PADRE SÉRGIO- TOLSTOI

   Esta novela de Tolstoi, apenas 70 páginas, foi chamada de patética, fraca, errada, durante décadas. Começou a ser reabilitada no fim do século XX e hoje é chamada de obra-prima. Claro que não é. As melhores novelas de Tolstoi estão muita à frente deste Padre Sérgio. Na verdade ela é uma peça de propaganda religiosa. Uma parábola. E lembra bastante os contos diretos e filosóficos de Voltaire. 
   Um nobre é humilhado por um rival. Se isola do mundo em uma caverna. É tentado por uma mulher fútil. Ao resistir à ela, faz com que essa mulher, arrependida, se torne freira. Sua fama se espalha. Cura doentes. Uma segunda mulher surge. E à essa ele não resiste. Cheio de culpa, foge outra vez. Vai visitar uma velha amiga. E lá ele tem uma revelação. Esse é o enredo. Tolstoi conta tudo isso de um modo que muito agradava Heminguay, direto, objetivo, seco, simples até o osso, sem firulas. Parece fácil escrever assim, puro engano. Escrever muito, descrever demais, isso é fácil, conseguir contar de modo limpo e claro, sem perder o encanto e o estilo, isso é bastante árduo. Requer exercício, prática. 
   O sentido de Padre Sérgio é transparente. Toda sua fé é baseada na vaidade. Por mais que ele tente, ele nunca se livra do orgulho de ser um religioso. Todo seu ato parece ter uma platéia, Deus. Quando ele encontra sua velha amiga, mulher atarefada, que sustenta sozinha várias pessoas, ele percebe ser esse o sentido da vida. Ela diz que se acha uma pessoa má, e que Sérgio complica tudo. São essas duas frases que resumem o livro. Sérgio se acha bom, amante de Deus, e isso é vaidade. Posso dizer que ele não sai de seu mundinho regido pelo eu. A amiga faz o bem todo o tempo, quando pensa em si mesma é para se condenar e acha estar longe de Deus. Essa é a verdadeira religiosa. 
  Tolstoi ao fim da vida fundou uma seita cristã que pregava o fim de toda violência e o fim da igreja. Ele queria o cristianismo de Cristo, sem a carga de teoria e de cerimônias criadas pelos homens. Todos movidos pela ambição e pela vaidade. Gandhi bebeu nessa fonte tolstoiana. 
   Este livro foi filmado no final dos anos 80 pelos irmãos Taviani. Um belo filme. Mas a novela é bem diferente. No filme o padre é quase um santo ingênuo. Aqui ele é um perdido. No momento em que ele perde a fé ele começa o longo processo de encontro com Deus.
   Um passarinho o encontra. Um besouro tromba com seu corpo. Sérgio entende a mensagem.