A VIDA É MARAVILHOSA

   Conheço um intelectual que passou os últimos vinte anos amaldiçoando a vida. Entre goles de bom conhaque e nacos de boeuf bourguignon, ele diz em altos brados que a vida é um buraco sem sentido. Conheço também um professor de filosofia que diz desde seus 15 anos que o homem é mofo sobre laranja podre. Hoje ele tem 60 anos e se aposentou. Mora com seus netos em Bertioga. Pesca todo dia.
  A questão que me sempre deixou pasmo é: Por que eles não se mataram? Se a vida é tão maldita, por que eles não viraram bêbados e ainda mais insistiram em ter filhos?
  Há algo de profundamente estranho em Beckett, Bergman ou Sartre, entre vários outros. Eles exibem para nós um mundo tenebroso. Sartre chega a dizer que o inferno são os outros... Mas eles viveram nessa escuridão? Como conseguiram criar em meio a tanta dor?
  Guarde esses exemplos e vamos em frente...
  Numa barraca na Siria, um pai que teve dois filhos mortos na guerra sorri de uma anedota contada por um primo. Antes, numa favela brasileira, uma mãe que tem dois filhos desaparecidos, gargalha enquanto vê uma novela na tv. Mais antes, num campo de concentração polonês, um judeu sorri ao ver um companheiro esconder uma foto erótica num buraco entre pedras. O mundo é um inferno. Será?
  Falo de mim agora... Ferido em minha vaidade por um amor que não deu certo, eu afirmo em bom som "Que ninguém merece sofrer tanto como eu". Então, colando os fragmentos de minha auto estima covarde, digo para todos que "sou auto suficiente". O inferno são os outros, não é? Para não sofrer, me fecho como ostra. Tudo que preciso para ser feliz eu posso comprar, posso criar ou posso imaginar. Estou, finalmente, CONTENTE.
  Fabrice Hadjadj diz que contentamento é a porta do inferno. Vamos ver por que?
  Crianças conhecem a alegria, mas não o contentamento. Toda criança, solta em suas descobertas, conhece a alegria de estar conhecendo sons, cheiros e cores, e a felicidade de ter alguém que cuide dela. Esse estado de alegria pode durar anos ou apenas dias, mas ele é marca que fica. Modo simples de provar essa verdade: se nunca tivéssemos conhecido o céu não daríamos nome ao inferno. A dor existe em contraste com sua ausência, a escuridão na falta de luz. A tristeza é ausência de alegria. Alegria que é a condição da vida.
  Mas então por que tanta gente triste no mundo?
  Sacada genial de Hadjadj: Para ser triste basta estar só. Na tristeza não dependemos de ninguém. Nem mesmo da sorte. Se a tristeza é uma ausência, ser triste é um conforto. Dispensamos a sorte. Dispensamos os outros. Nos tornamos blasé. Cool. Frios e distantes. É o charme da modernidade. A solidão tristonha e o auto contentamento distante. Sexo, coisas e viagens. Ficamos contentes. Mas nunca alegres.
  A alegria independe de nossa vontade. Ela acontece. E para acontecer há um mandamento único: estar aberto e disposto. O alegre é ridículo. Ele ri. Ele tropeça. Ele fala bobagens. E principalmente, ele se expõe diante dos outros. Para a alegria, o inferno é ter vergonha. O céu são os outros. Aberto, o alegre chora quando triste, e ri quando tem vontade. Vive a angústia da perda da alegria. Mas não se fecha. Espera. Ele possui ESPERANÇA.
  Pessoas frágeis temem se expor. Não riem. Se garantem. E controlam sua vida. Independem do acaso. E se sentem que a alegria é obra do acaso, desistem. Zombam da esperança que perderam. Se contentam em não sofrer. Se distraem.
  O alegre descobre. Vê a beleza numa folha de mangueira. E se deixa seduzir pelas pessoas. Se não sentíssemos a proximidade dessa alegria, a beleza inerente em tudo aquilo que existe, não insistiríamos na vida. Essa a crença de Hadajdj.