TOLSTOI E JANE AUSTEN, O ENCANTO DO REAL E A SEDUÇÃO DO EXAGERO

   O romantismo vai a falência porque ele se torna fraqueza e não mais sinal de força. A natural tendência humana a facilidade transforma o que era coragem em acomodação e o desafio vira preguiça. O pensamento burguês vence. O homem é uma fera, egoísta e individualista, no mundo é cada um por si. O artista diante desse fato ( ele não tem mais ânimo para ir contra o senso comum, que no capitalismo se torna a fé no individualismo e na disputa ), abre mão do desejo pela beleza via erotismo. O que ele faz? Aceita esse mundo material e entra numa triste competição. A arte do século XX passa a ser uma corrida pelo feio. Quanto mais feia e terrível a obra for mais verdadeira ela é. A vida, vista como mera mercadoria, portanto futil e sem grande valor, passa a ser um pesadelo. O sexo é mero gozo sem transcendência e a literatura um coro de ressentidos. A arte é um retrato de uma vida que vale quase nada. A criatividade só é válida se criar pesadelos.
   Allan Bloom tece esse retrato após analisar Tolstoi e Austen a luz de Eros. Ele demonstra o lado mais problemático de Tolstoi. Começa dizendo que sua geração viu Tolstoi como o guia para a vida. ( Bloom nasceu em 1930 ). Mas relendo Anna Karenina, 35 anos depois, ele percebe que o livro mais que um romance é uma pregação sem fim. Tolstoi prega Rousseau. Tenta unir a familia oa erotismo, critica a Rússia européia modernizada à força e elogia a Rússia camponesa, eslava, simples, pura, natural. É o mesmo discurso de Putin. Tolstoi não morreu. 
   Anna morre porque ela representa a Rússia que acreditou na Europa e Lievin sobrevive por ser o bom russo, o homem rico que descobre a sabedoria do povo. Lievin é Tolstoi. A grandeza do romance reside no fato de que Tolstoi se trai, se apaixona por Anna e acaba fazendo dela uma força irresistível. Ela engole o livro. Anna Karenina é uma enciclopédia sobre todo o mundo, sobre toda a vida e sobre a falência do romantismo. Ao contrário de Stendhal, que em nada acreditava, Tolstoi crê no Deus da natureza, o Deus da reprodução. Todo o livro é construído para enaltecer Lievin, mas acaba sendo de Anna. 
   Jane Austen nada tem dos exageros de Tolstoi e nem da ambição de Stendhal. Ela aceita a vida como ela é. E por isso, apesar de ser a mais antiga dos quatro gigantes ( Stendhal, Flaubert e Tolstoi ), ela é a mais próxima da nossa vida de hoje. Irônica, ela acena sempre com a sabedoria de quem enxerga todo o ridiculo da vida, mas ela compreende que instituições são necessárias para a vida. Ela sabe que Eros é indomável, mas que ele deve ter um canal por onde fluir e esse canal se chama compromisso. Os casais se analisam, testam, pesam, pensam e aceitam ou não. Familia e dinheiro é o que os move. Austen evita tocar em politica e em igreja, eles são fatos estabelecidos. Inglesa ao extremo, ela é prática. Seu mundo é aquele em que ninguém é herói e ninguém é muito mal. As pessoas têm limites claros. Eros acaba sendo a força que lhes salva do tédio e do vicio. 
   Burguesa? Não porque Austen se coloca fora desse mundo. Suas heroínas são sempre inconformistas, mas lidam com a vida como ela é e não como querem que ela seja. Não sonham, se viram. Esse o segredo do encanto de Austen.