MEU MAIOR AMOR
Eu tinha 6 anos e começava a aprender a escrever. Meu amigo se chamava Wagner e morava numa casa com um jardim aberto à rua. Correr pela casa e pelo jardim é o que eu e ele fazíamos todo o tempo. O pai dele tinha uma máquina de escrever, ele ficava horas batucando naquela máquina barulhenta. Às vezes eu parava ao seu lado e esperava. O pai de Wagner deixava eu teclar a letra do canto. Ele me chamava sempre que era hora de teclar o X. Contente, eu apertava com força enquanto Wagner me chamava para voltar a correr. O pai de meu amigo, sentado à máquina, ele era advogado, se tornou a imagem de homem que eu queria ser. Por que? ----------------- Wagner era loiro e tinha como mãe uma mulher de 26 anos chamada Meire. Eu ficava encantado com a beleza da mãe do meu amigo e se seu pai tinha Meire, eu queria ser seu pai. Parece inacreditável uma criança pensar assim? Parece forçada essa transferência de complexo de Édipo? É o que lembro. Desde sempre. Posso visualizar a cena. Sentir. E minha mãe confirma essas imagens. Elas foram reais. --------------------------- O amor da minha vida não foi uma mulher, foram os livros. E essa imagem erótica, do pai que escreve ao lado de uma mulher belíssima, foi fixada em minha alma. Nesse mesmo ano eu ganhei meu primeiro livro, Renard, Velha Raposa, e nas páginas cheias das letras que o pai de Wagner manejava, eu via um desejo imenso. Eu queria fazer parte daquele mundo, o mundo do papel cheio de sinais que formavam mensagens. Eu tinha de estar dentro daquilo. Eu precisava escrever. ------------------ A imagem do homem que escreve, por culpa do pai de meu amigo, passou a ser a imagem mais sexy em minha visão infantil. Mais que o soldado destemido, o motoqueiro ou o astronauta, o homem que tem uma mesa e uma máquina de escrever era meu modelo alfa. Sendo esse homem eu teria a mulher. --------------- Então eu me contradigo. O alvo era, afinal, a mulher! Sim, era. Hoje eu sei, mas por anos eu havia esquecido essa cena, essa vivência. E quando a lembrava não entendia seu significado. ------------ Depois veio meu segundo livro, Tom Sawyer, e me lembro do prazer em tirar o plástico que envolvia o volume e o perfume das páginas impressas. Se voce pensou no ato de desnudar uma mulher, talvez voce tenha sido freudiano demais, mas quem sabe? A vida é essa teia de significados que na maior parte do tempo não entendemos. O fato é que caço livros como quem flerta e vivi cercado por autores fantasmas como fossem amores perdidos. Mal sabia o pai do meu amigo o que simbolizava o apertar daquele X. Mal sabia a mãe de Wagner o significado das saias curtas que ela usava então.