Amar dá medo porque no fundo nós sabemos que sobre ele não há controle possível. Eu falo de AMOR, aquele dos menestréis. Encontrar esse amor depende de sorte, pura sorte, e isso nos deixa putos, porque não existe onde e como o achar. Para alguns ele pode jamais chegar e pior, para outros, correndo atrás dele em noites de bebida, ele se torna ação inconsequente. Nada pode ser feito. Ele surge quando quer, cria seu próprio lugar, sua língua e então se vai, desaparece. Somos objetos dele, bonecos em sua vontade, flexados e enlouquecidos, nada felizes a seu lado, porém, vivos. Submissos a sua ação e estranhamente libertos do mundo.
Porque amar incomoda quem não ama. Os amantes se bastam, excluem o mundo, não necessitam de nada que não seja seu amor. Vivem nesse planeta próprio, livres em sua emoção amorosa, sem passado e sem nenhum futuro. Vencem distancia e tempo, são mágicos.
No filme o amor morre quando transformado em banalidade ( todo amor de verdade é excêntrico ). Brando sai do mundo deles e segue o script do conquistador calejado. Torna-se caricatura. O misterioso- perigoso que ele foi se faz vulgar cortesão. Apenas um quarentão atrás de sexo adolescente. Ela, desiludida, o mata. Ele, quando mais dele necessitava, trai o amor.
A esposa se matou antes. O casamento mata o amor. Nada é menos amoroso que a rotina de se ter alguém ao seu lado para sempre. Tédios, culpas, conversas amenas, amantes ocasionais. O casamento faz do amor outra coisa. Se voce tiver sorte, ele se faz amizade e cumplicidade. Se tiver menos sorte, comodismo. Amor só vive no incerto, no sem nome, no ainda por descobrir, no medo. Sem medo não existe amor. Ele é o abismo.
Ele é um homem dilacerado. Topa em acaso com sua chance de vida. Penetra e é penetrado pelo sentimento que os toma. Deflora e é deflorado. Não são cumplices em nada. São amantes, são sedentos, são eros.
Marlon Brando se desnuda. Nunca um ator amou assim. Tudo o que é dito de Paul é Brando. Ele é Paul. Sua vida é a dele. Compartilha sua alma conosco. O que fala da mãe de Paul fala de sua mãe. A história que conta do pai é a história do pai de Marlon e ao encontrar o amnte da esposa fala de sua barriga e de seu cabelo. Chora choro real. Nos ama. É quase um milagre de interpretação despojada, generosa, suicida, transcendental. Brando morre nesse filme. Sua carreira termina. Nesse 1972 ele nos deu Corleone e Paul, nada mais havia a tentar. Apenas o amor ao Tahiti...
Jeanne se apaixona por ele. De verdade. E Maria Schneider, a menina atriz que esnobou o estrelato, é perfeita imagem de tentação jovem-saudável-imperfeita. O sorriso é um luar e os olhos um sonho. Seu namorado, jovem bom e saudável, feito pelo eterno Antoine Doinel de Truffaut ( Leaud ) é pura convenção. Amor para as câmeras, amor de TV, de exibição, de conformidade. Dos anos 2000... Amor que não tem o que derrotar não é amor. A coragem é a prova e sem um confronto não se faz amor. É preciso um dragão. E Paul com Jeanne é puro confronto : vontade contra liberdade, juventude contra maturidade, fé contra descrença, otimismo contra negação. O amor se faz do acidente em que se chocam dois caminhos opostos.
Sabemos que todo amor verdadeiro morre. Ela o mata. Tanto faz, o tempo os mataria. E ela diz não o conhecer, ao final. Conhecemos amigos. Ninguém conhece quem ama. Se conhecesse não amaria, gostaria. É diferente.
O filme vai corajoso. Tromba com o acaso e flerta com o vazio e o perigo. É sincero ato de amor. Bertolucci percebia que havia agora o amor convenção : jovens bonitos comprando casas a prestação e tendo um filho sadio. E o amor verdadeiro : uma navalha achada num banheiro com sangue. Flerte com a destruição e a aniquilação.
Sem perigo não existe amor. Pecado, tabú, inesperado.
Quem amou sabe : amar é amar o perigo. Acaso que bate na cara e nos leva pelo nariz.
E o resto, triste ilusão ( amar nunca é ilusório, é ver a verdade ) é frase tola :"...e viveram felizes para sempre."
PS: Quando os dois começam a se perder do amor vemos um salva-vidas afundar no Sena. Nele está escrito : L'ATALANTE... Homenagem de Bernardo ao mais belo dos filmes.