CINEMA TRANSCENDENTAL- CAETANO VELOSO ( O REINO DE EROS )

   Sempre que estou feliz estou em sentimento erótico e sempre que me sinto em Eros ouço música de meu país. Pretensioso? O fato é que o ressentimento baixa de grau e então me permito ser o que sou desde sempre. Voce sabe, por aqui ninguém é mais vítima de ressentimento que Caetano. Tem uns criticos de rock que adoram falar mal dele ( crítico de rock falando de Caetano....é como crítico de cinema falar de teatro ou de pintura palpitar sobre arquitetura. O que um cara que opina sobre Rem e Clash tem a ver com Caetano? ). Ressentimento. Caetano canta muito, fala muito, sabe muito e pior, parece ser feliz. Imperdoável. Lembro que fui adolescente ressentido. Ateu, revoltado, anti-tudo, nada me irritava mais que aqueles bicho-grilos do Objetivo que amavam Caetano. Asquerosos. O que não queria perceber é que o que me irritava é que eles tinham tudo o que eu queria e não tinha. Parecia que eles estavam sempre em paz, rindo, parecia que rolava muito sexo, droga, folias e festas. Estavam sempre cantando, beijando, meio pelados e cheios de sol. Eu me ressentia e criava uma raiva anti-erótica sombria e mortal. Isso tudo mudou quando amei de verdade pela primeira vez e descobri o sol, o suor, eros e a felicidade. Este disco veio junto. Entendi. Não sou brasileiro. O Brasil não é meu país. Eu sou do Brasil. Por mais que engula litros de Henry James e Roxy Music, eu sou daqui. Sem ressentimentos, please.
   As letras. Gringos diziam que era incompreensível como um país de iletrados podia ter uma música popular de letras tão sofisticadas. Tão profundas. É provável que essas letras ainda sejam escritas, mas não são mais populares. Regredimos. O ressentimento vingou-se de sua ignorância. Oração ao Tempo é filosofia profunda em forma de mpb. Caetano diz ter recebido toda a letra de seu inconsciente enquanto fazia a barba. Não vou citar aqui trecho nenhum da letra, seria injusto não citá-la inteira. Não conheço letra popular mais complexa.
   O disco é todo solar. É pele bronzeada com gota de suor. Areia voando e cheiro de mar. Mas é todo voltado pra dentro, é auto-análise, é divagação aprofundada. Pretensioso? Qual o pecado desde que exista prazer? Uma canção de Jorge Mautner: O Vampiro. Eu amava Aninha e a ouvia todo dia. Feliz mas chorando de amor que crescia sem parar. A canção diz tudo. Não há melhor letra sobre a dor de amar e amar cada vez mais. " Voce é o estandarte da agonia/ Que tem a lua e o sol do meio dia". Só voz e violão e solidão. A voz dele parece cantar para mim e só pra mim. Outra canção é Elegia, baseada em John Donne. Erótica. Tropical. Feliz, muito feliz.
   As mais belas rimas estão em Trilhos Urbanos. Todas as palavras se chamam umas às outra e andam como vento em ruas de verão. É uma aula completa sobre ritmo e poética. Tivesse nascido vinte anos antes e Caetano teria sido nosso melhor poeta "de livro". Mas ele cresceu com Caymmi, João e samba e deu no que deu. Além da voz, a voz que nunca desafina.
   Vale dizer que ao escutar tudo isto durante meses todos os dias aos 15 anos o disco gravou-se em mim. E o reencontrando hoje, impregnado neste dia, de Bergson e de uma primavera que promete, percebo ser este disco mais "eu" que tantos outros eus que conheci em discos e livros desde então. Graças aos céus conheci este mundo a tempo. Nas faixas deste disco mora não só meu melhor lado, como brilha ao sol meu mais feliz mundo.
   COMPOSITOR DE DESTINOS/ TAMBOR DE TODOS OS RITMOS/ TEMPO TEMPO TEMPO TEMPO/ ENTRO NUM ACORDO CONTIGO...