Não há palavra mais usada nos últimos 200 anos que a palavra ILUSÃO. Voce chama uma coisa de ilusão, de ilusória e pronto!, magicamente a questão está resolvida. Ora, não está não! Se a coisa é realmente uma ilusão, como a roupa do rei nú, ao ser apontada ela deixa de existir. Mais importante ainda, uma verdadeira ilusão não se presta a ser descoberta. Ninguém, nem um só homem consegue apontar uma ilusão verdadeira. Exatamente por ser ilusória.
Temos aqui dois pontos de vista antagônicos. Um diz que a ilusão se desfaz como miragem descoberta. Outro que uma ilusão não pode ser descoberta pois sendo descoberta não é mais ilusão. Nunca foi. Mas continuamos a usar essa palavra levianamente...
Exponho este ponto, apenas um grão, para mostrar à voce como se dá o pensamento de Fabrice Hadjadj. Ele pega uma imagem e mostra seus lados, seus ângulos possíveis, para só então arriscar uma terceira via. Imenso, ainda estou o lendo, o livro é uma das coisas mais brilhantes que já li. Ele vai fundo. A tese mais ousada, mas não inédita, é a que diz que vivemos num LIMIAR. Nem aqui e ainda não lá. Nem agora e nem depois. Na tensão desse momento que se prolonga por toda a vida, tentamos quando fracos, parecer fortes. Para isso dizemos que o limiar é o destino possível. Que o limiar é um agora eterno. E que o depois não existe. Quando fortes, parecemos fracos, e trêmulos, temos consciência de que o limiar é um momento e lugar precário, que há um depois desconhecido e que a insegurança é necessária para que haja um depois.
Sim, o livro fala da morte, do paraíso e das ilusões. E dá um golpe mortal ao me convencer de que o paraíso existe no aqui e agora, mas que esse aqui e agora só se revela quando quer, sem que possamos o invocar. Quanto mais queremos esse paraíso, mais longe ficamos dele. Quanto mais queremos a alegria, mais ilusória ela se faz. Nossa reação é então o ressentimento: já que não o tenho, ele não pode existir.
Hadjadj apresenta um fato: todo animal funciona perfeitamente bem sem as "ilusões" de paraíso, amor ou caridade. Somente nós, não se sabe porque, precisamos dessas "ilusões" para poder funcionar. Se torna fácil crer na química do amor, no design da natureza, ou até num erro do acaso que nos fez "esquisitos". Mas a própria evolução nega o acaso, o erro, a falha. Um animal mal feito desaparece sem vestígios. Se somos a elite dos animais, bem, porque precisamos de muletas como amor, Deus ou pós-vida? Bastaria nossa força e nossa engenhosidade. A consciência da morte seria totalmente inútil.
Um cético dirá agora: ilusão. E assim, orgulhoso e "forte", realista e moderno, coloca um fim à questão. Mas a tal ilusão persiste, não se desvanece. Persiste até nele mesmo, que por mais niilista que seja, cria paraísos novos, em forma de drogas, sexo ou utopias politicas, para assim suportar viver. E eu então lhe pergunto: Se somos tão superiores, porque criamos essa ideia estranha e sem sentido, de que pode haver algo melhor e maior que este mundo? De onde veio essa imagem?
Hadjadj diz que não a criamos, que no limiar convivemos com esse paraíso como suspeita ou sombra. E o vemos por segundos, uma ou duas vezes na vida. E que nesse momento em que o vemos, em que o vivemos, sentimos a certeza do paraíso. Céu que não é lá ou mais tarde, é aqui e é já.
Não há prece, remédio ou ritual que o traga. Que nos faça senti-lo. Há muitos, os mais ocupados em ser felizes e alegres, ele jamais irá se apresentar. Porque ele está, a fenda, a passagem está, no lugar mais banal, mais simples, menor possível. Naquela hora em que percebemos que tudo é sem explicação. Que nada tem uma razão ou um motivo quando procuramos.
Mas não pense que esse caminho é ficar parado em concentração ou se afastar da ação e viver em zen. Para Hadjadj, esse limiar pode ser visto no convívio com os outros, no amor, na ação dentro da vida. Ou não.
