SIMONE WEILL E O AMOR

O que é este mundo senão a ausência de Deus, sua retirada, sua distância ( a que chamamos espaço ), sua espera ( a que chamamos tempo ), sua marca ( a que chamamos beleza ) ?
Deus só pode criar o mundo retirando-se dele, ou então só haveria Deus. Ou se nele se mantém é sobre a forma de ausência.
É preciso estar no deserto, pois aquele que é preciso amar está ausente. Mas por que essa ausência? Por que essa criação/desaparecimento? Só se pode aceitar a existência da infelicidade considerando-a uma distância. Por que o mundo? Por que a criação?
Deus criou por amor para o amor. Deus não criou outra coisa que não o amor e os meios para esse amor.
A criação é da parte de Deus um ato não de espansão de si mas de retirada, de renúncia. Deus aceitou essa diminuição, esvaziou de si uma parte do ser. Deus permitiu que existissem coisas diferentes de si. Diferentes dele, e valendo infinitamente menos que Ele. Pelo ato criador negou a si mesmo como Cristo nos preservou nos negarmos a nós mesmos. Deus negou-se em nosso favor, para nos dar a possibilidade de nos negar por Ele.
As religiões que conceberam essa renúncia, essa distância voluntária, esse apagamento voluntário de Deus, sua ausência aparente e sua secreta presença aqui em baixo, essas religiões são a verdadeira religião, a tradução em diferentes línguas da grande revelação.
Esse amor é o contrário da violência, da força que se exerce como poder que governa.
Os filhos são como água, ocupam todo o espaço disponível. Mas não Deus, senão só haveria Deus e não haveria o mundo. Mas os pais não, eles se retiram, recuam, não exercem todo o poder que têm. Por que? Por amor, para deixarem todo o espaço aos filhos, para lhes dar poder, para os ver crescer. Para deixa-los existir e não os esmagar com sua presença, com seu amor, com sua força. A fraqueza comanda então e é esse o amor divino. Amor que prefere dar a possuir, perder a ter poder, amor que recua e deixa o outro crescer.
Essa é a síntese do maravilhoso texto de Simone Weill. Texto que mexe comigo não por eu ser cristão ou budista, ateu ou celta, mexe por ser a mais alta e bela forma de amor possível. André Comte-Sponville, sendo materialista, traz esse amor ( Agapé ) para os casais possíveis... leia:
À força de ve-la tão bem, tão forte, tão feliz, a força de ve-la tão bela, tão inteira e livre, voce sente como que um cansaço, que voce mesmo deixa de existir cada vez menos, voce quer chorar ou melhor, ficar só. Se afasta por amor e por amor se entristece. Cesare Pavese tem uma frase: " Voce será amado de verdade, no dia em que puder mostrar sua fraqueza sem que o outro aproveite-se disso para afirmar sua força". Esse é o mais raro e milagroso amor, o amor dos santos e dos sábios. Se voce recua um passo, ele recua dois. Simplesmente para lhe dar mais espaço, para não esbarrar em voce, para não o invadir. Para não lhe impor sua potência, sua força, nem mesmo sua alegria e seu amor, para lhe deixar crescer. Uma renuncia a plenitude do ego, renuncia ao poder.
Simone Weill: " Amor é renuncia e abnegação. O amor é fraco, Deus é fraco, embora onipotente, pois é amor." Frase do filósofo francês Alain: " Cabe dizer que Deus é fraco e pequeno, e sem cessar moribundo entre dois ladrões, pela vontade de uma insignificante policia. Sempre perseguido, esbofeteado e humilhado, sempre renascido em três dias. Amor contrário da força."
Fala agora Comte-Sponville: " Esse tipo de amor tão raro fala fundo com nosso cansaço, com nossa solidão, com nossa desesperança. Parece tão doce, tão puro, tão nobre que toca em um tipo de nostalgia, de ansiedade que todos temos. Amor que se retira, que dá sem esperar, que se abnega, que é fraqueza, é delicadeza, é ter tudo por nada querer e por tudo amar. Amor sem interesse, sem objetivo, sem orgulho, sem futuro e sem opressão. Deus nada tem a ganhar conosco pois nada lhe falta, Ele nos ama não pelo que somos ou pelo que fazemos, nos ama por ser Ele amor e o amor a tudo ama. O amor é injustificado. Espontâneo. O homem não é amável, Deus é que é o amor.
O amor que podemos viver, nós simples mortais, seria uma tentativa, pobre, de provar esse amor/agapé, de mais que amante, ser o amor, mais que amado, dar e amar, mais que ter e exigir, deixar viver e deixar crescer. Mas limitados por eros que ansia e deseja tudo completamente, e por phillia que é ação e é potência, nos debatemos e nos perdemos do pouco que podemos ser.
Será que sempre estive errado, e na verdade, em vez de existirmos para entender a vida, estamos aqui para amar e ser o amor?