O SOL TAMBÉM SE LEVANTA- ERNEST HEMINGUAY
Poucos livros foram tão importantes em minha vida e poucos livros são tão opostos àquilo que acredito e me tornei. Relendo agora ( sexta vez? ), O SOL TAMBÉM SE LEVANTA se revela aquilo que ele é: a tentativa mais apurada de se escrever com objetividade fria. Sêneca e folhas de jornais vivem em suas frases. Heminguay deve muito de sua fama ao que foi e não ao que escreveu. E nisso ele é o oposto de Joyce e Proust. Criou-se, até os anos 60, o mito de que sua vida fora glamurosa, aventureira, vasta. O típico escritor americano: viril e ativo. Uma licença, um álibi para que homens pudessem escrever, para que escritores do Kentucky não se sentissem maricas. Mas as coisas mudaram, e o autor que parecia heróico revelou-se um mentiroso, pior, um macho vaidoso. Em tempos de politicamente correto, Heminguay se tornou out e Scott Fitzgerald muito in. Waaaal.... O livro descreve um grupo de amigos na Paris de 1920. De lá eles vão à Espanha ver as touradas e é só. Sob vários pontos de vista, nada acontece no livro. Sob o meu ponto de vista, tudo que pode acontecer acontece. Jake Barnes é o herói. Um herói derrotado e impotente. Um homem que jamais transparece o que sente ( quem lembrou de Humphrey Bogart acertou ). Ele ama e é amado por Lady Brett, uma ninfomaníaca. O amor impossível. Robert Cohn é um inseguro jovem judeu. Ele ama a moça e é usado por ela ( ninguém no livro prima pelo caráter ). Há ainda um escocês bonachão e um grego. Como se pode ver, a trama é ínfima. Não é por aí que se dá valor ao livro, é pelo que ele não fala. Quando lançado O SOL TAMBÉM SE LEVANTA se tornou uma febre e Heminguay uma estrela, por quê? Por não falar. Alí, pela primeira vez, estava um romance sobre o vazio. Os personagens nada fazem de especial, eles apenas estão lá, em seus lugares. Há um tédio abissal ao redor deles, e todos têm a consciência disso, mas mesmo assim, eles vivem. Viajam, tentam sentir, amar, e sempre perdem. Não possuem raízes, não pertencem a nada, nada possuem, são impotentes em carne e em alma. Falam frases que escondem tudo o que deveria ser dito. Exibem risos, coragem, liberdade, mas estão presos em frieza, memória e desalento. Heminguay passou o resto da vida tentando repetir o sucesso deste livro. Em termos de vendas o suplantou com POR QUEM OS SINOS DOBRAM. Mas jamais teve o gosto de ser tão moderno outra vez. Ter lido este livro aos 21 anos com certeza mudou minha vida. No mínimo perdi a vergonha de ser vazio e aprendi que se pode escrever simples, sem grandes frases e sem emoções violentas. Tentei ser Jake Barnes e tentei achar minha Lady Brett. Não rolou. Com o tempo me redescobri como não-heminguayano, mas este livro, este fino e elegante livro, tem algo de muito certo, de muito verdadeiro e de muito dificil de repetir. Quem sabe o quê?