AMOR E AMIZADE

Primeiro fato : não existe amor sem paixão. Todo amor é apaixonado. Se não for, não é amor, é amizade com sexo - muito mais comum do que se pensa.
A amizade também é ciumenta. Mas tudo que ela quer é atenção. O amor quer ser único, o maior do mundo - todo amante pensa ser seu o mais nobre dos amores. Cobra do outro a nobreza que ele pensa ter. O amigo quer apenas companhia, ser escutado afetuosamente.
O amor tem a chave de nossa divinização ou de nossa destruição. Todo amor é necessariamente destrutivo : e dessa destruição pode nascer um novo ser -ou ter como fruto cinzas. Ele é sempre dionisíaco. A amizade nada destrói. Ao contrário, ela quer manter tudo exatamente como é. Na amizade há o desejo de se ter ilha de não-tempo. Quando amigos se encontram, o tempo é sempre o do primeiro encontro. Todo amor é portanto revolucionário. Toda amizade é conservadora.
Mas o amor nos envelhece. ( Chineses pregavam a abstinência sexual como forma de vencer o tempo. Eu creio nisso. Todo grande amante é envelhecido. Eunucos nunca envelhecem. ) O amor nos consome, nos leva a lugares novos, nos faz abandonar coisas conhecidas. Há uma conta pelo amor. Não pense que amor se paga com amor, não seja ingênuo. Se paga com vida.
A amizade pode terminar. Mas deixa para sempre uma saudade de paz e de irmandade. Quando voce torna-se amigo é sempre para sempre. O amor pode e normalmente termina. O que fica é outra coisa, não amor saudoso ( saudade apenas quando um deles morre ) fica raiva, rancor, remorso ou esquecimento. Amor não. Na amizade, mesmo na distância e na briga, sempre há a lembrança da própria amizade. No amor há lembrança de erros e de injustiças.
Amigos são alma. Figuras etéreas se encontram. Mas sempre há o convite ao sexo ( quando sexos opostos ). Amigos podem transar. E pensar que aquilo sempre foi amor, que era uma paixão disfarçada. Nunca foi. O amor nasce carne e termina carne. Nasce exigente, gritando, exuberantemente egoísta. Sabemos quando ele vem. O amor não pode ser amigo. Pois ele quer e exige. Amigos pedem.
Você joga coisas fora quando ama. O passado é esquecido. Às vezes pedimos por amor como quem pede por amnésia. Amizade não pede esquecimento, ao contrário, ser amigo é reviver o passado, sempre e sempre. É recordar os jogos da meninice e gostar de contar e contar histórias de vida. O amor não. Ele é todo esperança de futuro. Seu dardo é voltado à frente : esqueça sua família, seus ex-amores, seus amigos, sua casa. Pense no que virá : filhos, nova casa, viagens, futuro.
Todo futuro leva ao fim. Na amizade esquecemos apenas uma coisa - o fim. Portanto ela é sem final. Amigos andam em circulo. Amantes correm em linha reta.
Reatar uma amizade sempre se parece com supressão de tempo. É como se eles tivessem se visto ontem. Reatar um amor é tentar transformar carne em espírito. Pode renascer. Mas renasce como espectro do que foi um dia. Sobreviverá na lembrança confusa e no sexo que procura o rastro de cheiros perdidos. O corpo muda dia a dia, o amor muda com ele.
A amizade é consolo de dor e compartilhamento de alegria. O amor é aumento de dor e aumento de alegria. A amizade não é fértil. O amor é solo e semente, chuva e sol, ele é sempre vivo e sempre vida. Amigos são imagens, amantes são cheiro, gosto e tato.
Jamais tente unir amizade e amor. Você perderá o amigo e não terá o amor. Ou destruirá o amor e não ganhará um amigo. Porque a amizade se faz na luz. Ela precisa ser clara e solar. O amor se faz na sombra. Necessita de zonas escuras, segredos e luar. Iluminar o amor faz dele coisa seca. Apagar o brilho risonho da amizade faz do amigo bicho preso.
Vamos ao amor como quem encontra tudo. Vamos a amizade como quem acha consolo para não ter tudo. O amor magoa quando se revela não ser tudo. A amizade esfria ( mas se sincera não morre ) quando se revela restritiva. Amigos precisam ser livres. Amantes não. Jogamos fora metade de nós mesmos para poder unir a metade que restou à outra metade. Amigos são duas laranjas inteiras não cortadas.
O auto-sacrifício do amor é que faz dele algo de nobre. Renunciamos a vários prazeres ( que subitamente parecem fúteis ) pelo novo amor. Por ele tudo podemos fazer. Dar a vida. E dela tudo queremos : ela inteira. Amigos nada sacrificam pela amizade. Eu sou isto/ voce é isso. Caminhemos juntos. Nada há de heróico em seu nascimento.
Mas há com o correr do tempo....
O heroísmo da amizade se revela com o tempo, de forma sutil e constante. Reencontros, crises atravessadas, ajudas não pedidas, momentos de alegria genuína. O heroísmo do amor é seu oposto : diminue com o tempo. Toda aquela coragem e originalidade vai se resfriando e o sacrifício começa a ser cobrado e não mais dado com prazer. Uma poesia de explosão. A amizade é crônica diária.
Eu tenho pela amizade, amizade.
Tenho pelo amor, amor.
A amizade não me dá medo e me é natural. Consola e nada pede. Posso ter mil amigos e ser sincero e fiel a todos.
O amor me dá medo e me é trabalhoso. Nada consola e pede tudo. Posso ter um amor e ser fiel apenas a ele. Mas ele sacia meu corpo e me faz mais vivo. Me envelhece mas me dá a sensação de estar existindo. Desperta meus sentidos e amortece minha memória. É irresistível, como droga, como vicio, como a morte.
Meus amigos. Vocês nada me dão de trabalhoso. Pedem apenas o que posso dar. E me deixam ser fiel a outras amizades. Me dão a ilusão de eterna juventude e com voces posso ser infantil para sempre. Anesteziam meu desejo, minha dor e minha doideira. E não me viciam, não me matam. Amigos.......
Mas eu preciso de amor...