FINZI-CONTINI/ TATI/ SALLY FIELD/ JORDAN/ WOODSTOCK/ EASTWOOD

NORMA RAE de Martin Ritt com Sally Fields
Sally ganhou seu primeiro Oscar com este filme sobre sindicalismo americano. Ela faz uma caipira, meia saidinha, que vai se conscientizando politicamente, ao conhecer um radical sindicalista "de esquerda". Além da muito carismática atuação de Sally, há um belo roteiro de Ratchett, que não romantiza nada ( não há romance entre os dois ) e nem cria nada de violento ou policial na história. O que vemos é uma tecelagem desumana, e a rotina deplorável de seus empregados. Ritt sempre gostou de fazer filmes com mensagem e este é de seus melhores. Não há panfletagem crua, o que há é bom cinema. Nota 7.
O PEQUENO GRANDE HOMEM de Arthur Penn com Dustin Hoffamn e Faye Dunaway
Dustin, no auge da fama, fez esta sátira ao western. Ele é um velho de 120 anos de idade, que em 1970, recorda sua vida a um jornalista. Este é um "Dança com Lobos" da era hippie. O herói é criado com os índios e se perde entre duas culturas : a branca é vista como hiper violenta e materialista; mas os índios também são bastante tolos. Há uma cena em que o velho chefe se deita para morrer que é hilária ! O filme começa meio sem sal, mas após 30 minutos ele se torna uma divertida comédia ( com algumas cenas cruéis ). Dustin era grande amigo de Penn, recusou convite de Bergman para fazer este filme.... Nota 6.
CAFÉ DA MANHÃ EM PLUTÃO de Neil Jordan com Cillian Murphy, Stephen Rea e Bryan Ferry !!!!!!!!!!
Desconcertante ! Acompanhamos a vida de um adotado menino, menino que se torna menina, que de Patrick se faz Kitten. Tudo para ele/ela é fantasia : ele tenta fazer do mundo uma festa. O acompanhamos na escola, já assumido e depois em sua adolescência/ juventude. Ele se envolve com cantor glitter ( feito por Gavin Friday. O filme vale por sua redescoberta. Procure no youtube clips de sua banda dos 80 : Virgin Prunes. São do cacete ! Glitter/ Punk genial. ) Continuando : vem uma tentativa de assassinato por um velho tarado ( Ferry, breve cena e muito bem ) e envolvimento com a guerra na Irlanda. Com tamanho assunto, o filme é bom ? Não. Irrita a voz do ruim Cillian. Não nos interessamos pelo personagem, não nos convence, e como o filme é com e sobre ele... A trilha sonora é um primor ! Nota 3.
ACONTECEU EM WOODSTOCK de Ang Lee
Fuja !!!!! Fuja correndo ! Um imenso fiasco ! Um anti-Woodstock, um caretésimo filme sobre um jovem tentando sair do armário. Quem se importa ? Com um dos momentos chave do século XX acontecendo ao lado, quem se interessa pela história daquele mala ? O filme chega a ser ofensivo de tão errado. Nota 1.
BLOOD WORK de Clint Eastwood com Clint Eastwood e Jeff Daniels
A história do ex-policial que volta a ativa para tentar descobrir quem matou sua doadora de coração transplantado. Clint sempre fez dois tipos de filme : ambiciosos filmes para novos fãs, e entretenimentos descompromissados para velhos fãs. Sou velho fã, adoro seus filmes mais pop, mais simples. Que belo policial é este !!!! Meio triste, lento, bastante envolvente, delicioso. Clint Eastwood é nosso Hawks e nosso Ford. Viva !!!! Nota 8
TRAFIC de Jacques Tati
Último filme de um muito grande diretor. Tati era cinema puro. Não há closes em seus filmes. Todas as cenas são vistas de longe, ângulo aberto ( em todos seus filmes ). Mal vemos os rostos dos atores, pois o que interessa a Tati são os corpos, as paisagens e principalmente as coisas em movimento. Seus filmes são fenômenos do olhar, suas tomadas lembram fotos de Doisneau ou Bresson. Vemos que cada movimento de cada figurante é milimetricamente ensaiado. Não há um só passo de um só figurante que seja casual. Todo movimento é parte de um mecanismo, e sempre existem vários movimentos coordenados acontecendo. Este filme, inferior ao perfeito "As férias de Mr. Hulot ", é fascinante em suas imagens e tem duas cenas de humor irresistível : a do guarda-chuva e a genial dos limpadores de para-brisa. O filme é crítico em relação ao amor dos homens por seus carros, mas nada tem de amargo. Tati adora as coisas. O que mais me agrada nele é sua falta de respeito pelas palavras. Seus filmes são dialogados, mas o que é dito não tem nenhuma importância. Gestos e atos, eis a vida para ele. Na parte final do filme, passada na Holanda, repare num dos mais belos cenários que já ví. Preservar um lugar como aquele é imperativo ! Já disse Roger Ebbert, assistir Tati não é como ver um "filme"; é como visitar um lugar muito querido. Trafic é lugar de férias agradáveis. Nota 8.