Olhar para as coisas, para as chaves do seu carro, para o controle remoto, e perceber o mistério que há neles e a alegria que existe no fato deles existirem ao seu lado.
Esse pode ser um começo.
Temos aqui dois pontos de vista antagônicos. Um diz que a ilusão se desfaz como miragem descoberta. Outro que uma ilusão não pode ser descoberta pois sendo descoberta não é mais ilusão. Nunca foi. Mas continuamos a usar essa palavra levianamente...
Exponho este ponto, apenas um grão, para mostrar à voce como se dá o pensamento de Fabrice Hadjadj. Ele pega uma imagem e mostra seus lados, seus ângulos possíveis, para só então arriscar uma terceira via. Imenso, ainda estou o lendo, o livro é uma das coisas mais brilhantes que já li. Ele vai fundo. A tese mais ousada, mas não inédita, é a que diz que vivemos num LIMIAR. Nem aqui e ainda não lá. Nem agora e nem depois. Na tensão desse momento que se prolonga por toda a vida, tentamos quando fracos, parecer fortes. Para isso dizemos que o limiar é o destino possível. Que o limiar é um agora eterno. E que o depois não existe. Quando fortes, parecemos fracos, e trêmulos, temos consciência de que o limiar é um momento e lugar precário, que há um depois desconhecido e que a insegurança é necessária para que haja um depois.
Sim, o livro fala da morte, do paraíso e das ilusões. E dá um golpe mortal ao me convencer de que o paraíso existe no aqui e agora, mas que esse aqui e agora só se revela quando quer, sem que possamos o invocar. Quanto mais queremos esse paraíso, mais longe ficamos dele. Quanto mais queremos a alegria, mais ilusória ela se faz. Nossa reação é então o ressentimento: já que não o tenho, ele não pode existir.
Hadjadj apresenta um fato: todo animal funciona perfeitamente bem sem as "ilusões" de paraíso, amor ou caridade. Somente nós, não se sabe porque, precisamos dessas "ilusões" para poder funcionar. Se torna fácil crer na química do amor, no design da natureza, ou até num erro do acaso que nos fez "esquisitos". Mas a própria evolução nega o acaso, o erro, a falha. Um animal mal feito desaparece sem vestígios. Se somos a elite dos animais, bem, porque precisamos de muletas como amor, Deus ou pós-vida? Bastaria nossa força e nossa engenhosidade. A consciência da morte seria totalmente inútil.
Um cético dirá agora: ilusão. E assim, orgulhoso e "forte", realista e moderno, coloca um fim à questão. Mas a tal ilusão persiste, não se desvanece. Persiste até nele mesmo, que por mais niilista que seja, cria paraísos novos, em forma de drogas, sexo ou utopias politicas, para assim suportar viver. E eu então lhe pergunto: Se somos tão superiores, porque criamos essa ideia estranha e sem sentido, de que pode haver algo melhor e maior que este mundo? De onde veio essa imagem?
Hadjadj diz que não a criamos, que no limiar convivemos com esse paraíso como suspeita ou sombra. E o vemos por segundos, uma ou duas vezes na vida. E que nesse momento em que o vemos, em que o vivemos, sentimos a certeza do paraíso. Céu que não é lá ou mais tarde, é aqui e é já.
Não há prece, remédio ou ritual que o traga. Que nos faça senti-lo. Há muitos, os mais ocupados em ser felizes e alegres, ele jamais irá se apresentar. Porque ele está, a fenda, a passagem está, no lugar mais banal, mais simples, menor possível. Naquela hora em que percebemos que tudo é sem explicação. Que nada tem uma razão ou um motivo quando procuramos.
Mas não pense que esse caminho é ficar parado em concentração ou se afastar da ação e viver em zen. Para Hadjadj, esse limiar pode ser visto no convívio com os outros, no amor, na ação dentro da vida. Ou não.
Olhar para as coisas, para as chaves do seu carro, para o controle remoto, e perceber o mistério que há neles e a alegria que existe no fato deles existirem ao seu lado.
Esse pode ser um começo.