LOOK BACK IN ANGER ( ODEIO ESSA MULHER )- TONY RICHARDSON

A Inglaterra vai abaixo nos anos 50 quando se cria o teatro dos Angry Young Men. E ninguém foi mais angry que John Osborne. Look Back in Anger é a peça que mudou tudo, e este é o filme. História: Teatro inglês era aquela coisa de sempre ( como o cinema também era ), podia às vezes ser genial ( como em Wilde ) mas era sempre aquele bando de lords dizendo coisas inteligentes e wit. Mais que isso, todos pareciam feitos de papelão. Nada de paixão ou de sangue verdadeiro. Os tempos de Marlowe e de Shakespeare eram então recriados como tempo afetado. Mas veio esta peça e a coisa caiu. Gírias, sujeira, violência, jazz, sexo e gente pobre. Vida real? Nem tanto, vida vazia. Jimmy Porter, o personagem, torna-se o ícone da geração que daria ao mundo os Beatles e os Stones ( o teatro de Osborne é bem mais i can't get enough ). Jimmy trabalha na feira e toca piston. É casado e arruma amante, mas o principal: Jimmy odeia a vida. Ele passa todo o tempo agredindo tudo a seu redor. Ele odeia os velhos, odeia as mulheres, odeia o sol e a lua, odeia o passado colonial e a guerra, odeia a paz. No filme, esse papel é feito por Richard Burton e não poderia haver atuação melhor. A cena em que ele murmura a palavra: " Horror" após um enterro é terrificante. O filme aliás, é das coisas mais desagradáveis que já vi. Se voce abomina a Inglaterra de reis gagos e de irmãs fofinhas, este é seu filme. O tal do "filme inglês" ( que aliás eu adoro ) é cruelmente assassinado aqui. Nada é vitoriano, elegante, bonito. O que se mantém de inglês são as falas soberbas e os atores, magistrais. O artificialismo está exatamente nessas falas. Jimmy fala como um menestrel, ele sabe falar bem. E contra o que ele se revolta? Contra tudo. E porque? Eis a força do texto: por nada. Jimmy diz ter ódio de viver, e esse ódio não tem motivo. Quando pensamos descobrir uma razão ela se esvai na cena seguinte. Isso dá o caráter desagradável do filme: esse mal estar, essa raiva é inerente a vida. Viver seria sentir raiva de viver. A fotografia de Oswald Morris, toda em vielas com céus nublados é coisa do mestre que ele é. Junto de Jack Cardiff, são meus dois fotógrafos de cinema favoritos. Claire Bloom faz a amante com rasgos de esperteza. Há algo de muito diabólico nela. Mary Ure é a esposa. Ela sofre sem motivo, é agredida sem reagir e ama quem a destrói. Tony Richardson faria após esta bomba incendiária, Tom Jones, que lhe daria um muito justo Oscar. 1960.... Brilhante momento da arte inglesa. A consciencia de que o império se foi e o ódio a herança deixada pelas gerações passadas. Jimmy Porter abomina o tempo em que nasceu. Mal sabia ele o que viria a seguir. O filme é o epitáfio de um império feito na época em que alguém ainda se importava com isso. Incômodo, desagradável e árduo. Obrigatório. PS: Em tempo de homenagens a Elizabeth Taylor ( merecidas ) cabe reavaliar Richard Burton. Ele surgiu nos anos 50 em palcos ingleses como a esperança de um novo Olivier. Mas Hollywood logo o pescou e lá seu talento foi paralisado. Às vezes, em meio ao alcoolismo, o verdadeiro Burton renascia. Há quem veja nele o melhor ator inglês do século. Jimmy Porter é ele.