UM PLANETA CHAMADO ADOLESCÊNCIA

Eu tinha dezesseis anos quando numa varanda em Santos tive essa conversa deprê com uma prima de minha mãe....
Que nada fazia sentido porque tudo acabava em morte e cinzas. Para que viver se o fim era certo? Qual a utilidade de um livro, pra que escrever, se tudo vira passado? Falamos mais: que Deus era um consolo de fracos, que o capitalismo era canibalismo e que o socialismo era a igreja de ateus. E em meio a tanta coisa óbvia, infantil, digo que a dor era de verdade. Éramos incapazes de ver qualquer coisa que fosse mais que nossa imensa dor. Nos achando clarividentes, víamos apenas um espelho. Pois não percebíamos que o mundo era triste porque éramos tristes. Nós dois. Mas o mundo estava além de nós.
Mas eu pensava como um romântico melancólico de 16 anos.
Com o tempo passei a usar a melancolia como estilo de sedução. Mas não suspeitava que a melancolia era a parte de um todo. Pensava ser ela o todo. E via tristeza em tudo: o mar era triste, a noite era fúnebre, as mulheres eram vítimas e os bichos eram sombras. A melancolia virou depressão e a dor se tornou um eu. Único.
Quando encontrei uma muleta, tudo mudou radicalmente. A razão ocupou o lugar da dor.
Ora, se um simples comprimido fazia com que toda a minha visão da vida se modificasse, então a vida era questão de quimica. Somos um composto de reações quimicas e de evolução genética, cuidar do balanceamento quimico e compreender a evolução é entender a vida. Um macaco que deixou de estar confortável em seu planeta: somos isso. Amor é desejo de procriar disfarçado e enobrecido pelo cristianismo, guerra é uma lei geral de sobrevivência, arte é ilusão de covardes, e a religião é o grande besteirol da vida. A euforia pela ilusão da resposta é sempre ridicula, eu o fui. Converse com qualquer pessoa que pense ter respostas, seja um sociólogo, um filósofo ou um psicólogo, eles sempre cairão em dogmatismo, viverão na fé da certeza.
Mas isso foi se desgastando e foi a arte que mais fez esse trabalho. Se a quimica tudo explica a questão é: de onde vem a quimica. Se a evolução é fato, a questão se faz: de onde vem a vida? Sim, emoções podem ser desarranjos quimicos, sim, o amor pode ser desejo animal disfarçado, mas de onde vem o desejo? O que é procriar?
Dizer que a vida é triste melancolia é adolescência.
Pensar saber que tudo pode ser explicado pela razão é deslumbre de jovem adulto.
Perceber que não temos a possibilidade de entender é começar a compreender.
Continuo com minhas muletas. Não quero mais retornar ao planeta romantico. Optei por me mudar de lá. Mas, passado o desbunde pela potência, recordo sua existência e entendo ser ele apenas uma face, pequena, de um todo inalcansável.