SOBRE A EXPO DE BOWIE NO MIS...BOA PARA VOCE, QUE NUNCA FOI SEGUIDOR DE BOWIE

   Ver uma exposição com trilha sonora é sempre bom, melhor ainda se for David Bowie nos ouvidos. Então eu entro e a coisa começa meio fria com um ar condicionado ao máximo e a fase pré-Ziggy em telas. Logo percebo, a exposição não é sobre Bowie o músico, é sobre Bowie o cara da moda. Como aceitar uma expo sobre um cara central no rock ( de sua altura só Dylan, Jagger, Lennon e olhe lá ), que tem apenas uma guitarra? Onde estão as guitarras de Mick Ronson, Robert Fripp, Carlos Alomar, Steve Ray Vaughan? Como levar a sério uma expo que dá mais destaque aos estilistas de seus ternos e fantasias que a Andy Warhol e Lou Reed? Não há uma só referência a Fripp, Lou, Marc Bolan ou Mick Ronson. Brian Eno só aparece como ser secundário, nada sobre Tony Visconti e Iggy está lá, mas pra que? 
   Então percebo que aqui não é lugar para quem, como eu e meus amigos, amamos David Bowie. Aqui é para quem já ouviu falar do artista e quer saber quem ele é. Esses gostarão da exposição. Irão sair achando que Bowie é maior que Damon Albarn, talvez até maior que o Bono!!! Aff...
   Mas nós, eu, que acompanho David desde 1974, desde ouvir Sorrow a primeira vez numa rádio AM mono e ficar enfeitiçado pela voz clara e confidente e o arranjo elegante e estranhamente sensual ( óh Mick Ronson, como eras genial ), para nós e para mim aquele Bowie da exposição não mostra nada do cantor, nada do rock star e apenas arranha sua importância social.
   Falo agora do que se pode pescar naquelas paredes frias do MIS.
   Na sala das telas circulares, que nos envolvem nas imagens e criam um efeito inebriante de presença, não de Bowie presente, mas da nossa presença em Bowie, Jean Gennie explode em blues-gay e sexy. Pois bem, são dois clips que se misturam, a versão de Mick Rock, que vi em 74 num Sábado Som na rede Globo que mudou toda a minha vida, e uma versão de Jean Gennie ao vivo, em palco da BBC. Nessa versão, com platéia, vejo dois garotos desajeitados dançando. Dançando não, tentando dançar. Os cabelos sujos, devem ter 13 anos de idade. Os rostos felizes, com sorrisos de êxtase. Os quadris duros tentam se soltar e os braços serpenteiam contra sua rigidez inglesa. Esses dois garotos aparecem por cinco ou seis segundos. E exemplificam aquilo que a exposição nunca exibe: o alcance libertário social de Bowie. Aliás Jean Gennie atinge um fogo que chega a ofuscar toda a exposição. Eis o tal do rocknroll !!!
   Há um bilhete que Christopher Isherwood escreveu para David. Para quem não sabe, Isherwood foi um escritor americano que imigrou para Berlin antes da segunda-guerra. Lá ele conheceu a loucura dessa Berlin e a descreveu em contos e romances. Um deles deu origem a Cabaret, o filme famoso de Bob Fosse. Cabaret foi hiper sucesso em 1972 e influenciou Roxy Music e David Bowie. Quando David vai para Berlin ele vai atrás da lenda de Isherwood. E a encontra. Me emociono ao entrar no ambiente Bowie em Berlin. Quadros pintados por David, o disco de Iggy, e a suprema coisa das coisas, o synth que foi usado em LOW. Um texto diz que o synth era de ENO e que ele deu-o para Bowie recentemente. ENO diz que ainda hoje nada consegue repetir aquele som. Olho as teclas azuis, ele todo vem dentro de uma mala tipo 007. Chaves, plugs, entradas, osciladores...Fico fascinado. Os timbres espaciais, fantasm'aticos, funebres, excitantes de LOW nasceram naquela mala. 
   Nada mais pode ser dito depois disso. 
   As chaves do apto em Berlin, um Gitanes rabiscado, Sense of Doubt... Coleto fagulhas da expo do MIS. Coleto as letras e a grafia elegante de Bowie, coleto o tamanho Peter Pan das roupas, coleto sons que passam. Mas Bowie fica ausente do MIS. Faltou sujeira, faltou rock, faltou poesia, faltou perigo. 
   Valeu.
cam