O PRIMEIRO GOLE DE CERVEJA - PHILIPPE DELERM

No começo desta década a editora Rocco lançou uma coleção de livros chamada : "Prazeres e Sabores". Cada livro falava sobre alguma coisa relacionada ao bom-viver. Tínhamos livros então sobre azeitonas, cigarros, um livro sobre a geração perdida ( anos 20 ) e o primeiro e ótimo livro de Peter Mayle ( de quem acabei lendo tudo ). Este "Primeiro Gole..." é um minúsculo livreto escrito por Delerm e que fala de cotidianos prazeres. Aqueles momentos de bem estar, de satisfação, que todos temos e que fazem da vida um colorido e inebriante prazer.
Cada mini capítulo conta um prazer e Philippe passa a discorrer sobre esse momento de brilho e de conforto. Uma faca no bolso é seu primeiro prazer. Mas não uma faca qualquer ! Aquela faquinha que voce usa para cortar salame, queijo, para lascar madeira, cortar uma rosa. Faca de cabo de osso, cabo de madeira enegrecida. Faca, na verdade agora inútil, e que por ser inútil, é um prazer sem igual. Jogada no bolso amplo de uma calça de veludo verde escuro, repousando para emergência que jamais virá. Segura e dando segurança....
Sentiram do que trata o livro ? Deliciosamente fala de delícias. A lista prossegue...
Embrulho de doces; Descascar ervilhas frescas; Um cálice de Porto; Cheiro de maçã; Croissant na calçada de manhã cedo; Bicicleta; Inalação para gripe na infância; Comer no jardim; Colher amoras; O primeiro gole de cerveja; Dirigir de noite na auto-estrada; Viajar em trem velho; Banana split; Convidado surpresa; Sanduíche de sobras no domingo à noite; Pulôver no outono; Jardim ao meio-dia no verão; Alpargatas; Bolas de vidro com neve dentro; Romance de Agatha Christie; Caleidoscópio; Lingerie feminina; Cabine telefônica; Jogar bocha.
En todos esses temas, desenvolvidos em duas páginas, ele faz deliciosas associações, lembranças, prazeres que trazem mais prazeres. O livro exibe aquela França da mesa e da cama, do paladar farto, dos cheiros e da gulodice, da alfazema e do vinho. Solar.
Minha lista, sua lista... seria uma delícia a redigir !
Cheiro de terra após a chuva; Cozinhas grandes com mesas bagunçadas e velho cão à porta; Bolachas velhas em saco pardo de papel; Feiras de rua cheias de donas de casa gordas; Calcinhas brancas; Corpos nús debaixo de lençóis brancos imaculadamente limpos; Padarias ao amanhecer; Mãe fazendo bolinhos de chuva; Vick-Vaporub; Guarda-chuva e cachecol em dia frio e úmido; Som de cigarras no verão; Descer a Serra de noite; O mangue; Torta de nozes; Relógios velhos; Cheiro de livro novo; O primeiro gole de cerveja; Assistir um Hitchcock; Pássaros à janela; Camisas havaianas; Conversar à beira-mar; Chuva correndo na calha; Caneta tinteiro; Flanar em ruas velhas; Luz de vela; Ronco de cachorro; Receber uma carta...
Existem prazeres bem maiores que esses. Encontrar um novo amor, ir à Paris, cruzar o mar. Mas são esses prazeres simples, quase diários, que nos consolam, nos iluminam, nos dão prazer em viver. Cultive-os. Descubra-os. Torne-os seus. O livro de Delerm é mais um desses minúsculos e muito vivos prazeres.