A CIDADE E AS SERRAS- EÇA DE QUEIRÓS, UM LIVRO PARA OS DIAS DE HOJE

Jacintho tem tudo. Filho de ricos portugueses, vive desde sempre em Paris. Foi Schopenhauriano, Marxista, Nietzschiista, e vários outros istas. Possui todos os aparelhos do mundo. Engenhocas que fazem sua vida confortável e moderna. Dezenas de empregados lhe servem, tem belas mulheres e come nos melhores restaurantes. Festas suntuosas, roupas finas, modismos vários. Mas tudo isso faz de Jacintho um entediado. Tudo o que ele diz é :-Que maçada!!!!
Tem um grande amigo, Zé Fernandes. O Zé ainda tem um pé em Portugal e o acompanha em Paris nas suas peregrinações. Duques disso, marquesas daquilo, patos com laranjas, arroz doce com manjar. O Zé observa Jacintho empalidecer e emagrecer. "Que maçada!!!"
Compram coisas para seu prazer. Maquinitas que umedecem o ar, que refrescam, que fabricam gelo, que falam, que aliviam dores, que tocam música. Mas que graça há ?
Jacintho tem terras em Portugal. O túmulo de seu avô desaba e ele vai lá para o reformar. Manda antes, por comboio, pratas, vitrais, máquinas e tecidos. Precisa de conforto.
Cruzar a Espanha é um horror e que desastre!!!! Sua bagagem se estravia!!!! Espanha e Portugal não são Europa! Que atraso!!!!! Não há telefones e a eletricidade falha. Os comboios não respeitam horários!!!!! Mas eles comem um cabrito divino, um arroz de cabidela dos deuses, um presuntito e um vinhozito....
As terras de Jacintho estão um caos! Ninguém trabalha nesse país? Mas tem um franguinho assado que é o melhor do mundo!!!!! E apesar de reclamar, Jacintho vai ficando....
Se apaixona pelas flores, pelo mato e anda com o Zé filosofando sobre a vida. "O mundo é belo, ó Zé. Os homens estão a o estragar."
Descobre a miséria de seus empregados e os ajuda. Torna-se um idealista ( sempre o fora. Mas a cidade grande mata todo ideal ). Casa-se, engorda e fica bronzeado. Tem dois filhos, é feliz.
Zé dá um pulo à Paris. E vê com horror que a cidade grande é apenas ANSIA POR DINHEIRO E GOZO IMEDIATO. Amigos que só falam de dinheiro e de prazer carnal, mulheres pouco saudáveis e muito pintadas, multidões lutando para acumular e gozar.
Volta a terrinha. Na paz da serra, o homem cresce e pode ser homem.
Escrevesse numa língua mais central ( ingles, frances ou alemão ) Eça seria da estatura de James, Conrad ou Mann. É um gênio, um esteta, um filósofo, um dandy, um poeta. Este tão simples livro, seu penúltimo, é claro como um milagre e dá prazer de comida bem feita. Suas frases dão água na boca, seus capítulos dão fome. Amamos ao Zé e ao Jacintho.
È preciso ler este livro, reler ( é minha segunda leitura em cinco anos ). É prazer de água da serra.
Eça soube que a cura se incia pelo gosto, pela boca, paladar. E depois pelo olho, pelo sol e pela cor. Jacintho, em 1900, sofre da doença de 2010 : depressão entediada. Mas ele é salvo pela vida, pelo reencontro com sua raiz, pela comida, pelo rosto das gentes, pelo despertar do interesse no outro. O livro é remédio, remédio de gosto doce, de fio de ovos.
O livro é Portugal e é Brasil.
Eça de Queirós. Escritorzito que é um santo remedito. Gigante em tempo de gigantes. Frases que são novelos de luz.
Acho que quero mais um bocadito!