of The Holy, Let It Bleed, Atlantic Crossing, In Rock. A descida era ansiedade feliz, um misto de renovação e de pressa. O carro voava. E assim que era estacionado na garagem eu e meu irmão voávamos pro mar. Mais uma vez parecia ser a primeira vez.
A paixão é aquilo que pode matar uma pessoa. Mas é, por isso mesmo, aquilo que dá sentido à vida de uma pessoa. É uma monomania, e isso faz com que fechemos os olhos para o mundo fora da paixão. Mas dentro desse mundo, desse alvo específico, cresce um outro universo. É apenas um único desejo, mas é um desejo vasto, vasculhado, conhecido e sempre novo. O corpo brilha em vontade de ir além da paixão. E nessa emoção sem fim, eu e meu irmão nos atirávamos.
Hoje me impressiona a profundidade em que a gente chegava. Muito além do ponto onde dava pé, a gente chegava onde apenas os surfistas de 16, 18 anos iam. E com uma alegria que beirava o absurdo, rindo e sem falar nada, nos deixávamos ir em qualquer onda que viesse. A gente não escolhia, a gente não sabia esperar, éramos pregos na verdade, mas a gente deixava se ir.
Uma das muitas diferenças do mundo de 1977 e do mundo de 2018 é o surf. Hoje se ataca a onda, se obriga a prancha a ir contra a onda e o objetivo é quebrar a onda. Antes se fluía com a onda. A meta era se integrar à onda e se deixar harmonizar por ela. A sensação beirava a epifania, e por isso excluía todo o resto da vida. Eu poderia destacar a velocidade, a água entrando em comunhão com o corpo, a adrenalina do medo, a sensação de vitória sobre si mesmo, mas o que mais me dava loucura era o som. As vozes vindo da praia, distantes, quase inaudíveis, que eram apagadas quando a onda surgia. E então a música eterna, vinda da pré- história, do mar quebrando sobre voce.
A gente tomava vários caldos, vacas. Engolia a imunda água salgada com detritos. Tossia. A garganta ardia. Tive vários momentos de pânico e de quase afogamento. De estar debaixo da água e não saber onde ficava o céu e onde ficava o fundo de areia. Mas a gente, com nosso um metro e meio de altura, conseguia respirar por fim. E ia, rindo, buscar a prancha onde ela estivesse. Era isso de oito da manhã até as seis da tarde. Todo dia. Com uma parada breve ao meio dia. Para suco e água, muita água.
De noite na cama a gente comentava o dia. E sentia que a cama parecia flutuar. Parecia que a gente boiava sobre o colchão. O rosto queimado de sol, o cabelo estragado, nosso sono vinha com um sorriso. Por saber que amanhã tudo seria repetido. Igual. Mas jamais o mesmo.
Não consigo lembrar de nada melhor que isso.
Falarei no plural, porque todo esse prazer era vivido a dois, eu e meu irmão, 3 anos mais novo que eu. Eu comecei a fazer esse "ritual" aos 11 anos. E durou, com essa intensidade, até meus 15.
Nessa época minha família tinha uma casa na praia, e a gente descia a Serra todo fim de semana. Contando os feriados e as férias, eu passava mais ou menos 150 dias por ano na praia. Não a toa, minha pele se acha destruída pelo sol hoje, aos 50 anos de idade. Mas quer saber? Não ligo. Valeu a pena. Cada minuto passado foi mágico.
Tudo começava na véspera, na preparação. Eu e ele ouvíamos os discos que nos remetiam à praia. Houses of The Holy, Let It Bleed, Atlantic Crossing, In Rock. A descida era ansiedade feliz, um misto de renovação e de pressa. O carro voava. E assim que era estacionado na garagem eu e meu irmão voávamos pro mar. Mais uma vez parecia ser a primeira vez.
A paixão é aquilo que pode matar uma pessoa. Mas é, por isso mesmo, aquilo que dá sentido à vida de uma pessoa. É uma monomania, e isso faz com que fechemos os olhos para o mundo fora da paixão. Mas dentro desse mundo, desse alvo específico, cresce um outro universo. É apenas um único desejo, mas é um desejo vasto, vasculhado, conhecido e sempre novo. O corpo brilha em vontade de ir além da paixão. E nessa emoção sem fim, eu e meu irmão nos atirávamos.
Hoje me impressiona a profundidade em que a gente chegava. Muito além do ponto onde dava pé, a gente chegava onde apenas os surfistas de 16, 18 anos iam. E com uma alegria que beirava o absurdo, rindo e sem falar nada, nos deixávamos ir em qualquer onda que viesse. A gente não escolhia, a gente não sabia esperar, éramos pregos na verdade, mas a gente deixava se ir.
Uma das muitas diferenças do mundo de 1977 e do mundo de 2018 é o surf. Hoje se ataca a onda, se obriga a prancha a ir contra a onda e o objetivo é quebrar a onda. Antes se fluía com a onda. A meta era se integrar à onda e se deixar harmonizar por ela. A sensação beirava a epifania, e por isso excluía todo o resto da vida. Eu poderia destacar a velocidade, a água entrando em comunhão com o corpo, a adrenalina do medo, a sensação de vitória sobre si mesmo, mas o que mais me dava loucura era o som. As vozes vindo da praia, distantes, quase inaudíveis, que eram apagadas quando a onda surgia. E então a música eterna, vinda da pré- história, do mar quebrando sobre voce.
A gente tomava vários caldos, vacas. Engolia a imunda água salgada com detritos. Tossia. A garganta ardia. Tive vários momentos de pânico e de quase afogamento. De estar debaixo da água e não saber onde ficava o céu e onde ficava o fundo de areia. Mas a gente, com nosso um metro e meio de altura, conseguia respirar por fim. E ia, rindo, buscar a prancha onde ela estivesse. Era isso de oito da manhã até as seis da tarde. Todo dia. Com uma parada breve ao meio dia. Para suco e água, muita água.
De noite na cama a gente comentava o dia. E sentia que a cama parecia flutuar. Parecia que a gente boiava sobre o colchão. O rosto queimado de sol, o cabelo estragado, nosso sono vinha com um sorriso. Por saber que amanhã tudo seria repetido. Igual. Mas jamais o mesmo.
Não consigo lembrar de nada melhor que isso.