O JARDIM DOS FINZI-CONTINI de Vittorio de Sica com Lino Capolichio, Dominique Sanda, Fabio Testi e Helmut Berger
A profanação do que é nobre... Foi com a primeira guerra mundial que toda a nobreza viveu seu golpe final. E com a segunda ruiu toda a ilusão que o homem ainda podia ter sobre bondade ou dignidade. Este filme mostra acima de tudo a profanação da beleza. A destruição da nobre linhagem dos judeus de Ferrara. ( Uma das idéias mais tolas sobre a guerra é a de que os italianos eram um tipo de fascista-cômico. Há quem pense que judeus italianos não foram executados. Tanto foram que toda uma comunidade de judeus foi exterminada. ) O filme, auto-biográfico, centra-se na família Finzi-Contini, uma família tão rica que se dá ao luxo de jamais sair de casa. Eles nunca se misturam. Seu palácio e seus jardins recebem amigos e dentre eles Giorgio, que se enamorará por Micol, amiga de infância. Ela o repele, mas além dessa dolorida história de amor frustrado, há a história de um cerco que se fecha sobre todos, e mais cenas proustianas sobre tempo e memória e a tolice de judeus otimistas, pensando serem italianos e portanto salvos. Mas a beleza ( o filme é esteticamente primoroso ) do filme está nessa terrível sensação de "extinção" que nos assalta. Vemos o final de algo que nossa geração jamais conheceu : nobreza. Pois o fascismo ( de direita ou esquerda, tanto faz ) traz ao mundo algo novo : a cultura do feio, do estridente, do mínimo denominador comum, do vulgar, do grito e da delação. Nosso mundo afinal... E beleza fria, radiantemente fria nasce em cena após cena, seja pelo belo roteiro baseado em Giorgio Bassani, seja na foto de Ennio Guarnieri ou na bela trilha de Manuel de Sica. Vittorio foi um gentleman. Seus filmes têm o toque leve, porém contundente, de um verdadeiro poeta. Este filme, monumento discreto e simples às coisas belas, é um poema a tudo que termina, coisas que são abandonadas, à profanação. O jardim é pisado por não-convidados, o estrago é para sempre....
Eu tinha 14 anos quando assisti a este filme numa Sessão de Gala de um sábado muito frio. Foi um de meus primeiros contatos com aquilo que o cinema poderia ser. Lembro que chorei. Tanto tempo depois, hoje, tantos filmes mais tarde, o reencontro. Mal recordava sua história, mas percebo, como madalenas proustianas, que certas imagens não foram esquecidas : o sol entre as árvores do jardim, o rosto de Micol e principalmente uma frase, a única, da qual nunca me esquecí : "Eu nunca mais verei este jardim..." Síntese de tragédia sem remédio e símbolo de toda beleza, beleza que é sempre um fim e nunca um começo.
Naquele tempo, Finzi-Contini, assim como HOUVE UMA VEZ UM VERÃO, O MENSAGEIRO, A NOITE AMERICANA e OITO E MEIO, foram os filmes que me fizeram perceber que havia alguma coisa maior na vida, mais brilhante, sem tempo e sem mácula. Um jardim.
Ele continua vivo.