Um dos grandes mistérios da vida: Porque certas coisas se fixam em nossa memória, para sempre, e outras desaparecem? Não falo das "grandes coisas", tipo um pé na bunda ou uma cirurgia. Falo de pedaços de imagens, momentos que parecem tão banais, mas que sobrevivem, exatos, próximos, enigmáticos, por todos os seus dias. Porque?
Olho uma imagem na tv. E ainda estou numa idade em que aquilo que vejo na tv é tão real como o que observo pela janela. Um homem numa floresta, cercado de fadas, olha sua imagem refletida num lago e percebe que não é mais um homem, é agora um animal. Fascinado pelas imagens em preto e branco, guardo esse momento por toda a minha vida, com a força de algo recente. Tenho dúvidas se isso foi um sonho ou um filme na tv. Até que em 2008 compro o dvd de SONHO DE UMA NOITE DE VERÃO, a versão da Warner de 1932, e descubro que essa era a imagem, que o homem era James Cagney e que aquilo era um filme na tv que passou de noite, num especial de Natal. E o fato de um filme clássico, de 1932, ter passado na tv como especial, demonstra o quanto essa minha lembrança é antiga. Foi em 1966? 67? Eu tinha então três ou seriam quatro anos?
Muito mais importante: Porque essa cena me impressionou tanto e não alguma cena de meus programas favoritos de então ( segundo meus pais ), que eram Bat Masterson e Circo do Arrelia? As fadas e a floresta, o lago e a transformação, a tristeza profunda e melancólica que James Cagney demonstrou ao se ver como bicho, porque isso me pegou tanto?
No quintal de casa uma menina passa rodo no chão. Faz sol e venta muito e ela trabalha descalça. Usa um vestido leve e uma tachinha que não sei porque estava por lá, entra na sola de seu pé. Sem sentir dor, ela sorri e tira a tachinha do pé.
Eu desço a rua dos Três Irmãos e olho as luzes, fracas, dos postes que se acendem lentamente.
Uma manhã em que encosto meu rosto contra o vidro da janela de um táxi na avenida Angélica.
Cheiro de chocolate no Itaim, andando na rua da Kopenhaguen.
O sol entrando pela janela da sala de manhã.
...Todos esses são momentos comuns, preservados pela minha memória. Flashs sem enredo, sem antes e sem depois. São como planetas que orbitam ao meu redor, eternos e impassíveis, idestrutiveis. Porque esses planetas e não tantos outros?
Talvez a chave esteja exatamente no fato de serem momentos sem enredo. Esses momentos não são prosa, não podem ser narrados, eles são poesia. O que os preserva e os faz vivos é uma qualidade de luz que eles possuem. São imagens, quadros que exibem a eternidade de um momento. Descobertas de mistérios. Nesses momentos eu vislumbrei o mistério da melancolia, da mulher, da noite, do cheiro. E todos eles, e tantos mais, são banhados por uma luz diferente, uma sombra, ou um brilho intenso. Segundos que duram para sempre e que me avisaram aquilo que eu era e não sabia ser.
Tantos outros...Num Jeep em meio a chuva...Um graveto no mato que fura minha pele...O ruido da chuva nas calhas de lata que fazem eco...A roupa voando no varal ao sol....
Fellini usava muito essas imagens em seus filmes. Imagens da infância em Rimini, imagens de sonho-verdade, flashs da memória, descobertas... E eu sei disso: Nossa mente ansia por poesia, por momentos de revelação. Amamos para isso, para viver esse momento, ter revelações, ter segundos de criação de planetas. É pra isso que amamos, lemos e viajamos. O resto nada vale.
Olho uma imagem na tv. E ainda estou numa idade em que aquilo que vejo na tv é tão real como o que observo pela janela. Um homem numa floresta, cercado de fadas, olha sua imagem refletida num lago e percebe que não é mais um homem, é agora um animal. Fascinado pelas imagens em preto e branco, guardo esse momento por toda a minha vida, com a força de algo recente. Tenho dúvidas se isso foi um sonho ou um filme na tv. Até que em 2008 compro o dvd de SONHO DE UMA NOITE DE VERÃO, a versão da Warner de 1932, e descubro que essa era a imagem, que o homem era James Cagney e que aquilo era um filme na tv que passou de noite, num especial de Natal. E o fato de um filme clássico, de 1932, ter passado na tv como especial, demonstra o quanto essa minha lembrança é antiga. Foi em 1966? 67? Eu tinha então três ou seriam quatro anos?
Muito mais importante: Porque essa cena me impressionou tanto e não alguma cena de meus programas favoritos de então ( segundo meus pais ), que eram Bat Masterson e Circo do Arrelia? As fadas e a floresta, o lago e a transformação, a tristeza profunda e melancólica que James Cagney demonstrou ao se ver como bicho, porque isso me pegou tanto?
No quintal de casa uma menina passa rodo no chão. Faz sol e venta muito e ela trabalha descalça. Usa um vestido leve e uma tachinha que não sei porque estava por lá, entra na sola de seu pé. Sem sentir dor, ela sorri e tira a tachinha do pé.
Eu desço a rua dos Três Irmãos e olho as luzes, fracas, dos postes que se acendem lentamente.
Uma manhã em que encosto meu rosto contra o vidro da janela de um táxi na avenida Angélica.
Cheiro de chocolate no Itaim, andando na rua da Kopenhaguen.
O sol entrando pela janela da sala de manhã.
...Todos esses são momentos comuns, preservados pela minha memória. Flashs sem enredo, sem antes e sem depois. São como planetas que orbitam ao meu redor, eternos e impassíveis, idestrutiveis. Porque esses planetas e não tantos outros?
Talvez a chave esteja exatamente no fato de serem momentos sem enredo. Esses momentos não são prosa, não podem ser narrados, eles são poesia. O que os preserva e os faz vivos é uma qualidade de luz que eles possuem. São imagens, quadros que exibem a eternidade de um momento. Descobertas de mistérios. Nesses momentos eu vislumbrei o mistério da melancolia, da mulher, da noite, do cheiro. E todos eles, e tantos mais, são banhados por uma luz diferente, uma sombra, ou um brilho intenso. Segundos que duram para sempre e que me avisaram aquilo que eu era e não sabia ser.
Tantos outros...Num Jeep em meio a chuva...Um graveto no mato que fura minha pele...O ruido da chuva nas calhas de lata que fazem eco...A roupa voando no varal ao sol....
Fellini usava muito essas imagens em seus filmes. Imagens da infância em Rimini, imagens de sonho-verdade, flashs da memória, descobertas... E eu sei disso: Nossa mente ansia por poesia, por momentos de revelação. Amamos para isso, para viver esse momento, ter revelações, ter segundos de criação de planetas. É pra isso que amamos, lemos e viajamos. O resto nada vale.